sexta-feira, 27 de maio de 2011

Sem Verbos


     De onde?

     De um desafio antigo

     De um soneto empacado

     De um bate-papo amigo,

     De um coração namorado.

SONETO SEM VERBOS

Um soneto sem verbos - desafio
De um amigo mais da onça do que meu;
Uma quadra, talvez, só por desfastio...
Talvez não ... e um tchau do amigo teu;

Mas rendição nunca! que vergonha!
Nunca a derrota! A fuga, não!
Covarde! Temeroso! Vil pamonha!
A um poeta, tais epítetos ao chão!

Calíope! Euterpe! Clio! Erato!
Ágil Terpsícore! Musas belas!
Doadoras de luz, de aquarelas!

Socorro! Sus ao poeta, ao insensato,
Ao campeão vosso, ao vosso amor,
De um soneto sem verbos fazedor!

quinta-feira, 26 de maio de 2011

Às Armas!

     Aux armes, citoyens! Formez vos bataillons! Marchons! 
     (Estribilho da Marseillaise - a Marselhesa).
     Se você for ao Google e digitar na caixa de pesquisa "Amanda Gurgel", vai obter mais de um milhão de resultados. E esse "ibope" foi alcançado em menos de um mês.
     E o que foi que ela fez? Posou nua? Anunciou o noivado com algum príncipe britânico? Foi fotografada por paparazzi aos amassos com um magnata grego? Foi sacrificada no paredão do BBB?
     Não... ela apenas falou o que todos nós já estamos carecas de saber...
     Não foi o "que", nem o "como", nem o "quando"... foi, sim, o "onde" e principalmente o "a quem". As mesmas palavras que rolam milhares de vezes nas mesas de botequim e nas reuniões sociais, nos salões de beleza e nas conversas em família, foram colocadas perante quem tem o poder de decidir. E os poderosos ouviram o que já sabiam, mas não gostavam de se lembrar. E ficaram em silêncio...
     Não duvido que a moça seja tratada pela mídia como um cometa esplendoroso, mas efêmero. Assim que sua capacidade de gerar bons índices de audiência começar a declinar, o foco das câmeras buscará alvos mais promissores. Talvez até lá ela seja ainda assediada por partidos políticos, agências de propaganda, programas de auditório ou revistas masculinas. Ela saberá achar o melhor caminho para prosseguir sua luta; e eu quero combater a seu lado por mais um tempo.
     No dia 23 de Maio, a Lu Cavichioli, no seu "Retratos em Degradê", propôs o seguinte "Meme": Dez Razões para se Ter um Blog. Bem, uma das mais nobres, apaixonantes e gratificantes razões - anota aí, Lu - é poder botar publicamente a boca no trombone em solidariedade a pessoas como a Professora Amanda Gurgel. Se você ainda não viu o vídeo (no You Tube ou na TV), andava na certa distraído; se viu, provavelmente vai querer vê-lo de novo.



     A respeito desse momentoso assunto, comentei, nos "Botões de Madrepérola", da professora Graça Lacerda:
- Tem um montão de gente, que eu sei, divulgando este episódio, que eu classifico como histórico. E já que a "vida" na mídia é efêmera, compete a nós, blogueiros lutadores do segundo exército, manter o foco desse ataque certeiro ao QG do inimigo. Às armas! Cerremos fileiras em torno da bandeira levantada pela guerreira Amanda! Ainda podemos vencer essa guerra!
- Parabéns, Graça. Estou armando as baionetas e em breve terei o prazer de encontrá-la na linha de frente - eu e muitos outros.
     Também roubei trechos da Milene:
     "A professora calou os nobres parlamentares num discurso de fazer inveja aos oradores mais articulados. Tomou pra si a palavra numa tranquilidade e firmeza admiráveis, com argumentos irrefutáveis acerca dos motivos que levaram sua categoria a fazer greve."
     "...poderia perfeitamente ser uma professora do meu estado discursando aos moços que se deram 100% de aumento e questionando-os sobre a possibilidade de viverem com um salário de professor por um único mês."
     Citando a entrevista na Globo: “Eles se preocupam mais em transformar a escola num depósito de criança do que fazer uma escola de qualidade” (palavras da entrevistada).
     "Infelizmente esse assunto será discutido exaustivamente e o quadro de pouco caso não mudará. Há sempre uma verba para se tirar proveito, um acordo obscuro a fim de favorecer a quem não merece, aprovações de leis em benefício da categoria (deles, obviamente) e a população à margem."
     "Multipliquemos a destemida professora Amanda Gurgel."

