sábado, 30 de janeiro de 2010

A Revolução Tecnológica

Parte 2- Cenário e efeitos colaterais

A revolução tecnológica do pós-guerra teve como pano de fundo um cenário construído por acontecimentos políticos e sócio-culturais. Nem sempre houve uma relação clara de causa e efeito, mas alguns tópicos precisam ser abordados.

Na política e na geopolítica, a tecnologia pouco influiu, exceto indiretamente - no aperfeiçoamento de armas e no campo da informação. Merecem destaque:
- A divisão da Alemanha e a disputa entre os aliados pelo seu espólio tecnológico e científico.
- A fundação de Israel, que passou pelo voto de minerva de Oswaldo Aranha. O fator decisivo foi a divulgação das atrocidades nazistas contra os judeus.
- O assassinato de Mohandas Ghandi no início de 1948.
- O período da "guerra fria", com os episódios do bloqueio de Berlim e da ponte aérea, de Fidel Castro e o casus belli dos mísseis soviéticos em Cuba, de Mao Tsé na China e as guerras da Coréia e do Vietnan - onde os Estados Unidos assumiram definitivamente a função auto-nomeada de "polícia do planeta". Vale lembrar também os assassinatos de John Kennedy e de Martin Luther King.
- A Queda do Muro, a reunificação da Alemanha e o colapso político-econômico da União Soviética, que mudaram drasticamente o mapa geopolítico da Europa, criando ou revelando novos focos de conflitos.
- O ressurgimento político e econômico da Alemanha e do Japão, com sobras para a Itália.
- O fim do apartheid na África Sul, sob a batuta de Nelson Mandela.
- A emancipação de diversos protetorados ou colônias e a luta fratricida em vários países, notadamente na África.
- A crescente tensão no Oriente Médio e os conflitos dela resultantes.
- O fenômeno econômico dos "tigres asiáticos" e a crescente influência dos países emergentes.

Um capítulo especial foi a realização de explosões atômicas e termonucleares a título de "pesquisa científica". Dados de valor científico foram realmente coletados, mas é inegável que as explosões tinham como objetivo principal a manutenção da superioridade estratégica, ou "poder de dissuassão". Os projetos de mísseis de médio e longo alcance tinham a mesma finalidade, assim como o programa "Guerra nas Estrelas".

Entre os acontecimentos sócio-culturais, citamos:
- Os fenômenos Elvis Presley e os Beatles, alimentados pela tecnologia incipiente da comunicação de massa.
- Os Beatniks, o movimento Hippie, Woodstock e o Rock'n Roll, potencializados pela mesma causa.

Alguns efeitos colaterais, em parte úteis, em parte nocivos:
- A TV em cores se dissemina rapidamente.
- Os computadures e a Internet se popularizam e criam novas culturas - nerds, hackers etc. (e também bloggers...)
- Os telefones celulares tornam-se objetos pessoais para o uso no dia-a-dia.
- Os processos digitais de imagens e sons permitem a produção de filmes de grande impacto visual.
- Avanços na robótica provocam redução de custos (e de empregos) na indústria.

Na Medicina, vale destacar:
- Christiaan Barnard revoluciona o processo de transplante de órgãos vitais.
- Isótopos radioativos são usados no diagnóstico e tratamento de diversas doenças.
- Métodos anticoncepcionais mais simples, seguros e baratos provocam modificações sócio-culturais na vida sexual e no planejamento familiar.
- O bebê de proveta e a barriga de aluguel ingressam no cenário mundial; juntamente com novos tratamentos contra a infertilidade, provocam nascimentos de quíntuplos e de sêxtuplos.
- O Projeto Genoma Humano e a Engenharia Genética passam a fazer parte de nossa realidade, com sobras para a clonagem de animais e para o avanço dos transgênicos na agricultura.

Na Engenharia civil, a revolução é evidente:
- Megaedifícios quebram recorde após recorde no Guiness.
- O túnel sob a Mancha marca uma nova era na engenharia de vias de transporte.
- A tecnologia de águas profundas chega à exploração da camada pré-sal.

O acesso geral à informação também teve seus efeitos:
- Os ambientalistas se organizam.
- As entidades de defesa dos direitos das minorias e dos animais renovam seus esforços.
- O movimento Greenpeace assume proporções planetárias.
- O aquecimento global torna-se um tema polêmico na política e nos noticiários.

Mas é claro que nem tudo foram nuvens cor-de-rosa. Vejamos o lado negro:
- Na contramão das conquistas da Medicina, não podemos esquecer as pandemias: a AIDS, a gripe suína e a vaca-louca. Um aspecto particularmente sombrio é a comercialização criminosa de medicamentos inócuos ou vencidos. Um capítulo à parte, mais ligado aos desvios no comportamento social, é marcado pelo recrudescimento do tráfico e do consumo de drogas, com suas consequências nefastas.
- Ataques terroristas tiveram sua virulência aumentada (por vezes literalmente) pela disseminação do conhecimento tecnológico, culminando com o 11 de setembro.
- Algumas tragédias naturais poderiam ter sido minimizadas com o uso de técnicas de previsão, prevenção e preparação adequadas, já existentes na ocasião.
- Three Mile Island e Chernobyl provaram que o excesso de confiança na tecnologia de segurança pode levar a um desfecho trágico.
- Muitos acidentes foram causados pelo uso inadequado da tecnologia disponível - vazamentos de petróleo e materiais tóxicos, entre outros.

Esqueci alguma coisa? Com certeza... mas vou ficar por aqui, por enquanto.

A terceira parte desta matéria tratará dos profetas da revolução tecnológica. Não pretendo incomodar Nostradamus em seu túmulo: vou me limitar a duas profecias que foram publicadas e documentadas em 1945-46.


quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

A Revolução Tecnológica

Parte 1- A conquista do espaço

A geração do pós-guerra teve o privilégio de ser testemunha (e usufruir) de uma expansão sem precedentes de conquistas científicas e, principalmente, tecnológicas. Muitas dessas conquistas foram subproduto do esforço de guerra, outras vieram na esteira da "guerra fria".

