segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

Crer ou não crer

Numa recente troca de idéias com meu amigo Leonel Rodrigues, surgiu a questão do ceticismo quanto a assertivas científicas ou pseudo-científicas em geral. Ceticismo, é claro, no bom sentido: passar a afirmação em questão pelo crivo do raciocínio lógico e da pesquisa possível e enquadrá-la numa das seguintes categorias:
1- Contos de fadas (a abóbora de Cinderela); úteis para contadores de histórias infantis.
2- Ditos e crendices populares (Saci-pererê); bons para histórias educativas e acervos culturais.
3- Lendas e mitos universais (o Dilúvio); excelentes fontes de ficção, com a vantagem de possuirem quase sempre um fundo de verdade.
4- Truísmos (penso, logo existo); verdades evidentes.
5- Especulações (será que existe vida em outros planetas?); perguntas que aguardam respostas verificáveis.
6- Hipóteses (a crosta de Marte tem uns 60 km de espessura); proposições feitas a partir de fatos sobre os quais já existem indícios verossímeis, mas que carecem de maior investigação.
7- Teorias (e=mc2); conjunto de hipóteses confirmadas por observações e experiências.

Um conjunto abrangente de teorias coerentes forma um sistema teórico. Uma Cosmologia é um sistema teórico que busca explicar as origens e a evolução do Universo.
É curioso notar que nenhuma dessas categorias é totalmente falsa ou absolutamente verdadeira (exceto os truísmos, talvez): contos de fadas, fábulas e crendices são alegorias e como tais devem ser compreendidos; lendas e mitos sempre têm um núcleo de verdade; especulações e hipóteses são candidatas a mudar para uma categoria superior ou a serem descartadas como falsas (e aí somem do cenário); finalmente, uma teoria comprovada pode ser suplantada por outra mais abrangente, tornando-se um caso particular da mais nova, como aconteceu com a Teoria da Gravitação Universal, de Newton, que não perdeu a validade mas tornou-se uma aproximação da Teoria da Relatividade, de Einstein.
O esquema acima é adequado para as ciências naturais e pode ser adaptado para as ciências humanas. Quanto à fé e ao sentimento religiosos, pretendo abordá-los em matéria futura, pois o assunto ultrapassa o escopo deste artigo.
Vejamos dois exemplos de "teorias científicas" que não vingaram (exceto entre seguidores fanáticos ou pessoas mal-informadas).

O Gelo Cósmico
Do "site" wikipedia.org/wiki/Welteislehre, extraí o seguinte texto:
By his own account, Hörbiger was observing the Moon when he was struck by the notion that the brightness and roughness of its surface was due to ice. Shortly after, he experienced a dream in which he was floating in space watching the swinging of a pendulum which grew longer and longer until it broke. "I knew that Newton had been wrong and that the sun's gravitational pull ceases to exist at three times the distance of Neptune," he concluded.
Tradução:
Segundo ele mesmo, Hörbiger estava observando a Lua quando foi assaltado pela noção de que o brilho e as irregularidades da sua superfície eram causados pelo gelo. Pouco depois, ele sonhou que estava no espaço, observando a oscilação de um pêndulo, que aumentava cada vez mais, até que se quebrou. Ele concluiu: "Assim fiquei sabendo que Newton estava errado e que a atração da gravidade solar cessava de existir a uma distância três vezes maior que a de Netuno".