     Pretendo deixar aqui, no Sete Ramos, um link permanente para assuntos desse tipo - episódios de lutas dos mais fracos contra os mais fortes. Vamos ver.

segunda-feira, 23 de maio de 2011

De Mim Para Si



NOW SLEEPS THE CRIMSON PETAL

Now sleeps the crimson petal, now the white;
Nor waves the cypress in the palace walk;
Nor winks the gold fin in the porphyry font:
The firefly wakens: waken thou with me.

Now droops the milkwhite peacock like a ghost,
And like a ghost she glimmers on to me.

Now lies the Earth all Danae to the stars,
And all thy heart lies open unto me.

Now slides the silent meteor on, and leaves
A shining furrow, as thy thoughts in me.

Now folds the lily all her sweetness up,
And slips into the bosom of the lake:
So fold thyself, my dearest, thou, and slip
Into my bosom and be lost in me.

(Alfred Tennyson, 1809-1892)

* * * * * * * * * *

Ora dorme a pétala rubra, ora a branca;
Não mais ondula o cipreste no caminho do palácio;
Nem brinca o peixe dourado na fonte de pórfiro:
O vagalume acorda. Comigo acordas Tu.

Ora inclina-se o pavão branco, como um fantasma,
E como um fantasma para mim reluz.

Ora jaz a Terra, toda Danaë para as estrelas,
E todo o teu coração jaz aberto para mim.

Ora desliza silente o meteoro, e deixa
Um rastro brilhante, como os teus pensamentos em mim.

Ora embrulha o nenúfar toda sua ternura,
E mergulha no seio do lago profundo:
Assim guarda-te Tu, amada minha, e submerge
Em minha profundeza, e perde-te em mim.

(Tradução: R. Barcellos)

* * * * * * * * * *

SEE

See, I love you.
And in my darkness, 
Your love glimmers on to me
Like a ghost.
I love you... See.

* * * * * * * * * *


Sí, te quiero.
Y en el oscuro de mi vida
Tu amor reluce para mi
Como un espectro.
Quiérote... Sí.

* * * * * * * * * *

SI

Si, te amo.
E na escuridão em que vivo
Teu amor reluz para mim
Como um fantasma.
Te amo... Si.

Rodolfo Barcellos.

sábado, 21 de maio de 2011

Celebração e Epitáfio


"Pode ser que para outro mundo eu possa levar o que sonhei" - (Álvaro de Campos, "Noite Terrível")
Citado por Regina Rozembaum em comentário a "Ode à Noite"


- Canto I -


Aqui não jazem meus sonhos,
Só meus ossos aqui estão;
E se teus olhos tristonhos
Fecharem-se em oração,
Que seja pela memória
De tantos sonhos que tive;
Que seja pela vitória
Daquele que em ti revive.


Não jazem aqui meus sonhos,
Só meus ossos, feitos pó.
Sejam teus votos tamanhos
Pelos meus sonhos, tão só.
Sejam por velhos amores
Que me deram tanta vida,
Pelo perfume das flores,
Pela alegria esquecida.


- Canto II -


Meus sonhos aqui não dormem,
Meus ossos dormem aqui;
Uns e outros já não sofrem
As agruras que vivi.
Meus sonhos sobreviveram,
Alguns se cristalizaram;
Uns poucos se enfraqueceram,
Mas tantos outros vingaram.


Aqui sonhos não se deitam;
Alguns ossos jazem, sim.
Os sonhos nunca rejeitam
A luz da vida, enfim.
Vários já se transformaram
Em realidade patente.
Outros se multiplicaram,
Unindo já tanta gente...


- Canto III -


Meus sonhos estão nos filhos,
Meus ossos estão na terra;
Meus sonhos são andarilhos 
Que cripta alguma encerra.
Muitos foram para os ninhos,
Junto aos sonhos e afetos
De meus primos, meus sobrinhos,
Amigos, irmãos e netos...


