terça-feira, 9 de abril de 2013

Dá-se um doce


Olegário Mariano
     Outra noite, batendo papo com a Milene, veio-me uma lembrança nebulosa de uns versinhos meus, feitos há algumas décadas, após ler um poema já esquecido:


- Menina, se eu te falasse,
Se eu te afagasse na face,
Tu me desse um beijo?
- Doce...

     Essas memórias que emergem de repente (não mais que de repente), gosto de pesquisar-lhes a origem. A desta, achei-a no Nordeste. Olegário Mariano, poeta e diplomata recifense, gostava de vestir em versos as falas populares, extraindo delas um lirismo ingênuo e saboroso, bem ao gosto de cordelistas e seresteiros. "Kremesse" é um clássico no gênero:


Foi um dia de kremesse. 
Depois de rezá treis prece 
Pra que os santo me ajudasse, 
Deus quis que nós se encontrasse 
Pra que nós dois se queresse, 
Pra que nós dois se gostasse. 

Inté os sinos dizia 
Na matriz da freguesia 
Que embora o tempo corresse, 
Que embora o tempo passasse, 
Que nós sempre se queresse, 
Que nós sempre se gostasse. 

Um dia, na feira, eu disse 
Com a voz cheia de meiguice 
Nos teus ouvido, bem doce: 
Rosinha, se eu te falasse... 
Se eu te beijasse na face... 
Tu me dás-se um beijo? — Dou-se. 

E toda a vez que nos vemo, 
A um só tempo perguntemo 
Tu a mim, eu a vancê: 
Quando é que nós se casemo, 
Nós que tanto se queremo, 
Pro que esperamo, pro quê? 

Vancê não falou comigo 
E eu com vancê, pro castigo, 
Deixei de falá também, 
Mas, no decorrê dos dia, 
Vancê mais bem me queria 
E eu mais te queria bem. 

— Cabôco, vancê não presta, 
Vancê tem ruga na testa, 
Veneno no coração. 
— Rosinha, vancê me xinga, 
Morde a surucucutinga, 
Mas fica o rasto no chão. 

E de uma vez, (bem me lembro!) 
Resto de safra... Dezembro... 
Os carro afundando o chão. 
Veio um home da cidade 
E ao curuné Zé Trindade 
Foi pedi a sua mão. 

Peguei no meu cravinote 
Dei quatro ou cinco pinote 
Burricido como o quê, 
Jurgando, antes não jurgasse, 
Que tu de mim não gostasse, 
Quando eu só amo a vancê. 

Esperei outra kremesse 
Que o seu vigário viesse 
Pra que nós dois se casasse. 
Mas Deus não quis que assim sesse 
Pro mais que nós se queresse 
Pro mais que nós se gostasse. 


     Pois a palavra "doce" ficou ecoando na minha cachola; e mais tarde, conversando com a Denise, esses ecos tomaram a forma de versos:


Dá-se um doce

Dá-se um doce a quem pudesse
Do seu dossel estrelado
Um desses dias me desse
Descer do céu do seu lado
Dá-se um doce a quem conceda
De seu tecido de seda
De ter sido estar cansado
De se dar está sedado
De ser dor que nunca ceda
Nesse ardor quando proceda
Dê-se o soldo ao soldado
Diz-se o doido agradecido 
Desse dar-se tão doído
Desse dar-se mal doado
Desce o dardo bem dorido
De ser dado mal dourado.

A quem disso agradou-se
Do semblante do desejo
Por pouco dar-se que fosse
A quem disse dá-se um doce
Além disso dá-se um beijo.

Niterói, abril de 2013
Rodolfo Barcellos

     PS: Alguém avise ao presidente da FIFA que "Mané Garrincha" é bem mais fácil de pronunciar do que "Sr. Joseph 'Sepp' Blatter". Ele vai ser mais um "joão" se continuar teimando.

     PPS: Avisem também ao presidente da CBF pra deixar de ficar engolindo batráquios suiços. O Mané é nosso.


