quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

Depois da tempestade vem a enxurrada

Escrito em junho de 2005, este artigo foi em grande parte inspirado pelos trágicos efeitos das tempestades daquele ano, não só no Brasil como no resto do planeta. Mais de quatro anos depois, nada mudou... ou mudou para pior.
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INUNDAÇÃO
Chuva, chuva, chuva. Lembrei-me dos aguaceiros que castigaram S. Paulo, Rio, Belo Horizonte... cidades grandes e pequenas pelo Brasil afora. Famílias que perderam tudo... vítimas fatais ... tristeza e prejuízos. Cobranças às autoridades, explicações e desculpas... e tudo se repete, ano após ano.
Dizem que o problema é falta de escoamento, por causa de bueiros entupidos e lixo acumulado nos canais. Besteira. Isso é jogar pra cima da população a responsabilidade pela incompetência dos engenheiros municipais e dos secretários de obras. Na verdade, a grande maioria dos problemas é causada pelo excesso de escoamento. Isso mesmo - excesso de escoamento. Você não acredita? Bem, deixa eu explicar.
As maiores inundações são causadas por chuvas torrenciais que causam uma precipitação pluviométrica (calma, já vou traduzir) de uns 200 milímetros, no máximo, em 24 horas. Isso quer dizer que, se não houvesse nenhum escoamento, se cada gota de chuva ficasse onde caiu, cada rua, ao fim das 24 horas de tempestade, teria apenas um palmo (200 mm) ou menos de água. Além disso, não haveria enxurradas, que são a principal causa de desabamentos e afogamentos. Em S. Paulo, o Tietê e o Pinheiros subiriam apenas 20 centímetros, assim como o canal do Mangue no Rio, e outros escoadouros.
Obviamente, os telhados também ficariam com seus 20 cm de água acumulados, assim como as calçadas, praças e jardins. Mas qualquer telhado bem feito resiste a uma pressão de 200 mm de água.
É claro que é impossível querer obrigar cada gota a ficar onde caiu (*); mas é perfeitamente possível controlar o escoamento de modo a reduzi-lo a um nível que evite os grandes problemas acima citados. A água demoraria um pouco mais a baixar - talvez dois ou três dias - mas a cidade e seus habitantes teriam trocado uma calamidade pública por uma inconveniência de consequências mínimas.
Portanto, Srs. Prefeitos, secretários e engenheiros, parem, por favor, de gastar nosso dinheiro aumentando o fluxo do escoamento pluvial. Tratem, isso sim de procurar meios de reduzi-lo e controlá-lo. Desde já, eleitores e cidadãos agradecem.


(*) Esse efeito pode ser observado nos lugares e épocas do ano onde cai neve, em vez de chuva. Cada "gota" - ou floco - permanece onde caiu, e os problemas maiores são causados pelo frio e pelo volume acumulado da precipitação (muito maior em forma de neve do que em forma líquida). Quando chega a primavera, o degelo é lento e o escoamento não causa maiores transtornos.
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Hoje, às vésperas do Ano Novo, as notícias dão conta de mais onze vítimas fatais das chuvas que castigam o Rio. Serão mais, talvez. Mas como controlar o fluxo do escoamento? Sugiro um estudo em quatro etapas:
1 - Identificar e mapear as "minibacias pluviais urbanas" - os canais naturais ou artificiais do escoamento, definindo seus "divisores de águas" (acho que isso já existe);
2 - Selecionar uma ou duas minibacias adequadas a um programa de controle de fluxo;
3 - Efetuar as obras públicas necessárias e incentivar os proprietários dos imóveis a adaptá-los ao programa. As áreas impermeáveis serão priorizadas;
4 - Aguardar a próxima época de chuvas torrencias, fazer o levantamento estatístico dos resultados, divulgá-los e partir para o abraço - ou para a reeleição.
As obras públicas e particulares necessárias seriam simplesmente a coleta da chuva através de calhas e canaletas, conduzindo o fluxo total a reservatórios apropriados, dos quais seria liberado o fluxo controlado. Um imóvel com área impermeável de 1.000 metros quadrados (um condomínio vertical de porte médio) necessitaria de um reservatório com capacidade para apenas 100 metros cúbicos de água para controlar um débito de 100 mm/dia. Os engenheiros sabem como fazer isso.
É claro que isso não é uma panacéia, e só se aplica na prática a áreas de alta concentração urbana e baixa permeabilidade. Mas imagino que um prefeito mais interessado nas próximas gerações, e menos nas próximas eleições (eu tenho uma imaginação delirante, às vezes) possa fazer alguma coisa a respeito.
Que tal as minibacias que deságuam na Praça da Bandeira, aqui no Rio?

2 comentários:

  1. Barcellos, ideias originais que, se aproveitadas por quem tem poder de efetivá-las, podem se tornar solução em alguns casos de comprovado excesso de escoamento. Só lamento que o visual do texto não seja o mesmo dos textos anteriores, parece que ficou mais pobre, meio largado. Abraços, JAIR.

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  2. No Brasil, os governantes eleitos pelo povo quase sempre adotam as "soluções" mais dispendiosas, imediatistas e ineficazes.
    Reforma agrária, cotas racistas, armas recolhidas, obras que nada resolvem...A maioria destas "soluções" prejudicam as pessoas de bem (elas existem, embora não sejam a maioria!) e nunca alcançam os responsáveis nem resolvem os problemas dos supostos beneficiados!
    Nunca vi números que mostrem a produtividade dos minifúndios, nem nenhuma melhora na qualidade do ensino fundamental, nem reduções nas armas de guerra usadas por traficantes e bandidos!
    A buraqueira que surge nas nossas ruas após chuvas como a da semana passada logo será enchida com aqueles montinhos de asfalto que serão prensados pelos nossos carros e levados pela próxima enxurrada!
    Mas, se o vereador da área promover um churrasco ou feijoada no campinho de futebol, estará garantido para mais um mandato!
    Infelizmente, pelo menos uma grande parte do povo brasileiro tem os governantes que merece!
    E, às vezes, nem há opção para votar!

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