Aqui meus ossos descansam,
Mas sonhos não há aqui;
Meus sonhos agora dançam
Em mil versos por aí,
A tantas musas amadas,
E àquela que me amou;
A tantas bocas beijadas,
E à alma que me falou.


- Canto IV -


Aos ossos, um epitáfio,
Aos sonhos, celebração.
O sofrimento, abafe-o;
Versos, cante-os com paixão.
Sim! Meus sonhos estão vivos,
Nas vidas de quem me amou,
Dos que me foram cativos
E de quem me cativou.


Sob esta lápide há ossos,
Não busques sonhos aqui.
Meus sonhos, que já são nossos,
Acham-se dentro de ti;
Espalha-os pelo mundo,
Semeia-os nos caminhos,
Dá-lhes teu amor profundo,
Cuida deles com carinhos.


- Canto V -


Os sonhos só são vividos,
Há muito eu percebi,
Quando eles são compartidos,
E a todos comparti.
Não levo nenhum comigo;
Não cabem neste jazigo.
E portanto, meu amigo,
Não percas teu tempo aqui.


Busca partilhar teus sonhos,
Generoso tenta seres,
Perdulário, se quiseres;
Lega a homens e mulheres
Os teus anseios risonhos,
Antes que a vez toque a ti;
Pois aqui não dormem sonhos.
Só ossos jazem aqui.

quinta-feira, 19 de maio de 2011

Arthur x Escola

     No dia 4 de outubro de 2010, o Sete Ramos se juntava a uma campanha em favor de crianças com necessidades alimentares especiais. Muitos amigos apoiaram, e o menino Arthur obteve uma vitória parcial contra a poderosa Danone, abrindo caminho para outras crianças na mesma situação.
     Mas, vencido um obstáculo, sempre aparece outro. Desta vez, uma simples postagem onde a Consuelo - a mãe do mesmo Arthur - expõe sua insatisfação em relação à maneira com que a Escola Modelar Cambaúba trata seu filho, tornou-se alvo de ataques por parte de pessoas ligadas à administração daquele estabelecimento de ensino.
     Como resultado, o que deveria ser uma simples página num "blog" cujas matérias raramente obtêm mais que cinco ou seis comentários transformou-se num "forum" com mais de 80 "comments", muitos deles ocultando, sob uma máscara de falsa cortesia e urbanidade, uma pesada carga de virulência hipócrita e sarcástica. Com tristeza, deixei lá o seguinte comentário (o 83°):


R. R. Barcellos said...
- LAMENTO TER CHEGADO TARDE. O "POST" VIROU FORUM DA PIOR ESPÉCIE, ONDE QUASE (QUASE) TODOS SE ESMERAM EM DEMONSTRAR UMA CIVILIDADE FALSA, UM ALTRUÍSMO HIPÓCRITA, UMA SABEDORIA SALOMÔNICA. ENGALFINHAM-SE EM RETÓRICAS OSTENTOSAS, USANDO O DRAMA DE UMA CRIANÇA E DA SUA MÃE COMO PEDESTAL PARA EXIBIREM SUA IRONIA SOCRÁTICA, SUA ORATÓRIA DEMOSTÊNICA, SEU ACADEMICISMO SEM ALMA - SEM PERCEBER COMO ISSO DEPÕE CONTRA SUA POSTURA MORAL.
- Rezarei hoje pelo menino Arthur. Rezarei por sua mãe. E, se tiver estômago, pelos alegres gladiadores desta arena - para que Deus os ilumine.
- Meu nome é Rodolfo. E para informação de todos, sou suspeito para falar. O Arthur é primo da minha neta. Deus o ajude.


     Aos que quiserem entrar na briga, o link é
http://ser-especial.blogspot.com/2011/05/inclusao.html
(o link na lateral - sob "Preciso de Você" - é outro. Refere-se à luta anterior contra a Danone).


     Abraços a todos.

terça-feira, 17 de maio de 2011

Lerê

Logo depois da faxina
Sem ter como nem porquê
Eu me lembrei da Regina
Falando sobre o lerê.

Falava sobre a poeira,
Sobre o amor e a diversão,
Em mensagem verdadeira 
Nascida do coração.

