quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

O Sexo dos Anjos

Se quisermos discutir o sexo dos anjos, podemos começar pelo gênero gramatical das categorias dessas curiosas criaturas:
1- Categorias masculinas: anjos, arcanjos, querubins, serafins e tronos.
2- Categorias femininas: dominações e potestades.
Mas é claro que gênero gramatical não é sexo biológico. Se aceitarmos que anjos são espíritos, a discussão termina aqui. Espíritos não têm sexo, e ponto final.
A coisa muda de figura no caso do sexo dos demônios. Íncubos e Súcubos são categorias de capetas com características sexuais acentuadas: Íncubos são demônios machos, Súcubos são demônios fêmeos. O Santo Ofício se divertia nos processos de bruxaria com as travessuras desses diabos e diabas. Está aí um bom prato para meu amigo Jair. E enquanto ele cozinha essa sopa no seu caldeirão, eu mudo de assunto; o título desta matéria é meramente ilustrativo. Vamos ao que interessa.
Acho que foi João Ubaldo Ribeiro que, com sua verve característica, desancou em um artigo de jornal a mania que certas pessoas têm de questionar o sexo das palavras - como se as palavras tivessem sexo...
Muita gente boa confunde sexo biológico com gênero gramatical. "Águia", por exemplo, é uma palavra do gênero feminino, que designa tanto o macho como a fêmea da espécie. Aliás, quando se usa o epiceno, deve-se dizer "a águia macha", pois o qualificativo deve concordar com o substantivo em gênero gramatical, e não em sexo biológico. Assim também "o rinoceronte fêmeo".
Muitos animais têm nomes diferenciados em gênero para designar o sexo. O cavalo e a égua, o cão e a cadela, o leão e a leoa. Começa aí a confusão que muitos fazem entre o sexo e o gênero gramatical.
Considere as frases: "O leão é o rei dos animais". "O leão vigia enquanto a leoa caça".
"Leão", na primeira frase, designa a totalidade da espécie, incluindo as leoas. O gênero gramatical da palavra é totalmente independente do sexo biológico.
Na segunda frase, o significado da mesma palavra restringe-se claramente ao macho. Aqui, o gênero gramatical parece sofrer a influência do sexo biológico. Mas isso é apenas uma falsa impressão, como veremos a seguir.
Quando não há diferenciação na designação do gênero gramatical entre os sexos de uma espécie, é necessário usar o epiceno para se obter o mesmo resultado. Por exemplo:
"A borboleta é um lepidóptero". "A borboleta macha pouco se diferencia da fêmea".
Ocorre aqui, com a palavra "borboleta", o mesmo efeito que observamos no exemplo anterior, com a palavra "leão", sendo que "borboleta" continua sendo uma palavra do gênero feminino, sem a menor influência do sexo.
Nas línguas neolatinas a confusão é maior ainda, pois mesmo objetos inanimados são designados por palavras com gênero definido: a cadeira, o armário, a coisa, o objeto. E os gêneros se misturam livremente, sem problemas. O armário é uma coisa. A cadeira é um objeto.
No trato dos assuntos que envolvem as pessoas, o circo pega fogo. Até o sexo do próprio Deus é questionado, como se um espírito tivesse sexo. As representações clássicas de Deus como um ser humano do sexo masculino podem, é claro, ser questionadas. Mas o gênero gramatical do substantivo é apenas isso - uma questão de gramática - e não merece maior atenção.
Vejamos alguns exemplos sobre o modo de tratar as pessoas:
- Um chefe de Estado deve ser tratado no feminino? Que tal mudarmos para "Vosso Excelêncio"?
- Uma bela mulher pode ser tratada como "um colírio para os olhos"? Não seria melhor "uma bênção para a visão"?
Para me guiar nesta selva, estabeleci um esquema para meu próprio uso. Os gêneros gramaticais podem ou não ter relação com o sexo biológico. São independentes do sexo os nomes de tudo que não tem vida biológica:
1- Gênero masculino: "O gênero gramatical, o sertão, o armário, este, aquele".
2- Gênero feminino: "A classe gramatical, a cadeira, a galáxia, esta, aquela".
3- Gênero neutro ou indefinido: "Isto, aquilo".
Têm relação com o sexo todos os nomes que se referem a seres vivos, diferenciando ou não os sexos:
1- Gênero masculino: "O mineiro, o senhor embaixador, o gato".
2- Gênero feminino: "A sereia, as náiades, a gata".
3- Gênero comum aos dois sexos: "O artista, a artista, o ciclista, a ciclista".
4- Gênero sobrecomum (ou unissex): "A criança, o bebê, o nascituro". Aqui, a relação com o sexo pode ser entendida como uma relação pseudo-epicênica: ninguém diz "a criança macha", mas sim "a criança do sexo masculino".
Epiceno é um indicativo de sexo, usado quando necessário: "A baleia macha - O jacaré fêmeo".
No meu esquema, os gêneros masculino e feminino podem ser ou não relacionados ao sexo, o que às vezes provoca confusão. Aceito sugestões para melhorá-lo.
Para as (os) feministas mais radicais, insisto: alguns nomes designam todo um grupo biológico:
" - O cão é o melhor amigo do homem". Cão e homem incluem cadelas e mulheres.
" - Salvemos as baleias". É claro que os machos estão incluídos.
No caso, "homem" significa "A HUMANIDADE", e "baleia" quer dizer "OS CETÁCEOS". Sexo não tem nada a ver.
Há muito o que conquistar ainda, mulheres e feministas. Não percam tempo lutando contra ignorantes que não sabem a diferença entre sexo biológico e gênero gramatical.
Concordância gramatical existe, e deve ser respeitada. E a concordância entre sexos???


Um comentário:

  1. "A mulher deu seu testemunho de jeito bem feminino", "O homem foi uma testemunha válida à maneira masculina". Eis aí as nuances idiomáticas que enriquecem nossa maltratada língua e ilustram o belo texto "O sexo dos anjos". Abraços, JAIR.

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