quarta-feira, 11 de maio de 2011

Sexta 13

A fama do "Beagle" rendeu-lhe
esta moeda comemorativa
de uma coroa
     Em fevereiro, ganhei dos meus filhos e netos o presente de aniversário que mais aprecio: livros. E embora eu seja um devorador de textos, um deles está me dando trabalho, pela sua densidade e riqueza de detalhes. É "A Causa Sagrada de Darwin", de Adrian Desmond e James Moore, da Record, em tradução da Dinah Azevedo. Em suas 668 páginas, descreve como a luta entre escravagistas e abolicionistas influenciou "A Origem das Espécies", e deveria ser um banquete para cinco ou seis semanas, mas nem na metade eu cheguei ainda...
     E tive bons motivos para essa demora. Vejam um trecho:
     Feitores coabitando com escravas e vendendo seus filhos de pele clara, senhores brancos estuprando escravas (e amantes brancas enforcando as mulheres por "permitirem isso"); as elegantes filhas ilegítimas do dono de escravos sendo vendidas para a prostituição até a morte; essas eram as histórias que os viajantes britânicos guardavam na manga para provar que "a licenciosidade e a tirania se uniram".
     Duas páginas depois:
     "Olhe primeiro para a mulher caucasiana com sua pele cor-de-rosa  e lírios, seus cabelos sedosos, suas formas venusianas e seus traços bem cinzelados - e depois para a prostituta africana, com sua pele negra e de cheiro forte, seu cabelo pixaim e seus traços animalescos -, então compare suas qualidades intelectuais e morais e toda a sua estrutura anatômica... e diga se elas não diferem tanto uma da outra quanto o cisne e o ganso, o cavalo e o asno... (artigo "O mulato - um híbrido", do Dr. Josiah Nott, 1843)."
     Nos anúncios classificados dos jornais da época, senhores de escravos fugidos ofereciam recompensas, descrevendo os "malfeitores" (pág. 331):
     "Fugiram uma mulher negra e duas crianças. Alguns dias antes da fuga, eu a queimei com um ferro quente, no lado esquerdo do rosto. Tentei fazer a letra M."
     "Fugiu meu homem Fonte. Tem furos nas orelhas, uma cicatriz no lado esquerdo da testa, levou tiros nas partes de trás das pernas e as costas estão marcadas pelo chicote."
     Escravatura, racismo e preconceito são temas recorrentes na história da humanidade. São conceitos distintos, mas que se interpenetram de maneira perversa, fertilizando-se e potencializando o mal inerente a cada um. Nas Américas, em geral, e particularmente no Brasil, o escravagismo foi particularmente virulento e só foi "oficialmente" extinto sob a pressão crescente do Reino Unido (encabeçado pela Inglaterra), que - após emancipar seus escravos (1834) - sofria perdas comerciais com a "concorrência desleal" da mão-de-obra barata dos países escravagistas. Darwin esteve no Brasil na década de 1830, a bordo do famoso "HMS Beagle", e aqui teve o primeiro contato direto com os aspectos mais sombrios do tráfico negreiro, o que reforçou sua repulsa às teorias de origens independentes das "raças" - de homens ou animais.
     Os defensores do escravagismo argumentavam, entre outras coisas, que "a raça negra é uma raça inferior e destinada por Deus a servir à raça branca"!
     Bem, o significado de raça pode ser aplicado à espécie humana? Sim... se nos ativermos apenas à definição do fenótipo (conjunto de características biológicas padronizadas) de cada uma; estaremos, portanto, falando de padrões idealizados, e não de pessoas reais. Estas se aproximarão, umas mais e outras menos, de cada fenótipo-padrão racial; mas sempre terão, na mistura de seus genes, nos descaminhos de seu DNA, nas características herdadas de seus ancestrais e nas peculiaridades que lhes são impostas pelo "mutatis mutandi" da natureza, um retrato pessoal, único e só parcialmente transferível (a seus descendentes).
     E está comprovado que modelos raciais que buscam comparar capacidade intelectual, beleza física, tendências civilizatórias, resistência à fadiga ou vigor sexual não passam de delírios a que se entregaram pseudo-cientistas de pseudo-ciências, como a frenologia - quase todos defensores da "superioridade" branca.
     Sim, podemos dizer que existe uma "raça negra", uma "raça amarela" e uma "raça branca"... mas, salvo a quantidade de melanina (eumelanina escura ou feomelanina vermelho-amarelada), poucas características distintivas poderão ser incluídas na descrição do fenótipo; e basta essa única para derrubar todo o edifício laboriosamente construído pelos que insistem na separação das raças. A quantidade de melanina varia de ZERO (no albino doentio de qualquer raça) até o negro retinto, ou o oriental amarelo-cenoura, cujas epidermes são incapazes de produzir, em climas temperados, a vitamina D nos níveis indispensáveis à boa formação dos ossos e dentes. Eu me dou bem com meu nível de melanina, obrigado, e acho que aceitaria uma boa margem de variação para mais ou para menos sem maiores problemas. Se você não gosta do seu nível, o problema é seu e do seu dermatologista.
     Voltando ao livro, não o  recomendo como simples leitura para as horas de lazer. A obra é mais para estudiosos do assunto, como meu amigo Jair. E acho que vou conseguir completar a leitura lá pelo Dia do Zumbi...
     Quero terminar essa matéria parabenizando dois blogs que sempre foram ativos na luta contra preconceitos, em geral; há muitos outros, mas esses estão - por acaso - soprando sua primeira velinha por estes dias. Clique nos "links" abaixo se quiser visitar os seus "posts" inaugurais.
     Parabéns, Balaio. Parabéns, Xipan.
     Parabéns, Simone e Tatto... felicidades e longa vida!

