terça-feira, 16 de abril de 2013

Menoridade

     Pelo que eu entendo, uma sanção penal tem três finalidades: a primeira é educativa, e seu alvo é o apenado; a segunda é inibitiva, e busca influenciar pelo exemplo, desencorajando procedimentos criminosos ainda latentes em indivíduos que possam ter propensão para o mesmo tipo de crime; e a terceira, que é causa e consequência das duas anteriores, é a proteção da sociedade pelo afastamento do elemento pernicioso.
     Mas algumas vezes a pena reveste-se do caráter de retaliação, de vingança, disfarçada sob o rótulo de exemplo.
     A bola da vez é a imputabilidade penal. Nosso código trata o assunto como se houvesse um instante mágico na vida de todos nós: um segundo antes, somos menores inimputáveis, um segundo depois somos maiores plenamente responsáveis por nossos atos.
     Essa ficção é necessária. Ela deriva de outra ficção legal - "Todos são iguais perante a Lei". É impraticável erigir um código diferente para cada um de nós, diferentes que somos.
     Na prática, embora as grandes diferenças sejam discriminadas na letra da lei, as pequenas são contempladas no âmbito do processo penal. Ou deveriam ser. Mas isso pressupõe um sistema jurídico bem preparado e aparelhado com princípios morais e éticos de primeira grandeza.
     No embrião da História imperava a pena de Talião, o olho-por-olho. A "vendetta" era a regra, e passava de geração em geração, dizimando famílias e clãs e enfraquecendo sociedades inteiras, que se tornavam assim mais vulneráveis ao ataque de inimigos.
Imagem: Internet
     Por volta de 1770 AC Hamurabi da Babilônia resolveu fazer alguma coisa. Mandou relacionar por escrito as práticas que davam margem às "vendettas" e coligir e ordenar as sanções para cada uma. Espertamente, manteve os castigos já tradicionalmente aplicados a cada "crime":

     218- "Se um médico operar a catarata de uma pessoa com faca de bronze e por causa disso o olho arruinar, terá sua mão cortada" (K. W. Ceram, Deuses, Túmulos e Sábios).

     Onde está o pulo do gato? Se as mesmas penas eram aplicadas aos mesmos delitos, que diferença fazia o código? Por que ele é tão famoso, afinal?
     A diferença era que o Estado assumia o papel de vingador e justiceiro. Cortava-se pela raiz a motivação das "vendettas". E a Babilônia, a partir dessa época, construiu uma das maiores civilizações de que temos notícia.
     A nossa "moderna" sociedade não é diferente. Em geral, esperamos do nosso sistema jurídico uma justiça baseada numa sólida filosofia moral. Mas quando o crime é hediondo ou a vítima nos é chegada, as declarações de "queremos justiça" soam como "queremos vingança". Eu quereria. Somos humanos, afinal.
     Talvez um dia possamos avançar um pouco além de Hamurabi. Os crimes serão catalogados como doenças e as penas serão cominadas como tratamento médico. E aqueles criminosos incuráveis ficarão isolados em "tratamento perpétuo". E não haverá sentido em estabelecer-se uma idade-limite para a inimputabilidade... muitas doenças não escolhem idade.
     Conforme a evolução e o grau de morbidez da doença, o paciente seria tratado em UTI ou enfermaria prisional, ou sob acompanhamento domiciliar. E uma vez curado (segundo o parecer da junta médico-jurídica), a alta seria concedida... que esplêndido campo para psicólogos e psiquiatras!
     Sim, um dia... quando a justiça for exercida por homens e mulheres de caráter limpo, moral ilibada, ética irrepreensível e formação sólida.
     Mas enquanto não chega esse dia, acho que deveríamos instituir uma redução da idade para aquele instante mágico...

