Parte 3- Os Profetas
Para concluir esta matéria, busquei alguns exemplos de antecipação na área da tecnologia, e optei por dois deles: um na área do conhecimento lógico e outro no terreno das especulações futurísticas. O leitor decidirá qual tipo de "insight" é mais válido.
a) Um profeta científico.
Em 1945, doze anos antes do lançamento do Sputnik I, Arthur C. Clarke publicou, no "Wireless World", sua idéia de usar satélites geoestacionários como elos de uma cadeia global de telecomunicações. Ainda demoraria uns 20 anos para que os primeiros satélites geoestacionários fossem lançados. Mas, afinal, o que são satélites geoestacionários?
A Terra gira sobre seu eixo em 23 horas, 53 minutos e 4 segundos. Durante esse tempo, ela se desloca em sua órbita, e precisa de mais 6 minutos e 56 segundos para "ver" o Sol na mesma posição do céu. Isso perfaz as 24 horas de duração do dia.
Os primeiros satélites lançados tinham órbitas muito baixas - uns 6.700 km de raio (330 km de altura), logo acima do limite da atmosfera. O Sputnik I girava em torno da Terra em uns 100 minutos, mais ou menos.
A Lua, a 380.000 km da Terra, leva 27,3 dias para completar sua órbita. Ambos, a Lua e o Sputnik, obedecem à terceira lei de Kepler: quanto maior o raio da órbita, mais tempo leva o objeto para completar sua revolução. Portanto, existe entre as duas órbitas uma terceira que corresponde a uma revolução por dia.
Na verdade, existe uma infinidade de órbitas cujo período é igual ao da rotação da Terra. Sua distância média é de 42.164,175 km (relativamente ao centro da Terra). São chamadas "órbitas geossincrônicas". Um satélite geossincrônico passará, todo dia à mesma hora, sobre o mesmo ponto da superfície terrestre.
Se, além disso, a órbita estiver no plano do equador, o satélite estará sempre nas proximidades da vertical de um ponto fixo no equador. Ele poderá variar sua posição, indo para o leste quando estiver mais próximo da Terra (perigeu), ou desviando-se para o oeste quando estiver mais longe (apogeu).
Mas se a órbita for perfeitamente circular o satélite permanecerá sempre sobre o mesmo ponto do equador terrestre, como se estivesse grudado no céu ou espetado na ponta de uma torre de 35.500 km de altura. Ele é um satélite geoestacionário. Portanto, basta apontar uma antena para o satélite para manter um contato permanente com ele.
Três satélites geoestacionários em posições equidistantes poderiam dar cobertura total a 90% da superfície terrestre, com a vantagem de poderem trocar dados entre si. Em síntese, essa foi a proposição de Arthur C. Clarke em 1945.
Hoje, a órbita geoestacionária (repleta de satélites de telecomunicação) é conhecida como "Cinturão (ou Anel) de Clarke". E se você observar a direção das antenas parabólicas nos telhados das casas e edifícios, saberá para onde apontar seu telescópio - de dia ou de noite - para achar o satélite.
Em 1976, os dez países do mundo que são cortados pela linha do Equador (Brasil, Equador, Gabão, Congo, Indonésia, Quênia, Somália, Uganda, Zaire e Colômbia) se reuniram em Bogotá e emitiram uma declaração na qual reafirmaram sua soberania sobre os segmentos da órbita sobre seus territórios. Pouco conseguiram além de concessões pífias, tipo "tome esse pirulito, menino, e pare de reclamar".
Desde então, o Brasil tem desenvolvido seu próprio programa de satélites e já temos diversos geoestacionários, principalmente no programa Brasilsat / Star One. A órbita é tão disputada que, dos 700 satélites atualmente em operação, uns 500 estão nela. O congestionamento da órbita já é uma preocupação global.
b) Um profeta... profeta.
Em 1946, Murray Leinster (pseudônimo de William Fitzgerald Jenkins) publicou seu conto "Uma lógica chamada Joe". Vejamos alguns trechos, extraídos do "site" blogs.technet.com/gebara:
Trecho: "Mas além disso, se quiser saber a previsão do tempo ou quem ganhou hoje a corrida em Hialeah ou qual foi a mulher que dividiu com o presidente Garfield a administração da Casa Branca durante aquele período de governo ou o que é que a firma de fulano ou beltrano está liquidando hoje, isso também aparece no vídeo."
Trecho: "A matriz do receptor é um enorme prédio que contém todos os fatos desde a criação do mundo e qualquer programa de televisão que já foi gravado até hoje — e está ligado a tudo quanto é receptor do país inteiro — e qualquer coisa que você queira saber, ver ou ouvir, é só apertar a tecla e lá está."
