Em Arte, e principalmente tratando-se de Poesia, não sou amigo - e pouco entendo - de "ismos". Classicismo, Romantismo, Impressionismo, Expressionismo, Surrealismo, Simbolismo... prefiro falar em "Poesia Clássica" e "Poesia Moderna". Quem quiser se aprofundar no assunto, faça sua pesquisa ou visite o Balaio da Si.
Houve tempo em que, ao ler um poema dito "de vanguarda", eu ficava cheio de dedos para falar sobre ele... porque ele não me dizia coisa com coisa. Que mania que têm esses poetas vanguardistas de usar hipérboles, jogos intrincados de palavras, alegorias nebulosas, metáforas inescrutáveis, figuras de pensamento exóticas... e eu, quando perguntado, para não passar por ignorante dava uma opinião neutra - ou seja, vazia de conteúdo.
Bem, com o tempo aprendi que esse tipo de poesia é como um quadro de Picasso: busca transmitir diretamente emoções e não mensagens sobre elas, que devem passar pelo crivo mental da análise e da interpretação. E cada leitor vai reagir de modo diferente, conforme se sentir tocado (ou não) pelo verso do poeta.
Não se sinta, amigo, frustrado - e muito menos ignorante - quando não entender o sentido de um poema moderno. Eu entendo às vezes e às vezes não entendo. E não esquento a cabeça, pois sei que o que eu entendo ou não entendo hoje é diferente do que entenderei ou deixarei de entender amanhã.
Uma criança olha o famoso Guernica, de Picasso, e pensa: "Eu desenho melhor que esse cara".
Volta anos depois, já adolescente, e sente uma angústia profunda e inexplicável ao contemplar a mesma obra.
Tempos passados, forma-se em História. E ao aprofundar-se sobre a Guerra Civil Espanhola, pensa ter decifrado o enigma do grande painel.
Já adulto, lendo ao acaso a biografia de Picasso, inteira-se da famosa resposta do pintor ao oficial nazista que o interrogava. E vê a obra com uma profundidade nova e pungente.
E cada uma dessas reações é válida... pois é baseada em emoções.
É assim a poesia moderna. Só que, em vez de traços e cores, usa palavras e expressões para obter um efeito similar.
Mas... como prometi à amiga Lu, deixo aqui em versos a impressão que me trouxeram os capítulos do seu "Re(cantos) de Mim". Tentei obedecer à ritualística da poesia de vanguarda, mas não garanto nada - amanhã provavelmente os lerei com outros olhos. E afinal meu melhor estilo de versejar ainda é do tipo "Batatinha quando nasce"...
Poema em Oito Recantos
Recanto I - Pérolas de Maresia
Emoções e sentimentos vividos pela poetisa são aqui retratados como praias e oceanos, caramujos e conchas marinhas.
Meus passos traçam linhas paralelas
Na areia molhada, com os teus;
E lá nossos rastros ficarão pela eternidade
Que existe entre duas marés cheias.
Recanto II - Lágrimas de Prata
Os sentimentos e emoções transcendem agora os limites do oceano e assumem um caráter mais sensual, abarcando o tempo e o espaço, espalhando-se por todo o universo.
Encho a taça do desejo, a transbordar,
Com a espuma dourada da lua crescente. E brindo.
E tu brincas com Órion, cabra-cega e amarelinha...
Brindo à tua beleza. E rezo a Urânia para que atrase
O cometa em que iremos retornar.
E brindo.
Recanto III - Vitrais
É o recanto central da alma da poetisa. Cada poema é um brinquedo, um objeto de decoração, disposto em torno de Cynthia.
Cacos coloridos,
Cristais colados,
Caleidoscópio cintilante,
Cantos cortados,
Coplas quebradas,
Cercam o centro do
Capítulo:
Cynthia.
Recanto IV - Solstício de Verão
Pedaços de sonhos, pontes fugidias entre o real e o imaginário, desejos e esperanças...
Lembranças do que nunca foi.
Saudades do que nunca virá.
Vivências do que nunca é.
Assim és tu.
Fadas e duendes.
Recanto V - Abismos
Encontros e desencontros, encantos e desencantos entre mulher e homem, paixão, ternura, dor...
Do conúbio raro entre o juízo e a loucura,
Do incesto místico entre o sonho e a fantasia,
Da aliança espúria entre o amor e o sexo,
Nasce, nua e crua,
A realidade.
Recanto VI - Alquimias
O pecado da gula é aqui descrito tão realisticamente que este recanto foge ao "modernismo" que tempera toda a obra. Mas afinal, o paladar é um dos cinco sentidos... e pode também desencadear diferentes emoções...
Ela estava em dietas
Ou grávida do poema maior.
Desejos divinos,
Fome fecunda,
Prenhe de versos!
Recanto VII - Menina dos Olhos
Prossegue e cresce a saga do Recanto III, agora com ênfase na transformação dos sonhos em realidades e na cristalização das expectativas.
Suspensa nos sonhos,
Ausente do Espaço,
Perdida no Tempo,
Nasce e reluz
Tua verdadeira Luz.
Recanto VIII - Sinfonias
A poetisa tece aqui uma colcha de retalhos, como um "pot-pourri" de breves trechos das emoções anteriores. Como se as reminiscências dos acontecimentos do dia desfilassem confusamente ante nossa consciência, quando o sono vai chegando.
Repetem-se as tocatas
Em doce diminuendo
Em notas soltas, livres
Gran finale!
Se o leitor amigo tiver a oportunidade de ler o "Re(cantos) de Mim", certamente terá reações emotivas diferentes das minhas. É assim mesmo; mas aposto que serão tão ricas como foram as minhas. Quanto ao valor literário da obra, é assunto para os "istas". Eu sou apenas um poeta. Um poeta menor.