Façamos um "tour" rápido dos acontecimentos de 1945 para cá (não necessariamente em ordem cronológica), relativos à conquista espacial ou diretamente ligados a ela:

- O ENIAC é inaugurado, abrindo caminho para os computadores modernos.
- O lançamento do Sputnik marca o início da era espacial.
- A cadelinha Laika é enviada para o espaço para morrer em nome da pesquisa científica.
- Yuri Gagarin se torna o primeiro astronauta.
- Válvulas eletrônicas dão lugar aos transístores e estes aos circuitos integrados.
- Satélites artificiais de pesquisa abrem caminho para os de uso comercial e militar.
- Missões espaciais tripuladas iniciam a construção de plataformas espaciais.
- O projeto Apollo leva o homem à Lua.
- O Space Shuttle reduz drasticamente o custo das missões espaciais.
- As Voyagers, Veneras e outras sondas espaciais exploram o Sistema Solar e vão mais além.
- O Telescópio Hubble perscruta os limites do Universo conhecido.
- O submarino atômico Nautilus navega sob o gelo ártico.
- Usinas nucleares são postas em funcionamento em vários países.
- Jatos comerciais monopolizam as linhas aéreas de longo curso. O Concorde bate recordes na catagoria.
- Aceleradores de partículas cada vez mais potentes revelam a estrutura das partículas subatômicas.
- O cometa de Halley é alcançado pela Giotto e outras sondas.

Com certeza, deixei muita coisa de lado... mas você pode completar como quiser. Na segunda parte, pretendo tratar de alguns outros aspectos da revolução tecnológica do pós-guerra, incluindo alguns efeitos colaterais.

segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

Meu OVNI

Não me lembro do ano exato, mas foi na década de 60. Também o dia me foge à memória. Acho que foi nos meados do mês. Desse, eu me lembro bem - era Setembro.

Era uma bela noite de céu claro e sem lua. Eu estava sentado na calçada do quintal de nossa casa, no 416 da rua Mário Vianna, em Santa Rosa, Niterói, desfrutando da solidão e do silêncio da noite, e apreciando as constelações que brilhavam no pedaço de céu emoldurado por dois grandes tamarindeiros e pelas casas dos vizinhos.

Subitamente, um vulto brilhante cruzou o céu numa velocidade espantosa. Veio do leste e sumiu no oeste em cerca de um segundo. Completamente silencioso. Eu não o teria notado se não estivesse contemplando o céu exatamente naquele momento.

Vou tentar descrever, da melhor maneira possível, o objeto (ou a visão).
Tamanho: diâmetro angular um pouco menor que o da Lua - uns 20 a 25 minutos de grau.
Cor: branco leitoso, levemente azulado.
Brilho: bem menor que o da Lua, mas forte o suficiente para ser claramente visível no céu noturno. Certamente seria invisível durante o dia.
Forma: elipsoidal, com o eixo maior alinhado com o sentido do deslocamento (efeito de perspectiva, talvez). As bordas eram nítidas.
Velocidade angular: cerca de 90 graus por segundo.
Sentido do deslocamento: leste para oeste, quase paralelo à rua Mário Vianna.
Hora da observação: cerca das dez da noite.

O que era, de onde veio, para onde foi, o que fazia por aqui? Não sei. Não me perguntem.

Crer ou não crer

Numa recente troca de idéias com meu amigo Leonel Rodrigues, surgiu a questão do ceticismo quanto a assertivas científicas ou pseudo-científicas em geral. Ceticismo, é claro, no bom sentido: passar a afirmação em questão pelo crivo do raciocínio lógico e da pesquisa possível e enquadrá-la numa das seguintes categorias:
1- Contos de fadas (a abóbora de Cinderela); úteis para contadores de histórias infantis.
2- Ditos e crendices populares (Saci-pererê); bons para histórias educativas e acervos culturais.
3- Lendas e mitos universais (o Dilúvio); excelentes fontes de ficção, com a vantagem de possuirem quase sempre um fundo de verdade.
4- Truísmos (penso, logo existo); verdades evidentes.
5- Especulações (será que existe vida em outros planetas?); perguntas que aguardam respostas verificáveis.
6- Hipóteses (a crosta de Marte tem uns 60 km de espessura); proposições feitas a partir de fatos sobre os quais já existem indícios verossímeis, mas que carecem de maior investigação.
7- Teorias (e=mc2); conjunto de hipóteses confirmadas por observações e experiências.

Um conjunto abrangente de teorias coerentes forma um sistema teórico. Uma Cosmologia é um sistema teórico que busca explicar as origens e a evolução do Universo.
É curioso notar que nenhuma dessas categorias é totalmente falsa ou absolutamente verdadeira (exceto os truísmos, talvez): contos de fadas, fábulas e crendices são alegorias e como tais devem ser compreendidos; lendas e mitos sempre têm um núcleo de verdade; especulações e hipóteses são candidatas a mudar para uma categoria superior ou a serem descartadas como falsas (e aí somem do cenário); finalmente, uma teoria comprovada pode ser suplantada por outra mais abrangente, tornando-se um caso particular da mais nova, como aconteceu com a Teoria da Gravitação Universal, de Newton, que não perdeu a validade mas tornou-se uma aproximação da Teoria da Relatividade, de Einstein.
O esquema acima é adequado para as ciências naturais e pode ser adaptado para as ciências humanas. Quanto à fé e ao sentimento religiosos, pretendo abordá-los em matéria futura, pois o assunto ultrapassa o escopo deste artigo.
Vejamos dois exemplos de "teorias científicas" que não vingaram (exceto entre seguidores fanáticos ou pessoas mal-informadas).