Niterói, abril de 2013
Rodolfo Barcellos

24 comentários:

  1. Amigo, desde os meus sete anos eu me considero responsável pelo que fiz, pois já sabia muito bem o que era certo e o que era errado...
    Acho que se alguém é capaz de cometer um homicídio, deve ser capaz de responder por ele!
    O que precisa ser adequado é o tratamento a ser dado no caso do acusado ser julgado culpado.
    O que não pode é passar a mensagem que os "dimenores" podem matar e roubar, que no dia seguinte estarão de volta à praça!
    Mas, eu nem sabia que naquele tempo já se operava catarata! Coitados dos médicos!
    Devia ter muitos manetas!
    Abração, Barcellos!

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    1. Concordo, Leonel. E quanto aos médicos manetas, dá vontade de ver uma pena equivalente aplicada a estupradores. Abraços.

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  2. Sempre fui favorável à redução da maioridade penal. Tenho lido o posicionamento de vários juristas a propósito da questão , sob o aspecto negativo dessa medida, e não concordo com eles. Culpam a sociedade, a educação... Na verdade, os jovens podem votar aos 16 anos, lutam para poder dirigir antes dos 18 anos, e são apenas menores infratores. Já percebi que a preocupação está fundada na "impossibilidade" de se dar a eles um tratamento diferenciado no sistema prisional. Mas o que já foi feito, nesse sentido, com relação aos demais detentos, muitas vezes sofrendo barbáries em delegacias?
    Quem pode escolher os representantes do povo, através do voto, com presumida competência e responsabilidade, pode e deve pagar por seus atos, como qualquer "maior". Grande beijo!

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    1. Marilene, o limite da menoridade penal (inimputabilidade) varia de país para país e de condição para condição, desde os 6 anos até a vida inteira, como no caso de nossos índios. Segundo a Wikipedia (fonte não muito confiável), no Japão tentou-se a redução de 20 para 14 anos, mas a criminalidade aumentou e voltou-se ao limite de 21 anos. Mas cada caso é um caso, e o que não deu certo lá poderia dar certo aqui. Vide este link.
      Abraços.

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  3. Rodolfo, otimo texto que compartilho da mesma expressao, sentimento e sentido.

    Sou favoravel tambem a redução da maioridade penal, sou a favor da pena de morte. Penso que os julgamentos precisam ser mais rapidos, sem dar tanta oportunidade (dos mais influentes) de se defender com n recursos que rolam anos.

    Beijos

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    1. Sissym, pessoalmente sou contrário à pena de morte, mas concordo com as demais colocações suas. Beijos.

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  4. É a minha opinião também, Rodolfo.
    É imperioso que se mude a lei imediatamente, com a redução da maioridade penal. Seria o único freio para tantos crimes, protegidos pela impunidade, e também para os bandidos que usam estes 'ditos' menores como escudo para seus crimes.
    Se os jovens são julgados aptos para votarem, o que exige consciência política, então não resta dúvida de que podem e devem responder por todos os seus atos perante a lei conforme qualquer cidadão.

    Beijo.

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    1. Vera, parece que existe um consenso, quase unanimidade, sobre a redução. Falta talvez um mínimo de sensibilidade política para efetivar a medida. Beijos.

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  5. Ola meu querido amigo!

    Passando para ler um pouco de você e deixar um beijo saudoso e carinhoso!

    Muitas saudades!

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  6. Boa noite meu maracujá de gaveta !
    A demonstração de apoio à redução da maioridade penal revela um apoio a uma solução mais imediatista, mas a população também mostra que tem consciência de que é preciso que haja políticas públicas mais eficientes.
    bjs de boa noite !!!!!

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  7. A legislação brasileira tem um bocado de esquisitices, dentre ela está o fato de uma pessoa que tem dezessete anos e dez meses passar apenas sessenta dias na cadeia mesmo tendo matado uma pessoa.

    Assunto denso.
    Tenso.

    Posso estar de fora?

    Beijos, meu bem.

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    1. Milene, é papel do judiciário compensar como possível as "esquisitices" geradas pela fúria legiferante de nossos Hamurabis. Por isso, no júri popular, os jurados limitam-se ao veredicto de "culpado" ou "inocente", cabendo ao juiz a fixação da pena. Deus ilumine nossos juízes. Beijos.