Trecho: "Também faz operações de matemática para você, funciona como guarda-livros, farmacêutico, físico, astrônomo, vidente e, de quebra, como Consultório Sentimental".
Trecho: "Será que você não sabe, xará, que há anos ela vem fazendo o serviço de contabilidade de tudo quanto é firma? Se encarrega da distribuição de noventa e quatro por cento dos programas de televisão, das informações sobre o tempo, horários de vôos, liquidações especiais, oportunidades de empregos e notícias; trata dos contatos pessoais por telefone e grava todas as conversas e fechamentos de negócios — ouça, xará! As lógicas modificaram o nosso sistema de vida. São a própria civilização!"
Trecho: "Tirando esse troço de circulação, vamos voltar a uma espécie de mundo que nem se sabe mais como funciona!"
Trecho: "Lá por mil novecentos e tanto, o cara tinha que usar máquina de escrever, rádio, telefone, telex, jornal, biblioteca pública, enciclopédias, arquivos comerciais, catálogos, sem falar nos serviços de recados, advogados de consulta, farmacêuticos, médicos, dietistas, funcionários, secretárias — só para anotar o que queria lembrar e para ficar sabendo o que outras pessoas tinham dito a respeito do assunto que lhe interessava; para transmitir o que houvesse dito a alguém e, depois, comunicar-lhe a resposta recebida. A gente, em compensação, só precisa das lógicas. Tudo o que se quiser saber, ver, ouvir ou conversar com alguém, basta apertar o teclado. Agora, é só desativar o sistema e tudo vai para o beleléu."
Qualquer semelhança com a Internet é mera coincidência. Ou será que não é?
Aliás, Joe era um computador, desculpem, uma lógica doméstica defeituosa: veio da fábrica com uma falha nos filtros de segurança, que lhe permitia contornar as barreiras impostas pela rede: senhas e protocolos de segurança não eram obstáculos. Leinster também antecipou os hackers, pelo jeito...
Leinster morreu em 1975, quando a sua profecia se tornava, a cada dia, menos profecia e mais realidade.
Referência:
LEINSTER, Murray. Uma lógica chamada Joe. In ASIMOV, Isaac; WARRICK, Patricia S.; GREENBERG, Martin (orgs.) Máquinas que pensam. Tradução de Milton Persson. Porto Alegre: L&PM, 1985.
blogs.technet.com/gebara
Operação tapa-buraco.
Antes de fechar a matéria, peço licença para incluir alguns fatos pertinentes, que me escapuliram entre as sinapses da memória:
- As perdas trágicas de vidas nos acidentes ligados à exploração do espaço (400 ou mais fatalidades).
- As conquistas na exploração submarina, lideradas por Jacques Cousteau.
- Os acidentes envolvendo submarinos e ogivas nucleares.
- O acidente com a cápsula de césio, em Goiânia.
Aos amigos que me deram sugestões ou teceram comentários sobre esta extensa matéria, meu muito obrigado. Valeu!
Arthur C. Clarke velho conhecido, autor de "2001 uma odisséia no espaço" I e II, nunca o vi como "profeta" que foi. Já, Murray Leinster, confesso com rubor na face, me era totalmente desconhecido até ler o texto. Ambos profetizaram com grande acertiva o que vemos hoje. Assim como o filósofo canadense Marshall McLuhan previu o que ele chamou na época "Aldeia Global", esses dois profetas citados estão entre aqueles luminares que surgem de tempos em tempos sem muita explicação mas com "clarividência" acima da média. Obrigado pelo texto, que reputo como um dos importantes que li nos últimos tempos.
ResponderExcluirQuando, no artigo anterior, você falou em dois profetas, eu tinha a certeza de que um deles seria Arthur Charles Clarke! Eu sempre achei esta previsão dele sobre o emprego dos satélites uma das melhores já feitas.
ResponderExcluirQuanto ao outro cidadão, apesar de desconhece-lo totalmente até ler o seu texto, tenho que admitir que teve uma visão extraordinária sobre a forma como a internet mudaria nossas vidas!
Também tem outro autor, nada profético, menos ousado e mais recente, apesar de bem abrangente, de quem eu tive o prazer de ler, há uns bons anos atrás o livro "A Terceira Onda": trata-se de Alvin Toffler, que, em 1980, nos antecipou alguns impactos que a novas tecnologias emergentes trariam às nossas vidas. De forma alguma pode ser comparado aos dois monstros que você citou. Até porque já começavam a rolar as tais novidades. Mas também escreveu coisas interessantes.