Década de quarenta. A guerra corria solta pelo mundo, e no Brasil a indefinição do governo e a desinformação geral alimentavam as paixões políticas entre os jovens, principalmente entre os estudantes.
Em Juiz de Fora, uma turma do terceiro ano de Medicina reuniu-se em assembléia, num bar, para deliberar sobre a fundação da Sociedade que defenderia suas idéias perante tantas outras que proliferavam nos meios estudantis. A turma, de cunho eminentemente integralista, devorava Plínio Salgado em panfletos candentes e bebia cerveja pilsen em canecas geladas.
Alguém aproveitara uma gravura gasta na parede como cabide para pendurar uma toalha puída que trazia, como único ornamento, um enorme Sigma maiúsculo, mal traçado a carvão. Numa mesa próxima Eurico, o secretário, lavrava em "Ata Solemne" os capítulos, artigos, alíneas e incisos que regeriam o novo grêmio. Discussões acaloradas, brados de apoio ou de protesto, iam dando forma àquela "amoeba proteus" ainda nascitura.
Estatuídos os assuntos principais - razão social, objetivos, composição da diretoria e dos conselhos etc. - passou-se à discussão do assunto mais polêmico: o lema da Sociedade.
Entre inúmeros lemas propostos, todos alusivos aos princípios do integralismo - Deus, Pátria e Família - acabou sendo eleito, entre aplausos e vaias, o proposto por dois diretores recém-nomeados: "SURSUM". E, resolvida a magna questão, dissolveu-se a assembléia, após agendar a próxima para daí a um mês, no mesmo local. Os constituintes foram saindo em pequenos grupos, alguns amparados pelos colegas mais sóbrios, mas todos entusiasmados e cantando desafinadamente o "Avante" ou gritando "Anauê!".
Ora, já naquela época existia a precursora da Internet - no Brasil, a LABRE - Liga de Amadores Brasileiros de Rádio Emissão. E fora através das "rodadas" de radioamadores (que faziam o papel do atual MSN) que Eurico havia conhecido "virtualmente" Auxiliadora - ele como PY4-JG, ela como afilhada de Georgetta, PY4-IP.
Duas semanas depois da constituição da Sociedade, Eurico conheceu pessoalmente Auxiliadora, numa viagem a Ponte Nova.
Não careço de contar a vocês o que aconteceu. Eurico afogou-se nos imensos olhos escuros daquela morenaça do interior. E vendo que a moça era requestadíssima, traçou uma estratégia para conquistá-la.
Como primeiro passo, tratou de assegurar as boas graças da madrinha. Solteirona impenitente, romântica, crédula e ingênua, a dindinha Dodoge logo estava comendo na mão do PY4-JG, e tratando-o afetuosamente de PY4 Jovem Galante.
Em seguida, para consolidar o terreno junto à amada, o esperto Romeu desistiu da Medicina em favor de uma carreira mais prosaica mas que lhe permitiria, a curto prazo, sustentar uma família: fez concurso para o Banco do Brasil.
E quando os antigos colegas vieram perguntar-lhe a razão da radical mudança em seu plano de vida, ele explicou:
- Eu só estava cumprindo o lema de nossa sociedade: SURSUM.
Um ex-colega, menos chegado ao latim, perguntou:
- Mas isso quer dizer o que?
- Quer dizer, mais ou menos... ALTO AÍ! FARINHA POUCA, MEU PIRÃO PRIMEIRO!
Detalhe: a famosa sociedade faleceu na segunda assembléia, ainda pagã de nome; mas as núpcias de Eurico e Auxiliadora renderam oito filhos e mais netos e bisnetos do que posso contar nos dedos das mãos. E foram felizes para sempre, sem nunca terem se preocupado muito com "ismos" de qualquer espécie.
Ah, e SURSUM quer dizer: "Às alturas!"
Barcellos,
ResponderExcluirEmbora você não decline parentesco algum com o galante secretário que conquistou dona Auxiliadora, suponho que ambos acabaram sendo teus genitores. Assim, fica registrado com maestria e talento essa sua entrada no mundo. Parabéns, belo texto.
É só olhar a foto para reconhecer os traços familiares!
ResponderExcluirBarcellos, uma linda história onde o amor venceu a política, como deveria ser sempre!
E que bons frutos saíram deste amor!
Abraços!
Gosto de histórias de amor assim...gosto dessa mineiridade simples...gosto de crer nessa busca focada e nesse encontro SURSUM!
ResponderExcluirAh Bruxo amado, venha sim...sem avisar...como nos velhos tempos. Amigos são assim, não precisam de convites e dispensam qualquer formalidade.
Beijuuss n.a.
Bruxo
ResponderExcluireita que amor bonito..
quero contar uma história assim daqui sessenta anos...
hi...acho que não vai dar..não sou da geração que viverá mais de 100...
beijocas
Loisane
"Quissá.. Um dia a futura bióloga-flautista de gogó afinado resolver traçar linhas de um passado hoje presente em algum cantinho virtual nesta blogsfera, Quero que seja da forma em que "li/senti" neste aqui!!
ResponderExcluirDeussssssssssssssAbençoe
fapt´s descomprometidos de maliciamentos.. rss
Tatto
Vendo a imagem já se imagina tratar de uma história de amor.
ResponderExcluirQue texto lindo, Rodolfo. Li do início ao fim com um sorriso nos lábios, porque as verdadeiras histórias de amor me encantam. Você a contou lindamente. Perfeito!
Acho que o jovem galante andou fazendo escola...
Beijos.
Taí mais uma história de família cujos detalhes, alguns deles, não eram de meu conhecimento até então. Parabéns. Bjs
ResponderExcluirEstórias assim encantam a vida
ResponderExcluirperfumam a alma
traz esperança de ainda amar...
Um beijo meu anjo poeta..
Barcellos,
ResponderExcluirAdorei!
Que espetáculo de história!
E não precisa nem dizer: com certeza são teus pais!
Muito lindo amigo!
Beijinhossssssssss
Lindo, lindo!
ResponderExcluirSua história encantou-me!
Bravo!
Um abraço.
Olá Amigo Rodolfo,
ResponderExcluirem primeiro lugar quero dizer-te que a foto não necessita de legenda... tal pai, tal filho!
E a história de amor comoveu-me!
Quando o amor vence... as palavras sobram!
Um beijo e que tenhas uma excelente semana.