quarta-feira, 23 de março de 2011

A Linha do Tempo

     Considerações sobre um texto de Léo Santos.

     A minha amiga Milene mandou-me o texto e pediu minha opinião. Bem, a abordagem do Léo a respeito do tempo é excelente e, embora breve, abrange todos os aspectos relacionados ao tempo físico - aquele que a Ciência nos apresenta como quarta dimensão. Mas eu gosto de somar, sempre que possível, e fui buscar alhures uma complementação à altura. Encontrei-a além das fronteiras da Física.
     Pulemos, pois, a cerca que delimita o conceito de tempo aceito pela ciência - o tempo nosso de cada dia, literalmente - e afundemos os pés no terreno movediço da metafísica e dos fenômenos transcendentais. Aqui, muitos se atolaram; é bom caminhar com cautela.
     Não vou falar aqui do tempo relativístico - esse ficou para trás quando pulamos a cerca. Tampouco vou abordar o "tempo psicológico" - aquele que se arrasta nos momentos lúgubres e corre célere nas horas felizes - nem falar sobre experiências de quase-morte, ou estudos sobre reencarnação, ou citar as profecias de Nostradamus. Quero simplesmente contemplar o que deixei para trás ao pular a cerca, mas de uma perspectiva mais ampla.
     E daqui eu vejo uma continuidade temporal, uma linha que se estende de horizonte a horizonte, sem descontinuidades a que eu possa dar nomes como passado, presente ou futuro.
     Sei que, do lado de lá, todos nós temos a ilusão de estarmos situados em um ponto específico dessa linha - não sei se o mesmo para cada um - que chamamos de presente, e que este ponto divide a linha em dois segmentos, que batizamos de passado e de futuro. Mas como saber se a minha ilusão é a mesma que a tua? Vejo-te aqui, no "meu" presente, como te apresentas nele, mas tu talvez estejas em outro ponto da linha, vivenciando realidades que ainda estão no meu futuro ou já fazem parte do meu passado.
     E vejo também que isso que chamamos de presente não é um ponto geométrico, sem dimensões. Ele se estende um pouco à frente e um pouco atrás dessa coisa imponderável e fugidia que chamamos de instante. Sim, dentro desses limites estreitos podemos prever o "futuro" incipiente, e vivenciá-lo, assim como o "passado" recente.
     Vamos tentar ilustrar isso matematicamente.
     A figura abaixo representa a função de distribuição normal. Se z é o eixo do tempo e y=f(z) o do grau de "realidade vivenciada", a área cinzenta será o "presente", centrado no instante zero.

     Devo lembrar ao leitor que entes geométricos como "ponto", "linha" etc, são instrumentos matemáticos e não realidades físicas. Um átomo tem dimensões, embora possa ser considerado, na maioria das vezes, um ponto adimensional. E o tempo também tem existência física: o "agora" tem alguma espessura, e a transição do cinza para o branco deveria mostrar uma gradação suave.
     À esquerda do zero estão em cinza as memórias muito recentes e vivas, fazendo parte do nosso presente, e em branco as memórias mais distantes e imprecisas - o nosso passado. À direita do zero, em cinza, a realidade previsível a curto prazo - a tecla que vou clicar, a palavra que vou escolher - e isso também faz parte do meu "presente". A área branca sob a curva, à direita, é nosso futuro mais distante e impreciso. E embora possamos colocar lá nossos projetos de longo prazo, esse futuro é basicamente imprevisível (assim como a imensa maioria dos detalhes de nosso passado distante está perdida).
     O eixo do Tempo será graduado, obviamente, em minutos, dias, anos... o que for mais conveniente; já para o eixo da "realidade vivenciada", pelo que eu saiba, ainda não há unidades de medida definidas.
     Recordar é o processo de resgatar pedaços sobreviventes de nosso passado e trazê-los para a área cinza, onde se tornarão parte de nossa realidade vivenciada no presente, recebendo assim um "reforço existencial" que lhes aumentará a sobrevida quando os devolvermos ao passado. Aquilo que chamamos "saudade" é um instrumento subconsciente que faz parte integrante desse processo.
     Traçar planos, fazer projetos, sonhar, é o processo similar aplicado ao futuro. E as ações no presente que visam reforçar a "viabilidade" desses sonhos e projetos - estudos, investimentos etc. - fazem o mesmo papel que a saudade tem em relação ao passado, pois ajudam-nos a "não esquecer" o futuro.
     Assim, à esquerda do ponto zero, a realidade vivenciada vai perdendo a força e se transformando em memórias, conforme a curva se desloca no tempo; à direita ocorre o processo inverso: as expectativas vão se solidificando em realidade até atingir o grau máximo - o momento zero, o fugidio "agora", o instante em que a expectativa se realiza plenamente. Esses processos formam o que chamamos "vivência" e são, claro, diferentes para cada um de nós.
     Tu és - nós todos somos - as lembranças e as saudades dos que estão em nosso futuro.
     Tu és - nós todos somos - as profecias e os sonhos dos que estão em nosso passado.
     Mas temos uma arma poderosa que os demais viventes do planeta não têm: podemos registrar o presente em imagens, sons e textos escritos, como este, e assim dar-lhe uma imortalidade relativa; e podemos também registrar nossos projetos e assim aperfeiçoar continuamente nossa estratégia para trazê-los para o mundo real.
     Podemos, sim, recordar nosso passado - até um certo ponto. Qual foi mesmo o prato do almoço de nove de dezembro do ano passado?
     Podemos, sim, influenciar nosso futuro - até um certo ponto. Não conheço nenhuma realização humana que não tenha sido, um dia, um sonho... um projeto. Alguém conhece?