No tampo da agapê
Lavrei com meu fura-bolos
Uma infantil bobagem;

E hoje mando para a Rê
Com meus pensamentos tolos
Esta singela mensagem.



*   *   *   *   *
Abraços, beijos, carinhos;
Seja leve o teu lerê.
Escreva pelos cantinhos
O quanto eu amo você;

E eu me despacho agora
Pois senão me desconcentro.
Se for mentira - tofora,
Se for verdade - todentro.

Mas antes de ir-me embora,
Como sou bem-educado,
Agradeço em boa hora
A quem tem me comentado;

A todos os camaradas,
Com sua fala bonita,
E às novas namoradas,
Sandra, Denise, Catita,


Zélia, Bibiana, Sueli,
Carla, Dayse, Marilu,
Otília, Amapola, Evanir,
Tantas outras... também tu!

Para visitar o lerê da Regina, clique no "link" abaixo:
http://toforatodentro.blogspot.com/2011/04/divorciei.html

sábado, 14 de maio de 2011

Ode à Noite



A noite possui belezas
Que a luz do dia esconde;
E guarda minhas tristezas
Numa estrela, não sei onde.

A noite contém silêncios
Que só se ouvem no escuro;
Os sons não escutes: pense-os,
Pois eles vêm do futuro.

A noite mostra pecados
Que se ocultam de dia
E traz-me os teus recados
Na luz de uma lua fria.

A noite canta cantigas;
Algumas são acalantos
Outras são trovas antigas,
São risos, olhares e prantos.

A noite escreve palavras
Com escrita tão serena
Como aquelas que tu lavras
No papel, com tua pena.

A noite escuta juras
Em segredo proferidas
Pelas vielas escuras
Por tantas almas perdidas.

A noite esconde mistérios
Que só encontram guarida
Nos seus espaços etéreos
Entre as neblinas da vida.

A noite compõe canções
Onde as estrelas são rimas,
Versos são constelações,
Galáxias são obras-primas.

A noite liberta os sonhos
Que de dia estão cativos;
E eles voam, risonhos,
Como pensamentos vivos.

A noite alimenta a alma
Sacia a sede de amor;
A ansiedade acalma,
Cala qualquer dissabor.

A noite conduz o amante
Aos braços da bem-amada;
E é companheira constante
Da alma enamorada.

O sol nunca viu a noite;
Pois quando ele o céu invade
Vem o dia, e o dia é açoite
Do olvido e da saudade.


Vem, noite! Traz-me o momento
Do sonho-realidade,
Da verdade-fingimento,
Da escravidão-liberdade!


Traz-me algum abraço amigo,
Um carinho verdadeiro;
Traz-me aquele amor antigo
Ou um novo amor fagueiro;


Dá-me abrigo e tugúrio
Contra as ciladas do dia;
Diz-me num doce murmúrio,
Como ela me diria,


Que tu és a confidente
Dos segredos mais sagrados;
És cúmplice e conivente
Dos amantes namorados.


E em tua hora derradeira,
Ao romper da alvorada,
Eu te amarei por inteira
Nos braços de minha amada.


     Imagem com direitos reservados - uso conforme
     http://www.josephinewall.co.uk/licensing.html