O Gelo Cósmico
Do "site" wikipedia.org/wiki/Welteislehre, extraí o seguinte texto:
By his own account, Hörbiger was observing the Moon when he was struck by the notion that the brightness and roughness of its surface was due to ice. Shortly after, he experienced a dream in which he was floating in space watching the swinging of a pendulum which grew longer and longer until it broke. "I knew that Newton had been wrong and that the sun's gravitational pull ceases to exist at three times the distance of Neptune," he concluded.
Tradução:
Segundo ele mesmo, Hörbiger estava observando a Lua quando foi assaltado pela noção de que o brilho e as irregularidades da sua superfície eram causados pelo gelo. Pouco depois, ele sonhou que estava no espaço, observando a oscilação de um pêndulo, que aumentava cada vez mais, até que se quebrou. Ele concluiu: "Assim fiquei sabendo que Newton estava errado e que a atração da gravidade solar cessava de existir a uma distância três vezes maior que a de Netuno".

Hans Hörbiger foi um inventor de sucesso. Sua válvula para compressores lhe rendeu uma fortuna, e é largamente usada ainda hoje. Mas parece que o sucesso e a fortuna lhe subiram à cabeça, e o engenheiro perspicaz deu lugar ao "cientista" auto-didata e arrogante. Sua "cosmologia" baseia-se na "luta eterna" entre o gelo e o fogo: o gelo cósmico junta-se em grandes massas e cai sobre um sol gigantesco, formando vapor que acaba explodindo, gerando sistemas planetários (inclusive o nosso). Dá para notar nessa concepção o princípio de
funcionamento das máquinas térmicas, notadamente as máquinas a vapor: a necessidade de contrapor uma fonte quente a uma fonte fria.
A luta entre o gelo e o fogo explicaria, segundo ele, as eras glaciais de nosso planeta, entre as quais diversas civilizações teriam surgido e desaparecido. A causa das glaciações: a queda sucessiva de satélites sobre a Terra, e a captura de novas luas. A atual seria a quarta. Para sustentar sua teoria contra a de Newton, Hörbiger não poupou gastos: fundou sociedades "científicas", patrocinou programas de rádio, criou jornais... e conseguiu uma aceitação popular sem precedentes.
Hörbiger morreu em 1931, em plena efervescência do nazismo. Poucos anos antes, Einstein havia publicado a Teoria da Relatividade; os seguidores de Hörbiger "subiram nas tamancas" e desencadearam um furioso ataque contra "aquele pseudo-cientista judeu". Vale lembrar que o clima de anti-semitismo, nos anos pré-Hitler, já era forte. E o Partido Nazista encampou as idéias de Hörbiger, fazendo de sua teoria a cosmologia oficial do III Reich.

A Terra Oca
Edmond Halley - Transactions, 1692
Com base em medições imprecisas do campo magnético terrestre e aceitando a estimativa equivocada de Newton sobre a densidade da Terra, Halley formulou a Teoria da Terra Oca. Mas advertiu, reconhecendo que todas as suas deduções estavam baseadas em informação limitada: "assim a bela determinação disto e de vários outros particulares no sistema magnético está reservada para a posteridade remota; tudo aquilo que nós podemos esperar fazer é deixar para trás observações nas quais se possa confiar, e propor hipóteses que depois de eras poderão ser examinadas, emendadas ou refutadas". Halley, um cientista sério, coloca claramente suas conclusões no terreno das hipóteses, ao contrário de Hörbiger. Mas isto não impediu que a idéia de uma Terra oca se espalhasse rapidamente, e fosse encampada por diversos grupos que a consideram uma teoria estabelecida e até hoje a defendem.

Concluo: um ceticismo sadio e sem preconceitos é um poderoso aliado para evitar a aceitação de idéias falsas, e deve ser exercido sempre que absorvemos novos conhecimentos.

quarta-feira, 20 de janeiro de 2010

Ódio

"O Hitler da História", de John Lukacs - Jorge Zahar Editor - Trad. Ruy Jungman, ISBN 85-7110-472-7, é uma resenha crítica, abundantemente documentada, da historiografia sobre Adolf Hitler. Pincei nela uns poucos trechos que tratam do ódio que dominava esse homem enigmático.

John Lukacs: ... o ódio e a consciência que [Hitler] tinha desses ódios. p 60

Adolf Hitler: Há apenas desafio e ódio, ódio e mais ódio! (discurso em 1921). p 61

Adolf Hitler: Deus favoreceu generosamente nossa luta. A dádiva mais bela que Deus nos concedeu foi o ódio de nossos inimigos, a quem nós, de nossa parte, odiamos do fundo do coração. (Citado por Goebbels, 1926). p 61

John Lukacs: Ele era um homem forte e a fonte básica de sua força era o ódio. p61

Görlitz-Quint: O ódio... foi característico de Hitler. p 97

Adolf Hitler: ...o povo precisa de orgulho e força de vontade, capacidade de desafiar, ódio, ódio e, mais uma vez, ódio. (Munique, 10 de abril de 1923). p 98

Marlis Steinert: Tudo aquilo que odeia em si mesmo, o Führer projeta sobre os judeus; tudo que lhe causa sofrimento e à Alemanha é culpa dos judeus. p 133

John Lukacs: O homem frequentemente odeia (e teme) nos outros o que odeia (e teme) em si mesmo, e Adolf Hitler... era movido por um poderoso tipo de ódio. p 133

segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

Navegar é preciso

Navegar é preciso. Remar contra a corrente nada resolve, e abandonar-se a ela pode ser pior. É preciso navegar.
Navegar é conhecer as correntes e redemoinhos, as pedras e arrecifes, o vento e as marés, a enseada segura e a praia traiçoeira. É escolher um destino alcançável e planejar a rota em cada trecho. É estar preparado para o tufão imprevisto e saber contornar obstáculos intransponíveis. É saber usar o mapa e a bússola, o sextante, a barquilha e o cronômetro. Navegar, em suma, é saber chegar a salvo ao porto escolhido, mesmo sem o auxílio do GPS.


