terça-feira, 29 de setembro de 2015

terça-feira, 22 de setembro de 2015

Loucura


     O tempo que nunca existiu não deixou saudades. Os sonhos nasceram mortos e foram enterrados no sopé da colina azul. O vento aqui não sopra. Nuvens imóveis escondem um sol negro, e os segundos estão esculpidos na face cinzenta e fria da eternidade.
     O crepúsculo não chegará. Não há flores ou frutos. Não há ódio, pois não há amor. Não há tristeza, pois não há alegria. Não há morte... não há vida. E nos mares sombrios desse tempo inexistente vagueia sem rumo a nau do esquecimento, sobrecarregada de pesados nadas. Naufrágio eterno de um espectro que se perdeu de si mesmo.
     Os olhos cegos do timoneiro desmemoriado estão abertos e fixos num horizonte vazio. Em sua boca mora o sussurro rouco de uma canção sem palavras, que ecoa surdamente no cavername dos porões inundados.
     A bússola gira loucamente, em busca de um Norte que não existe. Pendem das vergas farrapos cansados, retalhos imóveis sob o peso do silêncio. E o tempo está congelado em ondas perpétuas de escuridão.

     Loucura.

sexta-feira, 11 de setembro de 2015

Ego inVerso

De hoje até domingo, dia 13, Ego inVerso está em promoção. O e-book Kindle é gratuito na Amazon brasileira e o livro impresso tem várias opções de preço, acessíveis nos links da guia "Livros", no cabeçalho desta página. Eis um dos poemas de Ego inVerso:
 

terça-feira, 23 de novembro de 2010


Eu sempre me achei muito seguro. Para mim, a Rê e seus colegas psicólogos estariam desempregados se todos fossem como eu.
Ledo engano. Nesses últimos dias, mergulhado na tristeza da perda de Maria Helena, ela, sem que eu percebesse, me analisou, fez seu diagnóstico e me prescreveu a melhor terapia: escrever. E soube induzir-me ao tratamento: mandou-me em comentário, há alguns dias, um soneto do Mário Quintana que já se havia sumido de minha lembrança:

Ah! os Relógios!

Amigos, não consultem os relógios
Quando um dia eu me for de vossas vidas,
Em seus fúteis problemas tão perdidas
Que até parecem mais uns necrológios...

Porque o tempo é uma invenção da morte:
Não o conhece a vida - a verdadeira -
Em que basta um momento de poesia
Para nos dar a eternidade inteira.

Inteira, sim, porque essa vida eterna
Somente por si mesma é dividida:
Não cabe, a cada qual, uma porção.

E os Anjos entreolham-se espantados
Quando alguém - ao voltar a si da vida -
Acaso lhes indaga que horas são...

Pois não é que o bendito sonetinho ficou me azucrinando as ideias? Foi de propósito, né, dona Rê?
Bem, tenho uma superabundância de tempo - que, conforme alerta Mark Twain, não é dinheiro - e resolvi exorcizar o soneto tomando-o como mote e compondo uma glosa, em tercetos:

Glosa

Não quero constar de Martirológios;
E se a hora chegar das despedidas,
Amigos, não consultem os relógios.

Pois horas eu vivi tão bem vividas
Que as cantarei em salmos eloquentes
Quando um dia eu me for de vossas vidas.

Em frações de minutos repartidas
Essas horas não foram, por contentes,
Em seus fúteis problemas tão perdidas.

E se querem fazer-me apológios
Não mos façam como os da negra sorte,
Que até parecem mais uns necrológios...

Sejam mais como beijos de consorte
E não como areia de ampulheta,
Porque o tempo é uma invenção da morte.

A natureza, à sua maneira
Do tempo desconhece esta faceta;
Não o conhece a vida - a verdadeira.

Para tornar tristeza em alegria
Eventos há - a alma é parceira -
Em que basta um momento de poesia.

Não queiras tu tapar Sol com peneira,
Pois basta de um segundo uma fatia
Para nos dar a eternidade inteira.

Inteira como o é uma caverna
Onde há túneis infindos sem saída;
Inteira, sim, porque essa vida eterna

Em divisões nunca será partida;
Toda fração é una e sempiterna,
Somente por si mesma é dividida.

Assim inteira é da glória a ação:
Na derrota ou vitória aos soldados
Não cabe, a cada qual, uma porção.

Heróis e mártires serão amados
Eternamente, sem qualquer senão;
E os Anjos entreolham-se espantados,

Buscando tontos resposta pedida,
E ficam sempre em grande confusão
Quando alguém - ao voltar a si da vida,

Do Paraíso a alma no portão,
Do fútil que é o tempo esquecida
Acaso lhes indaga que horas são...

 

domingo, 6 de setembro de 2015

Minhs Pátria

Minha Pátria
Minha Pátria não é o maior rio do mundo.
Não é o pulmão do Planeta.
Não é um país-continente.
Minha Pátria é gente.
 
Minha Pátria não é guerra - são guerreiros.
É Amor, é Dor, é Vida,
É o dedo na ferida,
O protesto, a indignação.
 
Minha Pátria são amigos,
São irmãos, filhos e netos.
São os sonhos realizados,
São aqueles não sonhados
(Não só meus - os teus também).
 
Minha Pátria está nas ruas,
Nas oficinas, nas casas,
Nos balcões de atendimento,
Nos hospitais, nos quartéis,
Nos estádios, nos teatros,
Nas praças e nas esquinas,
Nos mercados, nas vitrinas,
Nos esportes populares,
Nos eventos culturais;
 
Minha Pátria está nos jazigos,
Nas escolas, nos abrigos,
Nas filas dos bancos
Nos trens de subúrbio,
Nas balas perdidas,
Nos bondes sem freios.
 
E neste Dia da Pátria
Ela está principalmente
Naquele grupo da frente
De velhos e anciões
Que abre o desfile imponente
Para tanques e aviões
(E a cada ano que passa
Diminui constantemente).
 
Minha Pátria sou eu.
És tu. Somos nós.