quarta-feira, 11 de maio de 2011

Sexta 13

A fama do "Beagle" rendeu-lhe
esta moeda comemorativa
de uma coroa
     Em fevereiro, ganhei dos meus filhos e netos o presente de aniversário que mais aprecio: livros. E embora eu seja um devorador de textos, um deles está me dando trabalho, pela sua densidade e riqueza de detalhes. É "A Causa Sagrada de Darwin", de Adrian Desmond e James Moore, da Record, em tradução da Dinah Azevedo. Em suas 668 páginas, descreve como a luta entre escravagistas e abolicionistas influenciou "A Origem das Espécies", e deveria ser um banquete para cinco ou seis semanas, mas nem na metade eu cheguei ainda...
     E tive bons motivos para essa demora. Vejam um trecho:
     Feitores coabitando com escravas e vendendo seus filhos de pele clara, senhores brancos estuprando escravas (e amantes brancas enforcando as mulheres por "permitirem isso"); as elegantes filhas ilegítimas do dono de escravos sendo vendidas para a prostituição até a morte; essas eram as histórias que os viajantes britânicos guardavam na manga para provar que "a licenciosidade e a tirania se uniram".
     Duas páginas depois:
     "Olhe primeiro para a mulher caucasiana com sua pele cor-de-rosa  e lírios, seus cabelos sedosos, suas formas venusianas e seus traços bem cinzelados - e depois para a prostituta africana, com sua pele negra e de cheiro forte, seu cabelo pixaim e seus traços animalescos -, então compare suas qualidades intelectuais e morais e toda a sua estrutura anatômica... e diga se elas não diferem tanto uma da outra quanto o cisne e o ganso, o cavalo e o asno... (artigo "O mulato - um híbrido", do Dr. Josiah Nott, 1843)."
     Nos anúncios classificados dos jornais da época, senhores de escravos fugidos ofereciam recompensas, descrevendo os "malfeitores" (pág. 331):
     "Fugiram uma mulher negra e duas crianças. Alguns dias antes da fuga, eu a queimei com um ferro quente, no lado esquerdo do rosto. Tentei fazer a letra M."
     "Fugiu meu homem Fonte. Tem furos nas orelhas, uma cicatriz no lado esquerdo da testa, levou tiros nas partes de trás das pernas e as costas estão marcadas pelo chicote."
     Escravatura, racismo e preconceito são temas recorrentes na história da humanidade. São conceitos distintos, mas que se interpenetram de maneira perversa, fertilizando-se e potencializando o mal inerente a cada um. Nas Américas, em geral, e particularmente no Brasil, o escravagismo foi particularmente virulento e só foi "oficialmente" extinto sob a pressão crescente do Reino Unido (encabeçado pela Inglaterra), que - após emancipar seus escravos (1834) - sofria perdas comerciais com a "concorrência desleal" da mão-de-obra barata dos países escravagistas. Darwin esteve no Brasil na década de 1830, a bordo do famoso "HMS Beagle", e aqui teve o primeiro contato direto com os aspectos mais sombrios do tráfico negreiro, o que reforçou sua repulsa às teorias de origens independentes das "raças" - de homens ou animais.
     Os defensores do escravagismo argumentavam, entre outras coisas, que "a raça negra é uma raça inferior e destinada por Deus a servir à raça branca"!
     Bem, o significado de raça pode ser aplicado à espécie humana? Sim... se nos ativermos apenas à definição do fenótipo (conjunto de características biológicas padronizadas) de cada uma; estaremos, portanto, falando de padrões idealizados, e não de pessoas reais. Estas se aproximarão, umas mais e outras menos, de cada fenótipo-padrão racial; mas sempre terão, na mistura de seus genes, nos descaminhos de seu DNA, nas características herdadas de seus ancestrais e nas peculiaridades que lhes são impostas pelo "mutatis mutandi" da natureza, um retrato pessoal, único e só parcialmente transferível (a seus descendentes).
     E está comprovado que modelos raciais que buscam comparar capacidade intelectual, beleza física, tendências civilizatórias, resistência à fadiga ou vigor sexual não passam de delírios a que se entregaram pseudo-cientistas de pseudo-ciências, como a frenologia - quase todos defensores da "superioridade" branca.
     Sim, podemos dizer que existe uma "raça negra", uma "raça amarela" e uma "raça branca"... mas, salvo a quantidade de melanina (eumelanina escura ou feomelanina vermelho-amarelada), poucas características distintivas poderão ser incluídas na descrição do fenótipo; e basta essa única para derrubar todo o edifício laboriosamente construído pelos que insistem na separação das raças. A quantidade de melanina varia de ZERO (no albino doentio de qualquer raça) até o negro retinto, ou o oriental amarelo-cenoura, cujas epidermes são incapazes de produzir, em climas temperados, a vitamina D nos níveis indispensáveis à boa formação dos ossos e dentes. Eu me dou bem com meu nível de melanina, obrigado, e acho que aceitaria uma boa margem de variação para mais ou para menos sem maiores problemas. Se você não gosta do seu nível, o problema é seu e do seu dermatologista.
     Voltando ao livro, não o  recomendo como simples leitura para as horas de lazer. A obra é mais para estudiosos do assunto, como meu amigo Jair. E acho que vou conseguir completar a leitura lá pelo Dia do Zumbi...
     Quero terminar essa matéria parabenizando dois blogs que sempre foram ativos na luta contra preconceitos, em geral; há muitos outros, mas esses estão - por acaso - soprando sua primeira velinha por estes dias. Clique nos "links" abaixo se quiser visitar os seus "posts" inaugurais.
     Parabéns, Balaio. Parabéns, Xipan.
     Parabéns, Simone e Tatto... felicidades e longa vida!