Navegar pela vida não é diferente. Aprendemos desde a mais tenra infância a distinguir o alcançável do inalcançável, e como chegar aos objetivos mais tentadores. Conforme crescemos, nossos pais nos mostram os redemoinhos e escolhos da vida e nossos mestres nos fornecem os instrumentos de navegação - que mais não são que a educação formal que recebemos. E nós vamos nos aperfeiçoando na arte de navegar pela vida, começando pelas pequenas rotas lacustres e fluviais, e as linhas costeiras, onde os menos ambiciosos se acomodam, enquanto os aventureiros prosseguem até chegar à navegação de cabotagem e finalmente às travessias de longo curso.


Mas nem todos têm a fortuna de nascer com o talento de um Torben Grael, e podemos vislumbrar muitas vezes um navegante solitário lutando contra a corrente ou dando voltas em um redemoinho. E nem sempre podemos socorrê-lo.


Pois não podemos descansar em cada porto mais que o necessário para recuperar as forças, costurar as velas e reabastecer o navio. Sempre haverá uma próxima derrota a ser planejada e vencida.

Enquanto pudermos navegar.




Nota: no site cdclassic.com.br/navprec.htm lê-se:


... poucos sabem que da mente privilegiada de PETRARCA nasceu a frase imortalizada por FERNANDO PESSOA: "NAVEGAR É PRECISO; VIVER NÃO É PRECISO", usando o verbo precisar não na acepção de necessitar (como, erradamente, quase todos o fazem) mas no sentido correto de ser exato. "A Navegação é uma ciência exata, em comparação com a Vida, que sabemos onde começa e jamais onde termina!"

Fernando Pessoa usou a mesma frase, mas deu-lhe conscientemente o sentido mais popular: "Navegar é necessário. Viver não é".


E eu cometo o crime de me afastar das interpretações desses mestres, cunhando a seguinte alegoria: "Navegar é preciso. Viver é navegar". E o significado de "preciso" deixo à escolha do leitor.

domingo, 17 de janeiro de 2010

Abobrinhas

"A democracia é um sistema de governo tão cheio de vícios, defeitos e falhas que é de admirar que até hoje não se tenha inventado nada melhor". (Adaptação livre de uma citação de Winston Churchill).

"Especialização é o processo que permite ao profissional aprender cada vez mais sobre cada vez menos, até que ele acaba sabendo tudo sobre nada". (Ouvido pelas esquinas da vida).

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    - Abobrinhas? É isso que você quer nos mostrar? Uma plantação de abóboras?
   - Não... é que eu guardei neste post uma coisa que quero te dar, em pagamento pelo aluguel do fusca...
   Ouço a Rê murmurar, atrás de mim: "- Vixe... agora danô-se..."
   - Peraí... pagamento?
   - Bem...
   - Olha aqui, Senhor Barcellos...
   - Calma, Memem...
   - Senhora Milene Lima pro senhor, entendeu?
   - Desculpe, mas...
   - Eu lá tenho cara de agência de carros de aluguel? Por acaso, Senhor Sassevasá Oflodor, está escrito "rent-a-car" na minha testa?
   - Foi mal, Milene. Desculpe...
   - Pagamento... onde já se viu? Cê já viu coisa igual, Rê?
   A voz da Rê soa quase inaudível: "- Tô fora..."
   - E o que é que você quer me dar de "pagamento", ilustríssimo?
   - Bem... é só um sonetinho... uns versinhos que eu fiz pra você...
   - Ah!... então é um presente, não é um pagamento!
   - Isso aí... é que às vezes eu me embanano com as palavras...
   - Deixe as bananas para o Xipan. Quero ver o meu presente... depois eu resolvo se faço as pazes.
   - Tá bom... lá vai:


PARA MEMEM

Da rosa roubaste a cor,
Da violeta, o perfume;
Em nós despertaste amor
E um pouquinho de ciúme.

Um Principezinho amável
Já disse, em palavras vivas:
"Serás sempre responsável
Por aquilo que cativas."

Tantos corações roubaste,
Tantos risos há agora,
De alegria e emoções;

A todos nós cativaste
E a inquietude hoje mora
Dentro de mil corações.

   Espero, meio desconfiado, o veredito. A moça assume agora ares de  total benignidade, e profere minha sentença:
   - Teje perdoado... mas não me faça outra desfeita dessas, senão...
   Mas as pupilas, quase invisíveis nos olhinhos puxados de índia, deixam entrever um brilho de prazer indisfarçável, e eu suspiro, aliviado.
   A Amélia pergunta:
   - Mas quem disse aquilo foi o Pequeno Príncipe ou foi a raposa?
   Viro-me para ela:
   - Shh! Não estrague tudo...
   A Memem nem presta atenção... ou pelo menos, finge que não liga. Ainda bem!
   Sergio pergunta:
   - Qué debemos hacer ahora?
   - Mesmo esquema... desçam, estiquem as pernas e deixem os comentários que quiserem.


*****************

   - Embarcaram todos? Ainda temos uma parada antes de voltar ao presente.
   A Memem já esqueceu a zanga:
   - Pra quê, Rodolfo?
   - Na próxima parada, tem presentes pra todo mundo.
   - Êita, isso é muinto bauum dimais da conta, sô! O blogue faiz anos i a gente qui ganha presente!
   - É, Rê... presentes no passado... ah, Xipan, reserve uma garrafa pra mim!
   Xipan, degustando no gargalo e distribuindo goles generosos entre os bicões, retruca:
   - Guardo nada! Cê tá dirigindo, sabe?
   E passa a garrafa para a Si, que emborca com vontade, dizendo que está comemorando dois aniversários. Xipan não deixa por menos:
   - Isso já é "bebemoração"... mais pra quê o véi bruxo qué - hic! - o destilado de baixa extração?
   - Guarde. Depois eu explico. Alguém quer clicar a data no painel, por favor? Vamos para Março!
   - Hic! Marte?...
 

