quarta-feira, 12 de dezembro de 2012

Navegar (repostagem)

Lutar contra a corrente é mau aviso.
Entregar-se à mercê dela também é.
Naveguemos. Navegar sempre é preciso.
Naveguemos com coragem e com fé.

Mar Noturno - Óleo por Denise
     Há certas frases e expressões que, mesmo sendo concisas, carregam riquezas inesgotáveis. A origem da maioria delas se perde nas brumas da história de cada língua viva, mas de algumas é possível encontrar o registro de nascimento.
     Em 1325, Afonso IV assumiu o trono em Portugal e iniciou um intenso intercâmbio comercial com Florença. Como subproduto, a cultura toscana passou a ter grande - e duradoura - influência em Portugal. PETRARCA chegou a ser "clonado", duzentos anos depois, pelo próprio Camões - senão, vejamos:
     Petrarca:
Questa anima gentil che si diparte,
Anzi tempo chiamata a l'altra vita...
     (Esta alma gentil que agora parte,
     Chamada antes do tempo à outra vida...)

     Camões:
Alma minha gentil, que te partiste
Tão cedo desta vida, descontente...

     Pois foi também Petrarca que cunhou a bela frase (muitas vezes atribuída a Fernando Pessoa): "NAVEGAR É PRECISO; VIVER NÃO É PRECISO". Vejamos algumas acepções que ilustram a riqueza dessa frase:
     Acepção original, de Petrarca: "A navegação é uma ciência exata (precisa); a vida, não."
     Acepção de Fernando Pessoa, celebrando as grandes navegações portuguesas: "É necessário navegar; não é necessário viver."
     Há inúmeros outros contextos que utilizam essa frase, completa ou pela metade. E eu peço ao leitor licença para apresentar minha própria interpretação: "Navegar é preciso; viver é navegar."
     O texto que se segue é uma transcrição revisada da matéria publicada no "Sete Ramos de Oliveira", em 18 de janeiro de 2010.  O significado de "preciso" deixo a critério do leitor.
*   *   *   *   *
     Navegar é preciso. Remar contra a corrente nada resolve, e abandonar-se a ela pode ser pior. É preciso navegar.
     Navegar é conhecer as correntes e redemoinhos, as pedras e arrecifes, o vento e as marés, a enseada segura e a praia traiçoeira. É escolher um destino alcançável e planejar a rota em cada trecho. É estar preparado para o tufão imprevisto e saber contornar obstáculos intransponíveis. É saber usar o mapa e a bússola, o sextante, a barquilha e o cronômetro. É bordejar no vento contrário e abrir as velas à brisa favorável. Navegar, em suma, é saber chegar a salvo ao porto escolhido, mesmo sem o auxílio do GPS.
     Navegar pela vida não é diferente. Aprendemos desde a mais tenra infância a distinguir o alcançável do inalcançável, e como chegar aos objetivos mais tentadores. Conforme crescemos, nossos pais nos mostram os redemoinhos e escolhos da vida e nossos mestres nos fornecem os instrumentos de navegação - que mais não são que a educação formal que recebemos. E nós vamos nos aperfeiçoando na arte de navegar pela vida, começando pelas pequenas rotas lacustres e fluviais, e as linhas costeiras, onde os menos ambiciosos se acomodam, enquanto os aventureiros prosseguem até chegar à navegação de cabotagem e finalmente às travessias de longo curso.
     Mas nem todos têm a fortuna de nascer com o talento de um Torben Grael, e podemos vislumbrar muitas vezes um navegante solitário lutando contra a corrente ou dando voltas em um redemoinho. E nem sempre podemos socorrê-lo.
     Pois não podemos descansar em cada porto mais que o necessário para recuperar as forças, costurar as velas e reabastecer o navio. Sempre haverá uma próxima derrota* a ser planejada e vencida.
     Enquanto pudermos navegar.

     (*) Derrota: termo náutico. Curso, rota.