segunda-feira, 9 de maio de 2011

Lágrima


Desliza lentamente em tua face
A lágrima que a dor te libertou;
E como a gota de orvalho, que nasce
Entre o dia que vem e o que passou,
Cai pelo espaço, bela e silente,
E vem depositar-se docemente
Na pétala macia de uma flor,
Também a tua lágrima dolente,
Nascida entre uma e outra dor,
Será colhida pela curva quente
Dos lábios em sorriso encantador;
E neles brilhará intensamente,
Conferindo-lhes exótico sabor,
Cálido, terno, agridoce, ardente,
Que saborearei sofregamente
Quando roubar-te um beijo de amor.

sexta-feira, 6 de maio de 2011

Preto no Branco

     Fiquei na dúvida entre homenagear com este post o Dia das Mães ou o 13 de Maio - Abolição da Escravatura. Mesmo com a nova data do Dia do Zumbi, que certamente é mais autêntica (por simbolizar a luta direta do escravo contra o "status quo"), a Lei Áurea ainda é História. Mas resolvi que a matéria vale para as duas comemorações. O amigo leitor fará seu julgamento.
     Final de 1970, início de 1971. Pais de primeira viagem, eu e Maria Helena curtíamos com a nossa princesinha Beatriz as férias na casa de meus pais, em Niterói. Minha irmã Dôra também exibia orgulhosa seu primogênito, o Luís Antônio. E Iracema, ajudante-de-ordens de mamãe, se desdobrava para atender as tarefas domésticas e cuidar de sua pretinha, a Iaciara, de modo que a grande casa parecia mais uma creche, onde fraldas, roupinhas e carinhos eram partilhados sem qualquer receio pelas três mães, que dividiam entre si os cuidados com as crianças.
     Beatriz e Iaciara, gulosas, nunca estavam satisfeitas após serem amamentadas. Já Luís Antônio não dava conta do excesso de leite da Dôra. E assim, num processo natural, as mães dividiam proporcionalmente entre os filhos o leite que tinham.
     Em duas ou três ocasiões, vi minha irmã com duas crianças mamando ao mesmo tempo; numa dessas a pretinha Iaciara contrastando vivamente com a outra criança - acho que a Beatriz, que tinha a pele muito clara.
     Tempos mais tarde, ao comentar essas reminiscências com amigos, alguém me disse que eu deveria ter tirado fotos para documentar o acontecimento. É verdade; mas aquelas atitudes nos pareciam na época tão naturais - pelo menos em nossa família - que ninguém se preocupou com esse detalhe.
     Aliás, acho que ninguém devia se preocupar, mesmo... essa matéria deveria despertar pouco interesse, fatos como esse deveriam ser corriqueiros. E parece que estão se tornando, deveras, mais comuns que antigamente - mas foi difícil achar uma boa imagem na internet (prometo repassar aos detentores dos direitos cada centavo que ganhar com esta matéria)...
     Por isso acho que continua valendo o registro. Haverá talvez ainda quem escolha uma ama-de-leite pela cor da pele.
     Feliz Dia das Mães, para todas elas e para seus filhos.
     Feliz 13 de Maio para todos os que se libertaram e para tantos que ainda hoje aguardam uma nova abolição - qualquer que seja o tom de sua pele ou a cor de sua alma. E aguardem... tenho mais uma trombonada para celebrar a data.