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  8. Tema polêmico.. se o crime cometido é o mesmo, tanto para o menor como para o de maioridade, pq a punição seria diferente?
    O problema está no fato de que o sistema carcerário, comprovadamente, não corrige, não oferece meios desse indivíduo reconciliar-se com a sociedade, consigo mesmo....seria uma distorção de exemplos, uma escola da qual sairiam com doutorado.
    De outro lado, a impunidade garantida favorece que o menor cometa atrocidades igual o considerado "responsável" por seus atos - coisa perfeitamente possível aos 16 anos. Claro que a lei deve ser ajustada, mas aplicada diante do criminoso, imputando-lhe as devidas e cabíveis penalidades. Penso que a responsabilidade cabe ao jovem de 16 anos, que tem perfeita condição de avaliar seus atos.

    Como sempre, Rodolfo, de uma lucidez irretocável tua reflexão.
    O instante mágico é o do sonho de que poderíamos destruir todas as prisões, por falta absoluta de moradores...
    Bjos, meu querido!

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    1. Denise, sua opinião tem o peso de sua vivência profissional e do seu intelecto treinado no julgar motivos e pulsões. Talvez o limite ideal se situe entre os 12 e 16 anos, mas qualquer que seja acho que é necessária uma revisão profunda das normas vigentes.
      Beijos, querida Poesia.

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  9. Tão difícil é julgar! E tão difícil é fazer justiça! Antigamente cortava-se o mal pela raiz. Com a morte ia-se o mal. Mas o exemplo que a sociedade dava (e ainda dá em tantos países onde a pena de morte vigora) é o da violência: castigar a violência COM a violência... Triste solução.

    Mas deixar à solta quem fez sofrer inocentes? Quem MATOU inocentes? Lembro-me do caso do James Bulger, o menino britânico de 2 anos e que foi torturado e morto por dois miúdos de 10 anos em 1993. Eles foram libertados ao atingir a maioridade. Um deles tornou-se pornógrafo infantil e voltou à cadeia; o outro não reinicdiu no crime. Mas a família do menino James não se conforma. E se fosse um filho nosso?...

    Um abraço para si, Rodolfo.

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    1. Lou, quaisquer que sejam os argumentos a favor da pena capital, eu pessoalmente não consigo imaginar um filho meu prestando concurso público para carrasco. Mas defendo a prisão perpétua para "portadores de sociopatias incuráveis" (ora ora, estarei sendo politicamente correto demais?). Beijos.

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  10. Ah, meu querido uma coisa me vem a mente,quando época de meus pais e avós,não havia esse mar de menores infratores
    pois ou estavam estudando ou trabalhando,por certo veio a lei que menor trabalhar era crime,mas,hoje trabalham para o trafico e são escravos dos seus vícios,eu aos 9 anos trabalhei em casa de família e fui assim até meus 18 e estudando,não morri,não fui má pessoa e aprendi muito na cozinha rs,é de se pensar...bjo!

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    1. Marcia, o tráfico de drogas alimenta praticamente todos os tipos de crime, especialmente entre os menores de idade. Cresce a causa, cresce o efeito, resultando nesse "mar" de menores infratores, entre viciados e aliciados. Beijos.

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  11. Limerique

    Hamurabi, mais que código formal
    Aboliu qualquer castigo pessoal
    A cada crime sua pena
    Seja grande ou pequena
    Ao delito pena proporcional.

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    1. Paródia

      Como o índio que volta à taba antiga
      Depois de longa e tenebrosa ausência
      É muito bom rever Vossa Excelência
      Compartilhando a blogosfera amiga...

      Abraços, amigo.

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  12. Meu amigo, como esse tema é polêmico e sempre volta à tona quando um crime assusta a sociedade, vim ler as manifestações dos amigos. Gostei de suas respostas e também sou totalmente contrária à pena de morte. Todos somos falíveis e nossa justiça (bem como qualquer outra), é exercida por seres humanos, sem competência para decidir sobre uma penalidade irreversível. Bjs.

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  13. Eita assunto polêmico! Mas, cresce tanto a impunidade que corremos o risco de vermos o povo fazendo justiça com as próprias mãos, o que não é nada bom.
    um mega abraço carioca


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