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Olegário Mariano |
Outra noite, batendo papo com a Milene, veio-me uma lembrança nebulosa de uns versinhos meus, feitos há algumas décadas, após ler um poema já esquecido:
- Menina, se eu te falasse,
Se eu te afagasse na face,
Tu me desse um beijo?
- Doce...
Essas memórias que emergem de repente (não mais que de repente), gosto de pesquisar-lhes a origem. A desta, achei-a no Nordeste. Olegário Mariano, poeta e diplomata recifense, gostava de vestir em versos as falas populares, extraindo delas um lirismo ingênuo e saboroso, bem ao gosto de cordelistas e seresteiros. "Kremesse" é um clássico no gênero:
Foi um dia de kremesse.
Depois de rezá treis prece
Pra que os santo me ajudasse,
Deus quis que nós se encontrasse
Pra que nós dois se queresse,
Pra que nós dois se gostasse.
Inté os sinos dizia
Na matriz da freguesia
Que embora o tempo corresse,
Que embora o tempo passasse,
Que nós sempre se queresse,
Que nós sempre se gostasse.
Um dia, na feira, eu disse
Com a voz cheia de meiguice
Nos teus ouvido, bem doce:
Rosinha, se eu te falasse...
Se eu te beijasse na face...
Tu me dás-se um beijo? — Dou-se.
E toda a vez que nos vemo,
A um só tempo perguntemo
Tu a mim, eu a vancê:
Quando é que nós se casemo,
Nós que tanto se queremo,
Pro que esperamo, pro quê?
Vancê não falou comigo
E eu com vancê, pro castigo,
Deixei de falá também,
Mas, no decorrê dos dia,
Vancê mais bem me queria
E eu mais te queria bem.
— Cabôco, vancê não presta,
Vancê tem ruga na testa,
Veneno no coração.
— Rosinha, vancê me xinga,
Morde a surucucutinga,
Mas fica o rasto no chão.
E de uma vez, (bem me lembro!)
Resto de safra... Dezembro...
Os carro afundando o chão.
Veio um home da cidade
E ao curuné Zé Trindade
Foi pedi a sua mão.
Peguei no meu cravinote
Dei quatro ou cinco pinote
Burricido como o quê,
Jurgando, antes não jurgasse,
Que tu de mim não gostasse,
Quando eu só amo a vancê.
Esperei outra kremesse
Que o seu vigário viesse
Pra que nós dois se casasse.
Mas Deus não quis que assim sesse
Pro mais que nós se queresse
Pro mais que nós se gostasse.
Pois a palavra "doce" ficou ecoando na minha cachola; e mais tarde, conversando com a Denise, esses ecos tomaram a forma de versos:
Dá-se um doce
Dá-se um doce a quem pudesse
Do seu dossel estrelado
Um desses dias me desse
Descer do céu do seu lado
Dá-se um doce a quem conceda
De seu tecido de seda
De ter sido estar cansado
De se dar está sedado
De ser dor que nunca ceda
Nesse ardor quando proceda
Dê-se o soldo ao soldado
Diz-se o doido agradecido
Desse dar-se tão doído
Desse dar-se mal doado
Desce o dardo bem dorido
De ser dado mal dourado.
A quem disso agradou-se
Do semblante do desejo
Por pouco dar-se que fosse
A quem disse dá-se um doce
Além disso dá-se um beijo.
Niterói, abril de 2013
Rodolfo Barcellos
PS: Alguém avise ao presidente da FIFA que "Mané Garrincha" é bem mais fácil de pronunciar do que "Sr. Joseph 'Sepp' Blatter". Ele vai ser mais um "joão" se continuar teimando.
PPS: Avisem também ao presidente da CBF pra deixar de ficar engolindo batráquios suiços. O Mané é nosso.