domingo, 27 de dezembro de 2009

A ÚLTIMA FLOR

Pesquisar na Internet é um "hobby" para mim. O "Google" é meu "site" favorito. De uma dessas pesquisas, em maio de 2006, nasceu o artigo seguinte.

RAMALHETE LATINO

"Última flor do Lácio, inculta e bela," (Olavo Bilac, poeta brasileiro)

O primeiro verso do soneto de Bilac refere-se à própria língua portuguesa. O poeta queixa-se das vicissitudes que enfrenta para dominar as peculiaridades da língua e toma o próprio Camões - no terceto final - como testemunha das dificuldades do idioma. Ele não sabia que as coisas iriam se complicar muito mais...
A última flor do Lácio não é mais a última. Foi polinizada por borboletas que voavam de flor em flor, e produziu frutos e sementes que se espalharam pelo mundo, gerando novas variedades sempre que encontravam solo fértil. Um destes foi a própria terra de Bilac - o Brasil. Aqui, os dialetos dos índios e dos africanos mesclaram-se com o doce acento lusitano e os falares dos imigrantes de todo o mundo para gerar uma nova variedade da flor - que está sendo chamada, nos meandros da Internet, sem a menor cerimónia, de Pt-BR!
Bem, saibam todos quantos isto lerem que o Pt-BR é uma língua viva, assim como as nossas irmãs d' África e doutras paragens. Sendo viva, tem sua identidade própria, que lhe é conferida em grau maior por quem a fala; em grau menor, por quem a escreve (como eu, aqui); e em último grau por quem acha que nela manda ou quer nela por mordaças.
Aqui, no Brasil, temos uma Academia que cuida desses assuntos. Justiça lhe seja feita: a ABL tenta evitar o autoritarismo didático, e procura acompanhar, com cautela e prudência, as modificações populares no falar cotidiano. Tirante tal ou qual tiro torto, os alvos principais de seus ataques são as expressões "da moda", que são como fogo de palha: espalham-se rapidamente, mas não têm conteúdo capaz de garantir-lhes a sobrevivência a longo prazo.
Passeando pela Internet (ou melhor, navegando(*)), notei no "site" da Wikipedia(**) um interesse inusitado a respeito de siglas e abreviaturas estrangeiras e da maneira correta de traduzi-las (ou representá-las) em português. Alguns exageros - aceitáveis no clima de liberdade indispensável à finalidade do "site" - me causaram espanto. Não me pude conter, e resolvi "botar lenha na fogueira". Ai vão algumas sugestões:

RADAR: DDDOR Detecção de Direção e Distância por Ondas de Rádio
LASER: ALEER Amplificação de Luz por Emissão Estimulada de Radiação
RAM: MAA Memória de Acesso Aleatório

Para facilitar a pronúncia, poderíamos usar variantes fonéticas como DeDiDOR, ALEmER e MAceA
Parece ridículo, não? Bem, é mesmo. Mas. saindo do campo minado das siglas e abreviaturas, não estamos livres de sustos no ïerreno dos termos de origem estrangeira
Algumas "traduções" são simplesmente adaptações fonéticas. Para aproveitar o embalo, vejamos algumas dessas que poderiam sor "melhor" traduzidas por "acadêmicos" empedernidos (acredite, eles bem que tentaram):

Football Futebol Balípodo ou Ludopédio
Chauffeur Chofer Cinesíforo
Basketball Basquetebol Cestobola

Mais ridículo ainda? Aqui, no Brasil, sim. Mas "futebol", "chofer" e "basquetebol" já passaram da fase de "adaptação fonética" ou de "estrangeirismo" e se incorporaram ao nosso vocabulário, simplesmente por trazerem um conteúdo rico em significado para o nosso povo, que adotou esses termos rapidamente. Deixo ao critério do leitor que teve a paciência de me acompanhar até aqui a "tradução" dos seguintes termos e expressões:

Windsurf - Rollerball - Skate - Bungee Jump - Off Shore - Bodyboard - Quark -...