     Niterói, 23 de março de 2011 - Rodolfo Barcellos


11 comentários:

  1. Ahhh meu anjo amado poeta!
    Assunto esse difícil ainda pra mim...
    O tempo !
    Não sei porque mas NUNCA pude
    aceitar a demora e mesmo a rapidez
    com ele age.
    Mas como aceitar ou não se ele
    não nos dá chance de respostas ou perguntas?..
    Sei não.
    Só sei que ele é..
    O intervalo entre o dia e a noite.
    É o espaço entre o sim e o não!
    É o que chamamos de...
    Espera, chegada, satisfação ou não.
    Ele é o único senhor da razão..
    Eu não gosto dele.
    Apenas o engulo ah seco.
    E vou indo a sua mercê!

    beiJO meu pra vc.
    Anjo poeta...

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  2. Barcellos,
    Minha contribuição a esse embroglio: O momento presente é tão fugaz que podemos afirmar que a linha da existência é igual a soma do passado e o futuro, algo assim: E = P+F.

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  3. Barcellos, este assunto é fascinante, quando imaginamos as suas possibilidades e também pode ser frustrante, quando vemos nossas limitações.
    Eu gosto dessa idéia de "subir" uma dimensão e poder contemplar a linha do tempo na sua totalidade.
    Fred Hoyle afirmou que, para serem verdadeiras as equações que definem as interações, se as ações do presente influenciam o futuro, então o futuro também teria que ter alguma influência no presente!
    Isto para mim, é de fundir a cuca!
    Quero ver o comentário do Jair, que tem uma fixação por este assunto tão complexo!
    Abraços!

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  4. 'És um senhor tão bonito quanto a cara do meu filho... tempo, tempo, tempo entro num acordo contigo...
    E quando eu tiver saído para fora do teu círculo
    Tempo tempo tempo tempo...não serei nem terás sido...'

    Todo momento é tão fugaz, que vivo pensando que já acabou.

    Beijos

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  5. Rodolfo amado


    Tempo?

    Não sei nem mesmo qual foi o prato do almoço de hoje...

    Tempo?

    Para contar os dias vividos??

    Tempo? presente..agora...já..não mais que isso..

    Eu preciso disso...para não enlouquecer...

    Quem sou?? dona ansiedade da silva

    Beijocas

    Loisane

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  6. O Jair foi econômico e perfeito nas suas palavras. A Si roubou minha citação... Eu ia citar Caetano.

    E do tempo, às vezes quero que ele acelere. Outras me amedronta o futuro que vem à galope. O presente não me agrada, talvez amanhã eu o veja menos na defensiva.

    Mesmo assim, ressabiada, sigo sonhando.

    Beijos...

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  7. Aí está o mais interessante, Rodolfo: as diversas formas de ver a vida e o tempo. Creio que as sensações sejam diferentes para cada pessoa. Bom seria que todos escrevessem a sua visão particular, para que nos divertíssemos lendo.

    Um abraço!

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  8. Bem, considerando que o assunto me fascina, transcrevo o que escrevi em outra data: "o TEMPO näo discrimina,näo escolhe e näo redime..." e depois: "Saber que ele é imperturbável e absoluto nos dá a correta medida de nossa insignificância,de nossa transitoriedade..."

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  9. Boa tarde.
    O tempo é relativo.
    Gostei muito do seu texto.

    Um grande abraço.
    Maria Auxiliadora (Amapola)

    Estou lhe seguindo.

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  10. Eu só sabo dizê que:-
    " O TEMPO PERGUNTOU PROTEMPO QUANTO TEMPOOTEMPUTINHA... O TEMPO NÃO TEVETEMPO DE RESPONDER PROTEMPO QUANTOTEMPOOTEMPOTEM ".

    Task eu paróbas..... rss
    Perigo, perigo... não tem registro! piftzzz..

    Abraços
    Tatto

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  11. Se o ontem já passou e o amanhã ainda não veio, concluo que meu tempo é hoje.

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