sábado, 22 de janeiro de 2011

Estudo em Mi Sustenido Maior

   Quando examinamos  um teclado musical vemos que ele se compõe de teclas brancas e pretas intercaladas. E para cada série de sete teclas brancas há apenas cinco pretas, ou seja, existem dois lugares onde "falta" a tecla preta.
   As sete teclas brancas produzem os sons correspondentes às notas dó, ré, mi, fá, sol, lá, si; a próxima branca é de novo (onde começa uma nova oitava, mais aguda).
   As teclas pretas são os semitons - as notas intermediárias entre as "brancas". São os chamados "sustenidos" da branca imediatamente anterior,  e na notação musical são indicadas pelo símbolo #. Uma escala completa, portanto, compreende doze notas:
Dó - dó# - ré - ré# - mi - fá - fá# - sol - sol# - lá - lá# - si.
   Entre o si final de uma oitava e o dó inicial da seguinte também não existe a tecla preta. Diz-se, portanto, que as notas mi# e si# não existem.
   Mas isso só é verdade nas escalas musicais chamadas temperadas, adotadas no século XVIII para padronizar dezenas de escalas de diferentes tipos. E em várias destas escalas havia, sim, sons correspondentes ao mi# - um pouco diferentes do fá, o mesmo acontecendo com o si#.
   A padronização fundiu os sustenidos com os bemóis das notas seguintes, facilitou a transposição de tons e abriu caminho para várias sub-escalas de inspiração regional. A chamada "Escala Nordestina" (descendente do modo grego mixolídio), típica dos baiões e outros ritmos do norte-nordeste, é uma dessas. Veja em
http://pt.wikipedia.org/wiki/Escala_nordestina
 


   Assim, podemos afirmar que o tom de Mi sustenido existe - mas disfarçado na escala moderna sob as vestes do Fá. E eu quero cantar aqui um poema em Mi Sustenido Maior, tão bem disfarçado na letra quanto no tom musical:

   FORMA ENRUSTIDA, OU DISFARÇADA:
   "Seus pensamentos iam-se não se sabia pra onde, deixando por lá a sua memória frágil, que outrora sucumbira à tal doença traiçoeira, ladra de lembranças, usurpadora de vida alheia.
   Restaram-lhe os fragmentos como a compor uma pequena canção que vivia a entoar repetidamente. Cantava a irmã gêmea, os irmãos meninos, queridos e companheiros. Cantava o prazer de haver sido professora por trinta anos e ter cumprido dignamente essa missão. E cantava o marido, o gaúcho barrigudo, descendente de italianos, bigodes fartos se contrapondo à careca lustrosa."


   É fácil perceber que há uma poesia subjacente à prosa, uma "perda que não é perda", uma música suave que nos embala, um ritmo que nos leva a "cantar" em coro com a personagem. E não é difícil trazer essa poesia à tona:


FORMA OSTENSIVA, OU EXPLÍCITA:

Seus pensamentos se iam
não se sabia pra onde,
deixando lá a memória
que outrora sucumbira
à doença traiçoeira,
que usurpava as lembranças,
ladra da vida alheia.

Restaram-lhe os fragmentos
compondo a canção pequena
que vivia a entoar
e sempre a recomeçar;

Cantava a irmã gêmea,
E os irmãos pequeninos,
os seus saudosos meninos
queridos e companheiros.

Cantava o prazer dos anos
em que fora professora
e cumprira essa missão
Com toda a dignidade.

E cantava o marido,
o gaúcho barrigudo,
descendente de italianos,
a barriga proeminente
com a dela contrastando,
bigodes fartos e bastos
à calva se contrapondo.

   Aqui, a musicalidade, marcada pelo ritmo forte e sincopado, se sobrepõe à mera rima mecânica. Os leves ajustes no texto respeitaram-lhe a forma e principalmente a alma, e a poesia emergiu da prosa como uma borboleta que se liberta do casulo. E não ponham a culpa em mim: a borboleta já estava lá; eu só cutuquei o casulo. E o poema completo da Milene você pode conferir em Canção do Alegre Viver (esse título, por si só, já é um poema).

   NOTA IMPORTANTE: Quando me dispus a escrever esses últimos "posts", eu não tinha idéia de quão grande era minha ignorância sobre o assunto "música". Conforme pesquisava, minha admiração pelos musicistas em geral crescia exponencialmente, enquanto minha ignorância se reduzia às colheradinhas. Os que entendem do assunto perdoem qualquer impropriedade que possa ter escapado por entre meus dedos inábeis.

