Se a Ciência se limitasse ao estudo do mundo material e a Religião se ativesse aos aspectos puramente espirituais, dificilmente haveria conflitos entre as duas. A Ciência estudaria prótons e elétrons, galáxias e estrelas, e a Religião cuidaria da moral e da ética, da filosofia e da alma. Mas acontece que ambas têm a mania de meter o bedelho nos assuntos da outra, e de vez em quando sai faísca.
Não é de admirar. Tanto uma quanto outra estão sob a égide de instituições humanas, e o ser humano adora uma boa briga. Qualquer "Homo Sapiens" aspira ao título de "Homo Invictus". Tudo bem, mas como fica o sentimento de religiosidade do cientista? Há lugar para isso?
Vejamos: Religião é um sistema teológico-filosófico, muitas vezes dogmático e ritualístico. Já a religiosidade é um sentimento pessoal, íntimo, particular. Não há duas pessoas cujos sentimentos de religiosidade sejam exatamente iguais. Sobre isso há um belo texto em
http://somostodosum.ig.com.br/conteudo/conteudo.asp?id=4724
O dogmatismo afasta o cientista da religião. Afinal de contas, seu trabalho é investigar com imparcialidade fenômenos naturais em busca de relações de causa e efeito, para as quais muitas religiões fornecem soluções sob medida. Mesmo assim, o cientista pode manter intacto o seu sentimento de religiosidade. Vejamos alguns exemplos.
- Isaac Newton era claramente um teísta: "A maravilhosa disposição e harmonia do universo só pode ter tido origem segundo o plano de um Ser que tudo sabe e tudo pode. Isto fica sendo a minha última e mais elevada descoberta". Vide http://pt.wikipedia.org/wiki/Isaac_Newton, que referencia NEWTON, Isaac. Principia, Book III . Newton’s Philosophy of Nature: Selections from his writings. Nova Iorque: H.S. Thayer, Hafner Library of Classics: 1953, (inglês).
- Albert Einstein era um deísta, com traços de panteísmo. Sobre a mecânica quântica: "A teoria diz muito, mas não nos aproxima do segredo do Velho (the Old One). Eu estou convencido que Ele não joga dados". Carta a Max Born, 12 Dez 1926. Einstein relutava em aceitar o princípio da incerteza e defendia a causalidade laplaciana.
- Stephen Hawking, agnóstico, em palestra sobre o mesmo assunto, inverteu a metáfora de Einstein: "Deus joga dados, e às vezes esconde-nos o resultado".
Trecho de uma carta de Einstein, escrita a 24 de setembro de 1946, a Isaac Hirsch, presidente da Congregação B'er Chaym:
"Meu caro Sr. Hirsch, muito obrigado pelo seu gentil convite. Apesar de eu ser uma espécie de Santo judeu, tenho estado ausente da Sinagoga há tanto tempo, que receio que Deus não me iria reconhecer, e se me reconhecesse seria ainda pior. Com os meus melhores cumprimentos...".
Para esclarecer melhor, façamos um resumo de correntes religiosas, seus credos e adeptos:
- Ateísmo: "Deus não existe, e ponto final". Karl Marx.
- Agnosticismo: "Não sei se Deus existe". Darwin, Edison, Marie Curie, Russel, T. H. Huxley, Carl Sagan.
- Panteísmo: "Deus é o Universo". Giordano Bruno, Spinoza.
- Deísmo: "Deus existe e pode ser compreendido através da Ciência". Thomas Payne, Voltaire, Rousseau, Montesquieu, Benjamin Franklin, George Washington.
- Teísmo: "Deus existe, e ponto final". Isaac Newton, Max Planck.
As correntes religiosas acima são ramificadas e existem outras. Mas estas ilustram bem o conflito entre a Religião (qualquer que seja) e a Ciência. Mas e o outro lado? Surpreendentemente os teólogos independentes defendem a separação entre Religião e Ciência.