terça-feira, 3 de maio de 2011

Os 35 camelos

     Poucas horas havia que viajávamos sem interrupção, quando nos ocorreu uma aventura digna de registro, na qual meu companheiro Beremiz, com grande talento, pôs em prática as suas habilidades de exímio algebrista.
     Encontramos, perto de um antigo caravançará meio abandonado,  três homens que discutiam acaloradamente ao pé de um lote de camelos.
     Por entre pragas e impropérios gritavam possessos, furiosos:
     - Não pode ser!
     - Isto é um roubo!
     - Não aceito!
     O inteligente Beremiz procurou informar-se do que se tratava.
     - Somos irmãos - esclareceu o mais velho - e recebemos, como herança, esses 35 camelos. Segundo a vontade expressa de meu pai, devo receber a metade, o meu irmão Hamed Namir uma terça parte e ao Harim, o mais moço, deve tocar apenas a nona parte. Não sabemos, porém, como dividir dessa forma 35 camelos, e a cada partilha proposta, segue-se a recusa dos outros dois, pois a metade de 35 é 17 e meio. Como fazer a partilha se a terça parte e a nona parte de 35 também não são exatas?
     - É muito simples - atalhou "o homem que calculava". - Encarrego-me de fazer, com justiça, essa divisão, se permitirem que eu junte, aos 35 camelos da herança, este belo animal que, em boa hora, aqui nos trouxe!
     Nesse ponto, procurei intervir na questão:
     - Não posso consentir semelhante loucura! Como poderíamos concluir a viagem, se ficássemos sem o camelo?
     - Não te preocupes com o resultado, ó bagdali! - replicou-me em voz baixa Beremiz. - Sei muito bem o que estou fazendo. Cede-me o teu camelo e verás no fim a que conclusão quero chegar.
     Tal foi o tom de segurança com que ele falou que não tive dúvida em entregar-lhe o meu belo jamal, que, imediatamente, foi reunido aos 35 ali presentes, para serem repartidos pelos três herdeiros.
     - Vou, meus amigos - disse ele, dirigindo-se aos três irmãos - fazer a divisão justa e exata dos camelos que são agora, como vêem, em número de 36.
     E, voltando-se para o mais velho dos irmãos, assim falou:
     - Deverias receber, meu amigo, a metade de 35, isto é, 17 e meio. Receberás a metade de 36 e, portanto, 18. Nada tens a reclamar,  pois é claro que saíste lucrando com esta divisão!
     E, dirigindo-se ao segundo herdeiro, continuou:
     - E tu, Hamed Namir, deverias receber um terço de 35, isto é, 11 e pouco. Vais receber um terço de 36, isto é, 12. Não poderás protestar, pois tu também saíste com visível lucro na transação.
     E disse, por fim, ao mais moço:
     - E tu, jovem Harim Namir, segundo a vontade de teu pai, deverias receber uma nona parte de 35, isto é, 3 e tanto. Vais receber a nona parte de 36, isto é, 4. O teu lucro foi igualmente notável. Só tens a agradecer-me pelo resultado!
     E concluiu:
     - Pela vantajosa divisão feita entre os irmãos Namir - partilha em que todos três saíram lucrando - couberam 18 camelos ao primeiro, 12 ao segundo e 4 ao terceiro, o que dá um resultado (18+12+4) de 34 camelos. Dos 36 camelos sobram, portanto, dois. Um pertence, como sabem, ao bagdali, meu amigo e companheiro, outro toca por direito a mim, por ter resolvido, a contento de todos, o complicado problema da herança!
     - Sois inteligente, ó Estrangeiro! - exclamou o mais velho dos três irmãos. - Aceitamos a vossa partilha na certeza de que foi feita com justiça e equidade!
     E o astucioso Beremiz - o Homem que Calculava - tomou logo posse de um dos mais belos "jamales" do grupo e disse-me entregando-me pela rédea o animal que me pertencia:
     - Poderás agora, meu amigo, continuar a viagem no teu camelo manso e seguro! Tenho outro, especialmente para mim!
     E continuamos nossa jornada para Bagdá.
     ----------
     Extraí esse conto do livro O Homem que Calculava, de Malba Tahan (Editora Conquista - 1955, tradução de Breno Alencar Bianco). Na página de rosto lê-se:
     Dedicatória