14 comentários:

  1. - Graça, nossa amiga especial... minha alegria só não é maior que a dos outros porque eles estão em maioria. Assim, junto a minha às deles, e não tem pra ninguém.
    - Você é estrela, é cor, é nota musical, é isso e muito mais. E já botei sua batata no forno... uma batatona doce, grandona... aguarde! Abraços!

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  2. Bem os que entendem devem perdoar, e nós que nada entendemos devemos pedir perdão: Perdo-me, Guru Barcellos, pela minha ignorância musical.

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  3. Notas musicais dentre bolas de sabão que de nossas serenatas vieram.

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  4. Aquela "Nota importante", para mim, é sacanagem! Depois deste show todo ainda tem a cara de pau de dizer que era ignorante em música?
    É por isto que me dá vontade de chama-lo não de Barcellos, mas de Barsa, pois você parece mesmo uma enciclopédia!
    Este blog me deixa com complexo de inferioridade!
    Mas, por outro lado, sempre tem coisas a ensinar!
    Por isso, sempre estou fuçando por aqui!
    Abraços!

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  5. RR, não sei se leu, mas eu postei a resposta à sua pergunta lá no Quiosque sobre as postagens.

    Agradeço imenso tuas visitas no Escritos na Memória e mais ainda pelos coments fantásticos que deixa.
    Adoooooru!
    E essa sua blogada é genial!

    megabeijo da Lu

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  6. O que nos resta dizer diante tanta beleza...
    e olha, essa nota Mi, merece mesmo, ela é tudo isso e muito mais. Mas, eu jamais conseguiria expressar tão belamente toda essencia que conseguimos enxergar nessa querida pessoa.
    Parabéns aos dois.

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  7. Que você é genial, já não é surpresa. Sinceramente me pego aqui pensando no que comentar e me vejo perdida, pois tudo será redundante.

    Viu só o que fez com o meu bobagear? Seu toque de bruxo transformou o negócio numa canção linda... E agora eu até sei o que é Mi Sustenido Maior.

    Luiz Gonzaga, genial...

    Você, um sujeito incrível, que não tem outro jeito de ser senão esse tanto de amor.

    Beijos, meu querido!

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  8. Olá Barcellos,
    cheguei através do blog da Milene. O tanto que ela te gosta e homenageia. Então vim conferir e já tive uma aula sobre o Mi Sustenido Maior, muito interessante, de um poema lindo da Mi.

    Adorei seu espaço e a amizade de vocês.

    Posso ficar ?

    beijos

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  9. Dúvida musical: O Mi sustenido e o Fá bemol são enarmônicos?

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  10. O que eu disser aqui é nada...
    Então Mr.Barcellos... Diga tu hómi das belas palavras que encantam...

    Parabólicas Miloukinha
    Mestre é mestre!!

    Deussssssssskiajude
    Tatto

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  11. - Jair e Leonel, grato por marcarem presença, como sempre.
    - Lu, sempre visito seu cantinho, e mesmo quando permaneço em silêncio aprecio o clima de tertúlia que lá se respira. E concordo com você quanto às postagens no Quiosque.
    - Si e Mi, minhas queridas sustenidas, vocês estão sempre afinadíssimas... vocês escrevem fazendo música, mesmo sem querer.
    - Carla, seja bem-vinda. Prazer em recebê-la.
    - Querida Alethea, o Si# é enarmônico do Dó e o Mi# é enarmônico do Fá - na escala temperada, somente; você encontrará maiores detalhes neste link: ENARMONIA
    - Xipan, mesmo quando você não diz nada, consegue transmitir uma mensagem elogiosa.
    - Anônimo, não tenha receio de assinar-se (pode ser um apelido). Eu não mordo...
    - E a todos, meu abraço e meu muito obrigado.

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  12. PS: Complementando: o Fá bemol e o Dó bemol são enarmônicos do Mi e do Si, respectivamente; todos os demais pares enarmônicos consistem em combinações de sustenidos de uma nota com o bemol da nota imediatamente superior (ex: Sol# e Láb).

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  13. Rodolfo, amado... Não fique preocupado. GOSTO UM TANTÃO DE VC. E, vamos que vamos.
    Beijo

    don't worry...be happy

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  14. Êita que valeu esperar... Êita que ocê vai ser elevado prá outra categoria... BRUXO REGENTE!!!
    Rodolfo, amado: só mesmo um ser iluminado e especialmente AMOROSO como tu faz com as palavras essa poções mágicas... nos fazem dançar em gratidão! As mininas merecem e eu aplaudo de pé e peço BIS...
    Beijuuss com sabor de roça n.c.

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