Note que os termos que se referem a atividades esportivas são maioria nas listas anteriores. São, na verdade, grãos de pólen trazidos de outras flores por abelhas e borboletas operosas e que poderão (ou não) provocar mutações genéticas em nosso idioma
Alguns acreditarão que esse processo pode provocar defeitos congênitos ou adquiridos ao nosso querido Pt-BR. Ledo engano! Nosso falar é forte e saudável, e saberá se defender com seus próprios anticorpos, preservando as mudanças que lhe trazem riqueza e rejeitando todas as demais. Mas esse processo demora um pouco, e expressões novas e estranhas sempre estarão circulando na mídia(***) e na boca do povo, enquanto são lentamente modificadas e absorvidas ou agonizam e perecem por falta de exercício. Já vimos como pululam neologismos esportivos em nossa terra.
Caros companheiros de fala e de idioma, descendentes e herdeiros da Flor do Lácio: deixem que o fruto gerado por essa flor espalhe suas sementes e se multiplique em dialetos e idiomas que retratem fielmente o modo de ser e de falar das gentes que os usam. Cuidem para que cada modo novo de falar e escrever seja uma pequena jóia acrescentada ao seu património cultural. E assim, a Flor do Lácio nunca será a última, mas sim a mãe de muitas outras flores.

NOTAS
(*) Navegando: adoro a expressão "navegar pela Internet". Ela transfere para uma atividade moderna e absorvente todo o significado que lhe foi conferido pelos grandes navegantes portugueses. Também o neologismo "surfar na Internet" carrega uma expressividade toda sua, em que o verbo e sua regência despertam a ideia de uma atividade mais leve, esportiva e voltada para o lazer.
(**) Wikipedia: Confira o "site" pt.wikipedia.org
(***) Mídia: pessoalmente, detesto esse termo, mas parece - ao menos por agora - que esse grão de pólen vai vingar. De fato, a língua se enriquece, pois não temos outra palavra que, com a mesma concisão, contenha todo o significado dessa.

REFORMA ORTOGRÁFICA

Gosto e não gosto. Valeu a queda do trema, pelo menos. Aqueles dois pontinhos não serviam pra nada, mesmo.
Mas pretendo continuar grafando minhas idéias e medéias como sempre. Quanto ao resto, vamos dar tempo ao tempo...

3 comentários:

  1. Barcellos,
    No dia 31/07/09, publiquei um texto, "SOBRE A ARTE DE ESCREVER" exprimo minha opinião a respeito dessa flor tão frágil e tão volúvel mas, nem por isso menos bela. O trecho abaixo foi tirado daquele artigo:
    VERNÁCULO, não agredi-lo, não atentar contra sua integridade. Observar as regras gramaticais e a maneira consagrada de escrever as palavras, nada de muita novidade e jamais esdruxularias. Lembrem-se, Guimarães Rosa usava conceituação idiomática única, criava suas próprias regras porque tinha envergadura para isso, se fôssemos iguais a ele não estaríamos escrevendo modestos blogs, estaríamos na ABL. Não ser repetitivo também é regra de ouro, repetição cansa o leito

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  2. Barcellão,
    Gostei do "new look" do blog, ficou supimpa!

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  3. Nossos avôs portugueses tem o hábito de traduzir até nomes próprios de outras línguas.
    A verdade é que, muitas vezes, um objeto, uma tecnologia ou modalidade esportiva chega primeiro na prática, antes de chegar à ser citada. E quem pratica não se dá ao trabalho de traduzir. E depois, para que? As palavras na língua portuguesa são como gráficos de barras, cheias de picos quadrados que sobem e descem, enquanto que em inglês, por exemplo, as palavras parecem ser curvas e ovais, fluem redondinhas, com uma ou duas entonações. No meu tempo de garoto, lá no sul do Brasil, os locutores esportivos de futebol (chamados "speakers") não falavam em "escanteio" nem em "impedimento", mas em "corner" e " off side". Centroavante era "centerforward" (ainda por cima com pronúncia alemã, o "w" soando como "v"), e se algum jogador negro do Inter era citado, seria como "o colored player alvirubro" ! Tudo por que o esporte era "bretão"!
    Já em Portugal, os internautas "carregam no rato para baixar o ficheiro", enquanto nós aqui simplesmente clicamos no mouse para baixar o arquivo.
    Eu acho que não existe língua razoávelmente difundida que não sofra influência de outras línguas. Bobagem essa neura em combater termos de origem estrangeira! Afinal, o próprio português não é uma distorção do velho latim, como diz o título "a última flor do lácio"?

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