     À memória dos sete grandes geômetras cristãos ou agnósticos:
     Descartes
     Pascal
     Newton
     Leibnitz
     Euler
     Lagrange
     Comte
     (Allah se compadeça desses infiéis)
     e à memória do inesquecível matemático, astrônomo e filósofo muçulmano
     Buchafar Mohamed Abenmusa Al Karismi
     (Allah o tenha em sua glória!)
     e também a todos os que estudam, ensinam ou admiram a prodigiosa ciência das grandezas, das formas, dos números, das medidas, das funções, dos movimentos e das forças
     eu, "el-hadf" cherif
     Ali Iezid Izz-Edin Ibn Salim Hank Malba Tahan
     (Crente de Allah e de seu santo profeta Mafoma)
     dedico esta desvaliosa página de lenda e fantasia.
     De Bagdá, 19 da Lua de Ramadã de 1321.
     Os 35 episódios são contados em primeira pessoa por um bagdali de nome Hank-Tade-Maiá. Os dois primeiros capítulos relatam o encontro dos dois e a história da vida de Beremiz Samir. O terceiro - o caso dos 35 camelos - se tornou um dos mais famosos contos de Malba Tahan.
     E o que me levou a escrever esta matéria?
     Bem, em 6 de maio comemora-se o Dia do Matemático Brasileiro. A não ser os matemáticos, poucos sabem disso. Dia das Mães, Dia do Trabalho, Abolição da Escravatura (por acaso sexta 13, este ano), não deixam margem a uma única homenagem a esse vilão detestado - o professor de Matemática - que inventa armadilhas malignas nas questões das provas e parece ter um prazer sádico em ver seus alunos desesperados.
     Quanto a isso, transcrevo abaixo um pequeno trecho extraído do conto que batizou este "blog" (ver em "Minhas Obras"):
     "O Homem que Calculava é a história de Beremiz Samir, um matemático persa, que viaja de sua aldeia natal até Bagdá. No decorrer da jornada, usa seus conhecimentos para resolver diversos problemas do dia-a-dia, e acaba conquistando um cargo de confiança de um vizir e o amor da filha de um poeta da corte do Califa Al-Motacém. O autor é Ali Iezid Izz-Edin Ibn Salim Hank Malba Tahan, ou simplesmente Malba Tahan, natural de Muzalit, na atual Arábia Saudita.
     Na verdade, esse autor árabe nunca existiu, exceto como pseudônimo - ou melhor, heterônimo -  do professor Júlio César de Mello e Souza, genial matemático brasileiro, que detestava os métodos de ensino vigentes na época. Ele deu vida a Malba Tahan para poder publicar incógnito diversos contos onde os problemas matemáticos, lógicos, filosóficos e até religiosos eram apresentados sob um aspecto lúdico, atrativo e compreensível. (...) Deu verossimilhança ao pseudo-autor árabe através de seu profundo conhecimento da cultura árabe – berço da matemática moderna – e da criação de um segundo personagem fictício: Breno de Alencar Bianco, o suposto tradutor das obras de Malba Tahan.
     "(...) Nasceu no Rio de Janeiro, em 6 de maio de 1895. Lecionou Matemática no Colégio Pedro II, onde alcançou fama por seus métodos pouco ortodoxos. Costumava dizer que os professores de matemática eram sádicos, que se compraziam em inventar dificuldades para os alunos. Seus discípulos o adoravam e seus colegas o olhavam com reservas. Morreu em Recife, no dia 18 de junho de 1974, sem nunca ter posto os pés na Arábia. O dia de seu nascimento é celebrado no Rio e em grande parte do Brasil como o Dia do Matemático."
     Tenho visto nas páginas da Internet explicações fantasiosas sobre os cálculos de Beremiz Samir e as soluções por ele apresentadas. Mas Numerologia, Cabala e Misticismo não combinam com Matemática. A "mágica" de Beremiz, neste caso, foi o resultado de um cálculo simples: 1/2 + 1/3 + 1/9 = 9/18 + 6/18 + 2/18, ou 17/18, que é o mesmo que 34/36.
    Portanto, a soma das frações sendo inferior a um (36/36), haveria sobra de 2/36... os dois camelos que sobraram.
     Perdoem-me os amantes dos mistérios e do misticismo; eu também gosto dessas manifestações do espírito, mas há mais 34 episódios parecidos para vocês curtirem na obra original. E garanto que não estou recebendo comissão.