Trechos de Francis Clark, teólogo, criticando o dogmatismo cristão:
"Enquanto o Cristianismo conservador desperdiça sua energia em batalhas contra o conhecimento gerado pela ciência, presta menos e menos atenção às necessidades espirituais de seus seguidores".
"A moeda corrente forjada de uma religião dogmática, interessada na promoção do dogma como um fato, diminuiu muito a dimensão desta própria religião".
"A finalidade da religião é elevar a nobreza do espírito dentro da humanidade e ensinar-nos que há uma "justiça" no universo. Esta finalidade é encontrada com o mito, não com o dogma. Ou, nas palavras de Joseph Campbell, o mito não fornece o significado da vida, ele fornece a "experiência de estar vivo". Discutir o criacionismo em oposição à evolução darwiniana não tem nada a ver com a validade ou força da religião. Como um crente e religioso, eu não estou preocupado em negar a verdade da evolução biológica. Os "deuses" tiveram o direito de dar forma ao universo da maneira que escolheram".
Tenho para mim que os grandes cientistas sabem perfeitamente separar uma coisa da outra. Eles ignoram o dogmatismo religioso e mantêm vivo o seu sentimento de religiosidade. Mas também gostam de uma boa briga, e no calor da luta deixam escapar, de vez em quando, umas tiradas não muito científicas.
Escrevi anteriormente uma matéria sobre Ciência e Magia. Agora, que cutuquei a onça com vara curta, falando sobre Religião e Ciência, sinto-me propenso a completar uma trilogia, com um artigo sobre Magia e Religião - se a onça não se mostrar muito brava. Mas eu também sei brigar.
Se existir uma posição entre ateísmo e agnosticismo é aí que me encontro. Não acredito em Deus, mas se me apresentarem provas concretas de sua existência passo a acreditar. Isso não é uma incoerência, pelo contrário está de acordo com o que escrevi no post "A maravilhosa ciência":
ResponderExcluir"A ciência nos convida a dar crédito a fatos, mesmo quando eles não se ajustam às nossas concepções. Aconselha-nos a considerar hipóteses alternativas em nossas mentes, para ver qual se adapta melhor à realidade". Além disso, quem já leu "Deus, um mito" de Richard Dawkins, e for racional, certamente pensará duas vezes antes de dizer que Deus existe.
Caro Barcellos, muito boa a sua abordagem sobre esta polêmica questão.
ResponderExcluirGostei bastante da carta de Einstein para o Rabino.
Uma vez, eu escrevi para um amigo: tenho uma notícia boa e outra má; a boa é que Deus existe; a má é que ele não está nem aí para nós!
Respeito as opiniões divergentes, mas, aos poucos também formei as minhas.
Recebi minha educação fundamental em uma escola paroquial católica, e portanto, uma formação religiosa.
Mais tarde, comecei a perceber que meus mentores não me davam respostas satisfatórias para algumas questões. Acabei por peregrinar por diversas filosofias, algumas mais esclarecedoras, outras mais dogmáticas, mas algumas lacunas permaneceram.
Hoje, eu penso que diante das maravilhas que assistimos diariamente por toda parte deste vasto universo, as coisas não são assim por acaso. Acredito que alguma espécie de inteligência astronomicamente superior à nossa teve algum papel no estabelecimento dessa ordem que se percebe quando se olha de longe o caos aparente.
Entretanto, aquela figura do deus-patriarca, que interfere diretamente nos eventos, que se zanga e castiga, que premia e ajuda, e que estabelece princípios morais, para mim é uma criação dos homens.
Acredito em Deus. Só que o Deus no qual eu acredito talvez não seja o mesmo que as religiões cultuam.
Leonel, meu credo é praticamente igual ao seu. Substitua em sua última frase o "talvez não seja" por "não é" e poderemos fundar uma nova igreja, como você sugeriu...
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