terça-feira, 23 de novembro de 2010
Eu sempre me achei
muito seguro. Para mim, a Rê e seus colegas psicólogos estariam desempregados
se todos fossem como eu.
Ledo engano. Nesses
últimos dias, mergulhado na tristeza da perda de Maria Helena, ela, sem que eu
percebesse, me analisou, fez seu diagnóstico e me prescreveu a melhor terapia:
escrever. E soube induzir-me ao tratamento: mandou-me em comentário, há alguns
dias, um soneto do Mário Quintana que já se havia sumido de minha lembrança:
Ah! os Relógios!
Amigos, não consultem os relógios
Quando um dia eu me for de vossas vidas,
Em seus fúteis problemas tão perdidas
Que até parecem mais uns necrológios...
Porque o tempo é uma invenção da morte:
Não o conhece a vida - a verdadeira -Em que basta um momento de poesia
Para nos dar a eternidade inteira.
Inteira, sim, porque essa vida eterna
Somente por si mesma é dividida:Não cabe, a cada qual, uma porção.
E os Anjos entreolham-se espantados
Quando alguém - ao voltar a si da vida -
Acaso lhes indaga que horas são...
Pois não é que o
bendito sonetinho ficou me azucrinando as ideias? Foi de propósito, né, dona
Rê?
Bem, tenho uma
superabundância de tempo - que, conforme alerta Mark Twain, não é
dinheiro - e resolvi exorcizar o soneto tomando-o como mote e compondo
uma glosa, em tercetos:
Glosa
Não quero constar de Martirológios;
E se a hora chegar das despedidas,Amigos, não consultem os relógios.
Pois horas eu vivi tão bem vividas
Que as cantarei em salmos eloquentesQuando um dia eu me for de vossas vidas.
Em frações de minutos repartidas
Essas horas não foram, por contentes,Em seus fúteis problemas tão perdidas.
E se querem fazer-me apológios
Não mos façam como os da negra sorte,Que até parecem mais uns necrológios...
Sejam mais como beijos de consorte
E não como areia de ampulheta,Porque o tempo é uma invenção da morte.
A natureza, à sua maneira
Do tempo desconhece esta faceta;Não o conhece a vida - a verdadeira.
Para tornar tristeza em alegria
Eventos há - a alma é parceira -Em que basta um momento de poesia.
Não queiras tu tapar Sol com peneira,
Pois basta de um segundo uma fatiaPara nos dar a eternidade inteira.
Inteira como o é uma caverna
Onde há túneis infindos sem saída;Inteira, sim, porque essa vida eterna
Em divisões nunca será partida;
Toda fração é una e sempiterna,Somente por si mesma é dividida.
Assim inteira é da glória a ação:
Na derrota ou vitória aos soldadosNão cabe, a cada qual, uma porção.
Heróis e mártires serão amados
Eternamente, sem qualquer senão;E os Anjos entreolham-se espantados,
Buscando tontos resposta pedida,
E ficam sempre em grande confusãoQuando alguém - ao voltar a si da vida,
Do Paraíso a alma no portão,
Do fútil que é o tempo esquecidaAcaso lhes indaga que horas são...
RR, Caríssimo, passando pra te deixar um abraço e, eis que encontro bela poesia bordada com renda macramê.
ResponderExcluirTípico de tua verve.
bacios
Bom dia.
ResponderExcluirLinda escrita.
Ler, escrever ou ler
e escrever é sempre
linda forma de
comunicação. não
com os outros,
mas sim conosco mesmo.
Aguardo você la
no Espelhando.
Bjins
CatiahoAlc.