Painel do Tempo

sábado, 16 de janeiro de 2010

O Livro do Gênesis

1. No primeiro dia, criou Deus o céu e a terra, e as águas, e o fogo e o ar.  
2. E dividiu os continentes, espalhando-os pelos oceanos, e criou plantas e animais para habitá-los. E viu que isso era bom.
3. No segundo dia, tomou Deus um pouco de terra e de água, e misturando-os moldou em barro as figuras de um homem e de uma mulher.
4. E levou-os ao forno para que o fogo os impregnasse com seu calor. E ali deixou-os por uma hora.
5. E retirando-os do forno, viu que o homem e a mulher eram louros e tinham pele clara e olhos azuis. Mas, feitos com terra, água e fogo, faltava-lhes ainda o ar da vida. E Deus soprou-lhes o alento vital. E destinou-os às regiões hiperbóreas, e viu que isso era bom.
6. No terceiro dia, tomou Deus do mesmo barro e moldou mais um casal. E deixou-os no forno por três horas, e ao retirá-los estavam com a pele e os olhos negros. E Deus soprou-lhes o alento vital e destinou-os às regiões onde prevalece o calor do sol. E viu que isso era bom.
7. No quarto dia, tomando mais barro do mesmo monte, fez Deus um terceiro casal, e deixou-os ao forno por duas horas. E de lá saiu um casal de uma bela cor marrom, com olhos castanhos. E Deus soprou-lhes o ar da vida, e deu-lhes as ilhas do sul como moradia. E viu que isso era bom.
8. Da mesma forma, criou Deus no quinto dia um casal de cor avermelhada. E no sexto dia, do mesmo monte, moldou um casal de olhos amendoados, que saiu do forno com uma bela cor amarelada. E deu-lhes as regiões ainda desabitadas do mundo. E viu Deus que isso era bom.
9. Chegado o sétimo dia, Deus contemplou a sua obra e disse: Eis que o mundo está feito, e a humanidade formada. Todos vieram do mesmo monte de barro, e saberão entender-se, apesar das cores diferentes.
10. E no sétimo dia, Deus descansou. E está descansando até hoje.

Alguém aí tem um despertador bem barulhento?

quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

O Sexo dos Anjos

Se quisermos discutir o sexo dos anjos, podemos começar pelo gênero gramatical das categorias dessas curiosas criaturas:
1- Categorias masculinas: anjos, arcanjos, querubins, serafins e tronos.
2- Categorias femininas: dominações e potestades.
Mas é claro que gênero gramatical não é sexo biológico. Se aceitarmos que anjos são espíritos, a discussão termina aqui. Espíritos não têm sexo, e ponto final.
A coisa muda de figura no caso do sexo dos demônios. Íncubos e Súcubos são categorias de capetas com características sexuais acentuadas: Íncubos são demônios machos, Súcubos são demônios fêmeos. O Santo Ofício se divertia nos processos de bruxaria com as travessuras desses diabos e diabas. Está aí um bom prato para meu amigo Jair. E enquanto ele cozinha essa sopa no seu caldeirão, eu mudo de assunto; o título desta matéria é meramente ilustrativo. Vamos ao que interessa.
Acho que foi João Ubaldo Ribeiro que, com sua verve característica, desancou em um artigo de jornal a mania que certas pessoas têm de questionar o sexo das palavras - como se as palavras tivessem sexo...
Muita gente boa confunde sexo biológico com gênero gramatical. "Águia", por exemplo, é uma palavra do gênero feminino, que designa tanto o macho como a fêmea da espécie. Aliás, quando se usa o epiceno, deve-se dizer "a águia macha", pois o qualificativo deve concordar com o substantivo em gênero gramatical, e não em sexo biológico. Assim também "o rinoceronte fêmeo".
Muitos animais têm nomes diferenciados em gênero para designar o sexo. O cavalo e a égua, o cão e a cadela, o leão e a leoa. Começa aí a confusão que muitos fazem entre o sexo e o gênero gramatical.
Considere as frases: "O leão é o rei dos animais". "O leão vigia enquanto a leoa caça".
"Leão", na primeira frase, designa a totalidade da espécie, incluindo as leoas. O gênero gramatical da palavra é totalmente independente do sexo biológico.
Na segunda frase, o significado da mesma palavra restringe-se claramente ao macho. Aqui, o gênero gramatical parece sofrer a influência do sexo biológico. Mas isso é apenas uma falsa impressão, como veremos a seguir.
Quando não há diferenciação na designação do gênero gramatical entre os sexos de uma espécie, é necessário usar o epiceno para se obter o mesmo resultado. Por exemplo:
"A borboleta é um lepidóptero". "A borboleta macha pouco se diferencia da fêmea".
Ocorre aqui, com a palavra "borboleta", o mesmo efeito que observamos no exemplo anterior, com a palavra "leão", sendo que "borboleta" continua sendo uma palavra do gênero feminino, sem a menor influência do sexo.
Nas línguas neolatinas a confusão é maior ainda, pois mesmo objetos inanimados são designados por palavras com gênero definido: a cadeira, o armário, a coisa, o objeto. E os gêneros se misturam livremente, sem problemas. O armário é uma coisa. A cadeira é um objeto.
No trato dos assuntos que envolvem as pessoas, o circo pega fogo. Até o sexo do próprio Deus é questionado, como se um espírito tivesse sexo. As representações clássicas de Deus como um ser humano do sexo masculino podem, é claro, ser questionadas. Mas o gênero gramatical do substantivo é apenas isso - uma questão de gramática - e não merece maior atenção.
Vejamos alguns exemplos sobre o modo de tratar as pessoas:
- Um chefe de Estado deve ser tratado no feminino? Que tal mudarmos para "Vosso Excelêncio"?
- Uma bela mulher pode ser tratada como "um colírio para os olhos"? Não seria melhor "uma bênção para a visão"?
Para me guiar nesta selva, estabeleci um esquema para meu próprio uso. Os gêneros gramaticais podem ou não ter relação com o sexo biológico. São independentes do sexo os nomes de tudo que não tem vida biológica:
1- Gênero masculino: "O gênero gramatical, o sertão, o armário, este, aquele".
2- Gênero feminino: "A classe gramatical, a cadeira, a galáxia, esta, aquela".
3- Gênero neutro ou indefinido: "Isto, aquilo".
Têm relação com o sexo todos os nomes que se referem a seres vivos, diferenciando ou não os sexos:
1- Gênero masculino: "O mineiro, o senhor embaixador, o gato".
2- Gênero feminino: "A sereia, as náiades, a gata".
3- Gênero comum aos dois sexos: "O artista, a artista, o ciclista, a ciclista".
4- Gênero sobrecomum (ou unissex): "A criança, o bebê, o nascituro". Aqui, a relação com o sexo pode ser entendida como uma relação pseudo-epicênica: ninguém diz "a criança macha", mas sim "a criança do sexo masculino".
Epiceno é um indicativo de sexo, usado quando necessário: "A baleia macha - O jacaré fêmeo".
No meu esquema, os gêneros masculino e feminino podem ser ou não relacionados ao sexo, o que às vezes provoca confusão. Aceito sugestões para melhorá-lo.
Para as (os) feministas mais radicais, insisto: alguns nomes designam todo um grupo biológico:
" - O cão é o melhor amigo do homem". Cão e homem incluem cadelas e mulheres.
" - Salvemos as baleias". É claro que os machos estão incluídos.
No caso, "homem" significa "A HUMANIDADE", e "baleia" quer dizer "OS CETÁCEOS". Sexo não tem nada a ver.
Há muito o que conquistar ainda, mulheres e feministas. Não percam tempo lutando contra ignorantes que não sabem a diferença entre sexo biológico e gênero gramatical.
Concordância gramatical existe, e deve ser respeitada. E a concordância entre sexos???