Hans Hörbiger foi um inventor de sucesso. Sua válvula para compressores lhe rendeu uma fortuna, e é largamente usada ainda hoje. Mas parece que o sucesso e a fortuna lhe subiram à cabeça, e o engenheiro perspicaz deu lugar ao "cientista" auto-didata e arrogante. Sua "cosmologia" baseia-se na "luta eterna" entre o gelo e o fogo: o gelo cósmico junta-se em grandes massas e cai sobre um sol gigantesco, formando vapor que acaba explodindo, gerando sistemas planetários (inclusive o nosso). Dá para notar nessa concepção o princípio de
funcionamento das máquinas térmicas, notadamente as máquinas a vapor: a necessidade de contrapor uma fonte quente a uma fonte fria.
A luta entre o gelo e o fogo explicaria, segundo ele, as eras glaciais de nosso planeta, entre as quais diversas civilizações teriam surgido e desaparecido. A causa das glaciações: a queda sucessiva de satélites sobre a Terra, e a captura de novas luas. A atual seria a quarta. Para sustentar sua teoria contra a de Newton, Hörbiger não poupou gastos: fundou sociedades "científicas", patrocinou programas de rádio, criou jornais... e conseguiu uma aceitação popular sem precedentes.
Hörbiger morreu em 1931, em plena efervescência do nazismo. Poucos anos antes, Einstein havia publicado a Teoria da Relatividade; os seguidores de Hörbiger "subiram nas tamancas" e desencadearam um furioso ataque contra "aquele pseudo-cientista judeu". Vale lembrar que o clima de anti-semitismo, nos anos pré-Hitler, já era forte. E o Partido Nazista encampou as idéias de Hörbiger, fazendo de sua teoria a cosmologia oficial do III Reich.

A Terra Oca
Edmond Halley - Transactions, 1692
Com base em medições imprecisas do campo magnético terrestre e aceitando a estimativa equivocada de Newton sobre a densidade da Terra, Halley formulou a Teoria da Terra Oca. Mas advertiu, reconhecendo que todas as suas deduções estavam baseadas em informação limitada: "assim a bela determinação disto e de vários outros particulares no sistema magnético está reservada para a posteridade remota; tudo aquilo que nós podemos esperar fazer é deixar para trás observações nas quais se possa confiar, e propor hipóteses que depois de eras poderão ser examinadas, emendadas ou refutadas". Halley, um cientista sério, coloca claramente suas conclusões no terreno das hipóteses, ao contrário de Hörbiger. Mas isto não impediu que a idéia de uma Terra oca se espalhasse rapidamente, e fosse encampada por diversos grupos que a consideram uma teoria estabelecida e até hoje a defendem.

Concluo: um ceticismo sadio e sem preconceitos é um poderoso aliado para evitar a aceitação de idéias falsas, e deve ser exercido sempre que absorvemos novos conhecimentos.

2 comentários:

  1. A Terra Plana:
    "O criacionismo da terra plana diz que a terra é plana, imóvel e o centro do universo, coberta por um céu sólido, em forma de abóbada, provavelmente referindo-se ao segundo dia da criação, quando "fez, pois, Deus o firmamento e separação de águas debaixo do firmamento e as águas sobre o firmamento.(...) E chamou Deus ao firmamento Céus" (Gênesis, 1:7-1:8). As estrelas, o sol e a lua estariam embutidos nessa rígida abóbada."
    Essa chamada Teoria da Terra Plana tem seguidores na atualidade que juram de pés juntos que é a pura verdade. O único argumento que me ocorre é: Que seria do vermelho se todos gostassem do azul...

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  2. Barcellos, consta que estas teorias malucas de Hörbiger foram adotadas por um certo círculo de chefes nazistas adeptos do misticismo. Eles viam as coisas do ponto de vista de que tudo no mundo girava em torno da tal oposição entre o calor e o gêlo, e eles estariam do lado do gelo.
    Além da crença (talvez nem tão absurda) de que as eras geológicas da Terra teriam sido causadas pela queda sucessiva de três satélites sobre o nosso planeta, havia também a hipótese de que, em cada uma destas eras, teria se desenvolvido uma raça inteligente. Os humanos seriam a 4ª raça. E a Lua, supostamente, acabará por se precipitar também sobre a Terra, encerrando o nosso ciclo.
    Quanto à bem mais inconsistente hipótese da terra ôca, consta que um ex-aviador alemão, na mesma época, conseguiu conquistar alguns adeptos (também entre os nazistas) desta teoria.
    O pior é que ele sustentava que nós viviamos no lado interior da crosta da Terra, que o horizonte era uma distorção ótica e que o sol, a lua e as estrêlas eram cintilações numa concentração de gases que flutuava no centro do suposto buraco!
    Pelo visto, por maior que seja o absurdo, sempre haverá alguém que acreditará nele!

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