13 comentários:

  1. Bem que imaginei que estavas de arte, seu moço danado, doce que só!!!
    Que lindo ficou...deu-nos versos doces, ofereço a face para que deposites o beijo!!

    E a Kremesse? A-do-reeeei!
    Não sei de onde tua mente prodigiosa rebusca - e encontra - tantos tesouros... vc é o requinte do luxo do meu contato com os versos, obrigada por estes presentes valiosos, querido!
    Beijo, meu Mago!!

    ResponderExcluir
  2. Doce que só um chefe como vc poderia fazer! Já que falou em lembranças que vem assim,de repente, me lembrei do trava-língua abaixo, assim que fui lendo sua postagem:
    "O doce perguntou pro doce
    Qual é o doce mais doce
    Que o doce de batata-doce.
    O doce respondeu pro doce
    Que o doce mais doce que
    O doce de batata-doce
    É o doce de doce de batata-doce."
    Beijuuss, sempre doces, nocê

    ResponderExcluir
  3. que coisa impressionante este
    aconchego com as palavras.

    tudo bem docinho.


    beijo

    ResponderExcluir
  4. Nosso poeta parece ter sido a inspiração do Xipan Zeca/Tatto...
    Mané Garrincha era bem mais popular, e mais honesto e simpático do qualquer um destes cartolas idiotas da FIFA ou da CBF! Quem tem que saber pronunciar o nome do estádio são os brasileiros, pois o estádio fica aqui, e não em Genebra!
    Abraços, amigo!

    ResponderExcluir
  5. Este post fez-me lembrar um poema de Olegário que minha Mãe recitava:
    "Toada da Chuva".Como eu gostava de a ouvir!
    Para você deixo o meu
    Beijo.
    isa.

    ResponderExcluir
  6. Tenho a impressão que você vive poesia. Suas conversas com Denise e Milene resultam em preciosidades. Creio que as palavras lhe brotam, naturalmente, para alimentar a sede.
    E ainda se envolve em pesquisa quando a matéria o atrai, apresentando-nos a pessoas e fatos. Tudo é doce no seu espaço, no seu talento, nas suas inúmeras demonstrações de afeto, aqui postadas, em mágicos poemas. Grande beijo!

    ResponderExcluir
  7. Parece até que cheguei em minha casa na minha praça! Encontro, de cara, o escudo do meu (nosso) FLU, pesquisas, Olegário Mariano, cordel e a saudade que bateu, das deliciosas quermesses da igrejinha do bairro antigo da infância...Hei de voltar.
    Um beijo, doce

    ResponderExcluir
  8. Rodolfo, a sua grandeza de espírito, toca-me. A sua poesia, envolve-me.
    É um prazer lê-lo.

    abraço
    cecilia

    ResponderExcluir
  9. Meu amigo.
    Com saudades cheguei para uma visita
    deparei com um lindo poema
    divinamente lindo .
    Amigo nada tenho de poetisa ,mas entendo bem quando leio
    poemas de extrema grandeza.
    Lindo eleva nosso espirito emociona
    meu coração.
    Feliz final de semana beijos,Evanir.

    ResponderExcluir

  10. Olá Barcellos,

    "Kremesse" oferece uma leitura deliciosa, assim como o seu "Dá-se um doce".
    Uma postagem envolvente.

    Beijo.

    ResponderExcluir
  11. Qualé a desses caras com o Mané? Diga aí que vou lá e resolvo, mexeu com Mané, mexeu comigo. Eu sem net fico assim sem saber de nadinha, nem que nosso papo tinha sido a pontinha do novelo da sua postagem massa.

    Beijo, bruxo, meu bem.

    ResponderExcluir
  12. Como entender a poesia Kremesse?peguei no meu cravinote dei quatro ou cinco pinote,burricido como quê........

    ResponderExcluir
  13. Como entender a poesia Kremesse?peguei no meu cravinote dei quatro ou cinco pinote,burricido como quê........

    ResponderExcluir