sábado, 9 de janeiro de 2010

Preito a una Diosa


“Somos culpados de muitos erros e faltas, mas nosso pior crime tem sido abandonar as crianças, negligenciando a fonte da vida. A maioria das nossas necessidades pode esperar. As crianças, não. Neste exato momento, seus ossos estão sendo formados, seu sangue está sendo feito, seus sentidos estão se desenvolvendo. A elas não podemos responder 'amanhã'; seu nome é Hoje.”

Gabriela Mistral, Su Nombre es Hoy.

Lucila de María del Perpetuo Socorro Godoy Alcayaga nasceu no Chile em 7 de abril de 1889. Adotou como poetisa o pseudônimo de Gabriela Mistral. Foi a primeira personalidade latino-americana a receber o Nobel de Literatura, em 1945. Exerceu cargos diplomáticos em diversos países, inclusive o Brasil. Aqui, residiu em Petrópolis e em Niterói. Foi amiga chegada de Cecília Meireles. Faleceu em 10 de janeiro de 1957.

Muitos acreditam que a conhecida Oração da Paz, atribuída a S. Francisco de Assis, foi obra dela. Mas não há provas a favor nem contra essa hipótese.

Em 2005 foi organizado um evento para comemorar os sessenta anos da conquista do Nobel. Niterói participou, através da UFF, onde minha filha estudava na época. Interessei-me pelo projeto e acabei cedendo à tentação de escrevinhar alguma coisa a respeito. Imaginei Gabriela e Cecília, em seus primeiros contatos, conversando e entendendo-se num portunhol rústico, mas cheio de poesia. E resolvi celebrar o evento com um acróstico em portunhol (não tão poético, mas certamente mais rústico). Mas os anos se passaram, e a homenagem se perdeu nos arcanos de meus cometimentos esquecidos.

Mas aproxima-se o onzentésimo primeiro aniversário do nascimento da deusa, e as náiades dos gelados riachos chilenos resolveram tomar minha mente como palco e dançar em meus sonhos, para relembrar-me as obrigações de um prosélito distraído. Portanto, lanço aos ventos da Internet minha humilde homenagem a Gabriela, na esperança de um bom acolhimento por parte de seus admiradores.


PREITO A UNA DIOSA - Acróstico

Gabriela es tu nombre de guerra,
Aún sea um nome de paz.
Brasil fué tua segunda terra,
Recuerdos de Chile nos traz.
Ingeniera de rimas e danças,
En el alma emociones perfeitas;
Las palavras fluem de bonanzas
Así como de plata são feitas.

Maestra de grandes e niños,
Inclina-se el mundo a tu génio.
Salud! Teus hermanos y amigos
Te aplaudem en este proscénio,
Renovando os votos antigos,
Adentrando un novo milénio,
Lembrando-te con mil carinhos.

Encerro esta homenagem transcrevendo o ensinamento que ela destinou aos que ensinam:
DECALOGO DEL MAESTRO

1.- AMA. Si no puedes amar mucho, no enseñes niños.
2.- SIMPLIFICA. Saber es simplificar sin restar esencia.
3.- INSISTE. Repite como la Naturaleza repite las especies hasta alcanzar la perfección.
4.- ENSEÑA con intención de hermosura, porque la hermosura es madre.
5.- SE FERVOROSO, maestro. Para encender lámparas has de llevar fuego en tu corazón.
6.- VIVIFICA tu clase. Cada lección ha de ser viva como un ser.
7.- CULTIVATE. Para dar hay que tener mucho.
8.- ACUERDATE de que tu oficio no es mercancía sino que es servicio divino.
9.- MIRA a tu corazón antes de dictar tu lección cotidiana y vé si está puro.
10.- PIENSA en que Dios te ha puesto a crear el mundo de mañana.

quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

Depois da tempestade vem a enxurrada

Escrito em junho de 2005, este artigo foi em grande parte inspirado pelos trágicos efeitos das tempestades daquele ano, não só no Brasil como no resto do planeta. Mais de quatro anos depois, nada mudou... ou mudou para pior.
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INUNDAÇÃO
Chuva, chuva, chuva. Lembrei-me dos aguaceiros que castigaram S. Paulo, Rio, Belo Horizonte... cidades grandes e pequenas pelo Brasil afora. Famílias que perderam tudo... vítimas fatais ... tristeza e prejuízos. Cobranças às autoridades, explicações e desculpas... e tudo se repete, ano após ano.
Dizem que o problema é falta de escoamento, por causa de bueiros entupidos e lixo acumulado nos canais. Besteira. Isso é jogar pra cima da população a responsabilidade pela incompetência dos engenheiros municipais e dos secretários de obras. Na verdade, a grande maioria dos problemas é causada pelo excesso de escoamento. Isso mesmo - excesso de escoamento. Você não acredita? Bem, deixa eu explicar.
As maiores inundações são causadas por chuvas torrenciais que causam uma precipitação pluviométrica (calma, já vou traduzir) de uns 200 milímetros, no máximo, em 24 horas. Isso quer dizer que, se não houvesse nenhum escoamento, se cada gota de chuva ficasse onde caiu, cada rua, ao fim das 24 horas de tempestade, teria apenas um palmo (200 mm) ou menos de água. Além disso, não haveria enxurradas, que são a principal causa de desabamentos e afogamentos. Em S. Paulo, o Tietê e o Pinheiros subiriam apenas 20 centímetros, assim como o canal do Mangue no Rio, e outros escoadouros.
Obviamente, os telhados também ficariam com seus 20 cm de água acumulados, assim como as calçadas, praças e jardins. Mas qualquer telhado bem feito resiste a uma pressão de 200 mm de água.
É claro que é impossível querer obrigar cada gota a ficar onde caiu (*); mas é perfeitamente possível controlar o escoamento de modo a reduzi-lo a um nível que evite os grandes problemas acima citados. A água demoraria um pouco mais a baixar - talvez dois ou três dias - mas a cidade e seus habitantes teriam trocado uma calamidade pública por uma inconveniência de consequências mínimas.
Portanto, Srs. Prefeitos, secretários e engenheiros, parem, por favor, de gastar nosso dinheiro aumentando o fluxo do escoamento pluvial. Tratem, isso sim de procurar meios de reduzi-lo e controlá-lo. Desde já, eleitores e cidadãos agradecem.


(*) Esse efeito pode ser observado nos lugares e épocas do ano onde cai neve, em vez de chuva. Cada "gota" - ou floco - permanece onde caiu, e os problemas maiores são causados pelo frio e pelo volume acumulado da precipitação (muito maior em forma de neve do que em forma líquida). Quando chega a primavera, o degelo é lento e o escoamento não causa maiores transtornos.
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Hoje, às vésperas do Ano Novo, as notícias dão conta de mais onze vítimas fatais das chuvas que castigam o Rio. Serão mais, talvez. Mas como controlar o fluxo do escoamento? Sugiro um estudo em quatro etapas:
1 - Identificar e mapear as "minibacias pluviais urbanas" - os canais naturais ou artificiais do escoamento, definindo seus "divisores de águas" (acho que isso já existe);
2 - Selecionar uma ou duas minibacias adequadas a um programa de controle de fluxo;
3 - Efetuar as obras públicas necessárias e incentivar os proprietários dos imóveis a adaptá-los ao programa. As áreas impermeáveis serão priorizadas;
4 - Aguardar a próxima época de chuvas torrencias, fazer o levantamento estatístico dos resultados, divulgá-los e partir para o abraço - ou para a reeleição.
As obras públicas e particulares necessárias seriam simplesmente a coleta da chuva através de calhas e canaletas, conduzindo o fluxo total a reservatórios apropriados, dos quais seria liberado o fluxo controlado. Um imóvel com área impermeável de 1.000 metros quadrados (um condomínio vertical de porte médio) necessitaria de um reservatório com capacidade para apenas 100 metros cúbicos de água para controlar um débito de 100 mm/dia. Os engenheiros sabem como fazer isso.
É claro que isso não é uma panacéia, e só se aplica na prática a áreas de alta concentração urbana e baixa permeabilidade. Mas imagino que um prefeito mais interessado nas próximas gerações, e menos nas próximas eleições (eu tenho uma imaginação delirante, às vezes) possa fazer alguma coisa a respeito.
Que tal as minibacias que deságuam na Praça da Bandeira, aqui no Rio?

terça-feira, 5 de janeiro de 2010

A filha da Magia

CIÊNCIA E MAGIA

   Este artigo expressa minha visão pessoal sobre a evolução da ciência. Não me preocupei em pesquisar fontes ou documentar assertivas. Dentro dessas limitações, procurei ser o mais coerente possível.


   Niterói, 5 de janeiro de 2010.

   R R Barcellos


   Quando os primeiros hominídeos começaram sua longa caminhada rumo ao estabelecimento das primeiras civilizações conhecidas, tiveram eventualmente que abandonar o nomadismo em favor de um relacionamento mais direto com o solo. A coleta de frutos e raízes, assim como a caça e a pesca, deram lugar, gradualmente, à produção agrícola e pastoril. Assim, o homem se fixou ao solo, e teve que aprender, a duras penas, como tratar a mãe terra para obter dela tudo o que precisava. E logo descobriu que a mãe terra precisava de muita água.


   Não foi por acaso que as primeiras grandes civilizações nasceram às margens de grandes rios. A bacia mesopotâmica e o vale do Nilo conheceram, quase ao mesmo tempo, duas das maiores civilizações do mundo antigo. Em outras partes do planeta acontecia a mesma coisa, mas vamos nos limitar aqui às origens de nossa civilização ocidental.