12 comentários:

  1. Barcellos.....

    Primeiro que tu é um véi sem vergonha de danado dimais que escrevinha de uma forma que acaba fazendo até Macaco melhorar a leitura.... RSS
    Segundamente que tenho sua pessoa não só como um amigo Blogueiro, mas sim um exemplo de pessoa a ser seguido ( em todas as suas características ) não saberia descrevê-las aqui de tantas que são.
    Terceiramente, SER INDICADO POR TI COMO UM ENTRE TANTOS LEVANTADORES DE BANDEIRAS.... É simplesmente o melhor presente que alguém pode ganhar “ acho até nem ser tão merecedor nessa magnitude “.
    - Não sou de levantar esta ou aquela bandeira, ergo-as todas no bem comum!!!

    Obrigado pelo banho de sabedoria que nos da todos os dias em que passamos por aqui...
    To ligado e sempre aqui tomando em doses hómi-opáticas teus ensinamentos de vida.

    DeusssssssssssssssTiConserve Ansim
    Abraços e um leve e carinhoso fapt sem maliciamentos... RSS
    Deste seu admirador,
    Tatto

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  2. Barcellos,
    Texto excelente, infelizmente não li "A Causa Sagrada de Darwin", para dar um pitaco mais abalizado. Contudo, sou contra que se discrimine pessoas por suas características ditas raciais. Se há diversidade entre os seres vivos é, justamente, para torná-los atraentes uns para os outros. Já pensou se todos fôssemos exatamente iguais? Como iríamos distinguir-nos em nossas relações sociais? Abraços, JAIR.

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  3. Eu confesso que adoro meu nível de melanina, se pudesse teria até um pouco mais com certeza, mas como você mesmo disse somos todos iguais e isso que importa.

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  4. Já conhecia parte desse texto, o qual me fez sentir um certo asco de ser humana. É absurdo como esse processo medonho durou, sob os olhares aprovadores e coniventes das socidades ao longo dos tempos. Como começou tudo isso? Alguém simplesmente decidiu que raça era a "superior" e pronto, fez-se lei?

    Magnífico texto, Rodolfo Barcelos.
    Admiro-te "bem gandi", como diz minha sobrinha Isabella.

    Beijos.

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  5. Não conhecia o livro e descrito, assim, por vc aumentou a curiosidade... Como lhe disse - uma outra vez - não creio que vá estar nesse plano para ver o dia que funcionaremos como "iguais"...ainda veremos muitos sendo queimados vivos...para a atração (quem sabe? há gosto prá tudo)se fazer fatal... Estão aí milênios de história que não nos deixa mentir!Minha única esperança e fé - ainda - é que diante DELE somos todos UM!
    Beijuuss, amado, n.a.

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  6. Barcellos, o ser humano sempre acha um jeito de fazer parte de uma turminha que se acha melhor, "superior" ou qualquer baboseira assim!
    E não precisa ter nem sequer diferenças visíveis!
    Qual a diferença de um tutsi para um utu, duas supostas etnias que se aniquilam e genocidam na África?
    Qual a diferença de um nazista para um judeu alemão?
    De um sérvio para um bósnio?
    Tudo desculpas para se conseguir uma suposta vantagem sobre outro grupo, sem ter que fazer nada para provar sua real capacidade!
    Diferenças reais são as que existem entre botafoguenses e framenguistas, onde é clara a superioridade intelectual dos primeiros!
    Anotado o livro, este vou ler sem dúvida!
    Gracias pela dica, velho mestre!
    Abração!

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  7. Amigo!

    que bela obra pra um estudo aprofundado...sem dúvida. Anotado, também. Parabéns pela leitura pausada e minuciosa, porque é justamente isso que faz de você um grande conhecedor e Mestre.

    *****
    Barcellos, está assim nos meus Botões:

    Caro amigo e poeta 'prendado'...

    - espreitada rua...

    que tal uma parceria???rsrs

    Abraços mil,

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  8. Eu li aqui ontem, não consegui comentar..
    Hoje li novamente e não consigo..
    Não por esta ilegivel, esta até de mais..
    Mas é por não entender isso que somos.
    'humanos'? sei não, as vezes penso que somos
    seres piores que animais irracionais..

    beijos anjo poeta...

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  9. - Sexta 13... dia em que o Blogger deu um apagão geral, e três comentários sumiram daqui.
    - Em
    http://buzz.blogger.com/2011/05/blogger-is-back.html
    - ... eles dizem que ainda estão restaurando esses retalhos. Vamos ver...

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  10. Um comentário que sumiu foi o meu!
    Esses caras tão de marcação comigo!

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  11. Rodolfo,

    estão 'de marcação' não só com o Leonel, mas também comigo...rs
    Corra que ainda dá tempo, meu amigo, de ver algo nos Botões que fiz hoje lá!

    Mas voe, não se demore, depreeeeeessa, por favor!!!
    Um abraço,
    Graça


    *(será que alguém teria aí uma supercola pra grudar aqui esse comentário? é importante, é urgente, é vital, gratifica-se bem...)

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  12. Pelo menos aqui todos sabem que o blogger também tem problemas, no meu blog que sequer tem moderação, fui caluniada e acusada publicamente de ter bloqueado o acesso de uma pessoa, que disse estar imprimindo telas do blog e enviando para um escritório de advocacia em São Paulo (mais uma das táticas para me fazer desistir de lutar pelo direito do meu filho de frequentar a escola)...

    Ficamos todos felizes em saber que o livro está propondo reflexões, é difícil escolher um livro inédito para presentear um intelectual que tem o hábito da leitura.

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