*   *   *   *   *

Niterói, dezembro de 2012
Rodolfo Barcellos

10 comentários:

  1. Boa noite meu maracujá de gaveta !!!!!
    Dezembro é o mês de confraternização Agradecimento pela vida Bênçãos ao filho de DEUS União, amor, reflexão! Que o bom velhinho traga um saco cheiinho de paz, harmonia, fraternidade Que o gesto de ternura se estenda de várias mãos Que ao som dos sinos O amor exploda em toda direção! FELIZ NATAL!

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  2. Ah, mas não é possível parar nem um bocadinho de tempo pra descansar à beira mar, enquanto se imagina o quanto deve ser preciso navegar até tocar o horizonte?

    Beijos, meu querido comandante.
    Naveguemos!

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  3. Não conhecia o termo náutico derrota. Estou pensando seriamente nessa nova (para mim) significação. Sempre aprendendo com vc.
    Beijuuss

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  4. As informações sobre PETRARCA, contidas em sua postagem, eram desconhecidas para mim. Não imaginava que Camões pudesse ter-se baseado em colocações de outro, ao escrever esses versos. Vejo que a "clonagem" mencionada já era usual muitos séculos antes do nosso.
    Gostei do "Navegar é preciso; viver é navegar". Estamos todos nessa viagem e sabemos que acautelarmo-nos faz parte da sobrevivência, independente de ser ela imprecisa.
    Bela a tela da Denise!
    Grande beijo!

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  5. Olá Barcellos,

    O bolero de Ravel tirou minha concentração na leitura do texto, pois amo este bolero.
    Esperei que ele acabasse de tocar para reler e fiquei surpreendida com as informações sobre Petrarca e Camões. Saio daqui mais rica em conhecimento.
    Sua tese pareceu-me bem lógica e coerente, embora muitos não sejam tão bem preparados
    para navegarem pela vida com precisão.

    E olha você chegando aqui (vou já conferir). Vi o aviso neste momento.

    Linda a tela.

    Beijo.

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  6. Saio daqui aprendendo mais um pouco. Valeu! Muito legal sempre! abraços,chica

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  7. Ola amigo,enriqueci minha cultura sobre Petrarca e Camões aqui e agora.Navegar é preciso;Viver é navegar,é a mais sábia das interpretações.Beijus.. SU.

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  8. Me disseram outra vez sobre o amor, que é assim, navegar.
    Os dois, cada um em seu barco. Talvez seja. Ou sejam os dois no mesmo barco, um a tomar conta das velas, outro a direcioná-lo, os dois para ancorar, quando preciso. E a cada pausa, mais do que observar se tudo está em ordem, apreciar a paisagem, enquanto se ama.
    Nós, individualmente, também precisamos navegar, às vezes contra a correnteza sim, outras no mesmo sentido; a nossa alma sabe do que precisamos.
    E você, meu amigo, sempre sabe como nos fazer um bem danado com as suas postagens. Nos enriqueces a cada uma delas.

    Beijos, de uma eterna navegante,
    Débora.

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  9. OI R. R. BARCELOS!
    UMA BOA AULA PARA QUEM NÃO SABIA SOBRE PETRARCA( EU POR EXEMPLO)
    " NAVEGAR É PRECISO E VIVER É NAVEGAR" PARA MIM TEM MAIS SENTIDO ASSIM.
    ABRÇS
    http://zilanicelia.blogspot.com.br/ClickAQUI

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  10. Pertinente postagem, querido amigo.
    Petrarca foi um marco incontornável e imitadíssimo na literatua sobretudo europeia.
    Foi ele que fez com que a natureza fosse lida segundo o nosso estado de alma e não o contrário...
    Daqui à escola româtica foi um passo. E Camões claro que foi influenciado por ele e os proprios Lusíadas foram escritos segundo A Iliada e Odisseia de Homero.

    E navegar é preciso mesmo contra as correntes, se podermos.
    A vida é uma contínua apredizagem na arte de navegar.

    E aquele "já não sou quem era..." é a neve que vai caindo nos cabelos perdendo a cor de outrora... Porque no resto, penso que somos muito mais do que fomos!
    Muito obrigada pela sua partilha, sua experiêcia e sabedoria são fantásticas1
    Abraço amigo

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