   Com a fixação ao solo, o poder dos grupos dominantes encontrou um novo alicerce: a propriedade agropastoril. Foi necessário, então, criar instrumentos capazes de quantificar o valor da terra. A sequência provavelmente foi:


1- Desenvolvimento da escrita até o nível de representação de quantidades numéricas, entre outras aplicações, e adoção de uma base numérica. É provável que a base 5 ou 10 tenha sido escolhida, pelo hábito já arraigado de contar pelos dedos das mãos.


2- Padronização e cálculo de distâncias lineares;


3- Cálculo de áreas, começando pelas formas retangulares e evoluindo para a área dos triângulos. (Qualquer triângulo pode ser decomposto em dois triângulos retângulos, cuja área é facilmente calculável, sem necessidade nem mesmo de Pitágoras.)


   Com esses instrumentos, qualquer área delimitada por linhas retas podia ter seu valor precisamente calculado, e assim nasceu o primeiro IPTU.


   Mas o próximo desafio era o cálculo do calendário. A riqueza dos proprietários (e portanto sua capacidade de pagar o IPTU) dependia do rendimento das plantações, que sofria a influência das épocas de cheias e de vazantes, do clima e da temperatura e do tempo de insolação diária, variável ao longo das estações.


   A essa altura, os homens que se dedicavam aos cálculos já haviam adquirido o respeito do povo e da elite dominante, à qual muitos deles pertenciam, e haviam constituído um núcleo corporativista de “magos”, que atacou o novo desafio.


   A duração do ano, em dias, foi calculada em algumas décadas de observação; mas havia um problema: como dividir um círculo em 365 partes iguais, e mais uma fração ainda não bem determinada? É matematicamente impossível dividir um ângulo qualquer em três partes iguais, só com régua e compasso. Mas eles não sabiam disso e devem ter feito muitas tentativas frustradas até se convencerem dessa impossibilidade.


   Por fim, optaram pela única solução prática a seu alcance: dividiram o círculo em doze partes iguais (coisa fácil com qualquer compasso); cada arco dessa divisão foi retificado pela sua corda, e esta dividida linearmente em trinta partes iguais. Estavam criados os doze meses do ano e o círculo de 360 graus. Os cinco dias restantes eram acrescentados ao fim de cada ano, com correções eventuais quando necessárias (prelúdio dos anos bissextos).


   Desses magos antigos todos nós herdamos nossos métodos modernos de calcular o tempo (anos, meses, dias, horas, minutos e segundos) e de medir os ângulos (graus, minutos e segundos). Muitas unidades de medida correntes no nosso dia-a-dia também vieram daí. Pense nisso quando for comprar uma dúzia de ovos...


   Concomitantemente aos avanços na geometria, a medicina e a filosofia também conquistaram novos horizontes. O Velho Testamento traz indicações sobre sintomas de doenças e o Código de Hamurabi assume para o Estado o papel de legislador, juiz e executor.


  Mas as civilizações se multiplicavam, os conhecimentos evoluíam e os antigos magos foram se adaptando lentamente aos novos ares. Na Grécia antiga, Hipócrates aperfeiçoava a medicina e um outro homem estudava pela primeira vez as características do próprio conhecimento científico. Sócrates exclamou: “Só sei que nada sei!” - mesmo sabendo que sabia mais que os sábios da época. Começava ali a autocrítica da ciência.


   Nessa época, germinaram as sementes da ciência moderna – e não só na Grécia. Mas por muito tempo o joio e o trigo disputaram a mesma seara. Na Idade Média, prevaleceu na Europa o joio, enquanto o trigo encontrava solo fértil na cultura árabe. No renascimento, as duas correntes chegaram ao paroxismo da luta, com a Inquisição – sentindo a derrota iminente – condenando Galileu e Giordano Bruno: um à retratação e o outro à fogueira.


   A partir de então, os métodos de investigação científica vem se aperfeiçoando constantemente; mas alguns expoentes dessa investigação se esquecem às vezes do princípio de autocrítica que ela exige, e exageram o valor de suas próprias descobertas.


   Nos dias que correm, percebe-se cada vez mais que cada porta aberta conduz a muitas outras, e que o limiar do conhecimento não é uma fronteira fixa, mas um horizonte que se afasta um passo para cada passo que se dá em direção a ele. É como a assíntota de uma curva... quanto mais pesquisamos, mais chegamos perto, mas nunca a alcançaremos. Mas vamos continuar avançando. Há tesouros insuspeitados ao longo da parte inexplorada da curva.


   Quanto aos magos modernos e contemporâneos, eu os divido em categorias:


1- Os cientistas – Galileu, Copérnico, Newton, Einstein. Stephen Hawking. César Lattes. Diversos ganhadores do Nobel. Aqui se situam os astrônomos, matemáticos, astrofísicos, médicos, filósofos, economistas etc. Sobra lugar para todos os cientistas formais.


2- Os iluminados – Nostradamus, Edgard Cayce, Zé Arigó. Mohandas Ghandi. Outros do mesmo calibre.


3- Os guardiões – Jostein Gaard. Paulo Coelho (com restrições. É difícil para mim entender sua participação na mídia contracenando com um automóvel). De qualquer modo, coloco nesta categoria aqueles autores sérios que se dedicam a esclarecer aos leigos os aspectos menos conhecidos da antiga magia. Talvez haja lugar aqui para J R R Tolkien, entre outros...


4- Os charlatões – Todas as madames Zuleikas e astrólogos de fancaria, quiromantes e cartomantes que pululam por aí… com pouquíssimas exceções.



   Nota: este artigo estava perdido nos meandros da minha memória e nos arquivos de meu computador. Resgatei-o de lá após ler no blog de meu amigo Jair uma excelente matéria sobre tema semelhante.