segunda-feira, 1 de março de 2010

Diva

Nos anos românticos de minha juventude, tive a sorte de tropeçar em uma pedra e torcer o tornozelo. Sorte? Sim, pois dois dias no estaleiro me foram suficientes para devorar boa parte dos romances de José de Alencar, que eu havia desdenhado até então como "literatura para moças". Naquela ocasião, enriqueci meu vocabulário sem nem desconfiar da origem dos novos termos - até ler Diva.

O Romantismo eclodiu na Europa no século XVIII. Defendia o nacionalismo literário e artístico. No mundo latino brotou outro caráter essencial: o da liberdade, na forma de liberalismo e de nacionalismo.
No Brasil, o movimento suscitou o indianismo e o individualismo. A arte linguística deixou de lado o latim e o grego, em favor dos falares plebeus e da idéia romântica de que “o povo é quem faz a língua”.

Coube a José de Alencar traduzir em suas obras a nova tendência. O resultado foi uma pletora de neologismos românticos, de sabor regional ou indígena, que pontilham sua obra. Só no romance Diva há dezesseis, comentados em nota pelo próprio autor: Núbil, escumilhar, pubescência, exale, palejar, rofado, gárceo, garrular, olímpio, elance, rutilo, roçagar, frondes, aflar, rubescência, fervilhar.

A maioria dos neologismos alencarianos são de caráter lexical. São poucos os considerados estilísticos - aqueles com que o autor procura exprimir de maneira inédita suas idéias. Iracema, O Guarani e Ubirajara contêm vários indianismos e O Gaúcho tem alguns regionalismos.

Alencar foi muito criticado na época, por se afastar dos padrões clássicos. Em 1873, o jornal O Globo foi palco de uma famosa troca de artigos entre Joaquim Nabuco e o romancista.

Segundo Nabuco, Alencar usava palavras pertencentes a “um dialeto desconhecido, que só se pode conhecer pelo nome dado às românticas reformas do Sr. José de Alencar - dialeto martiniano: saia toda rofada; um gárceo colo; as luzes palhejavam-lhe a fronte jaspeada; rigidez granítica; colear o talhe flexível". Outros termos alencarianos que foram alvo de Nabuco: rubescência (em vez de rubor); roçagar (arrastar pelo chão, em Diva; arregaçar, em Lucíola) “...o Sr. J. de Alencar toma as palavras que inventa... para exprimir duas idéias contrárias; também não se encontra [no dicionário] elance, que pertence a um jargão estrangeirado demais, nem palejar (basta-nos empalidecer)”.

Quanto a estrangeirismos Alencar replicou: “Desde que termos estrangeiros são introduzidos em um país pela necessidade e tornam-se indispensáveis nas relações civis, a língua, que os recebe em seu vocabulário, reage por uma lei natural sobre a composição etimológica para imprimir-lhe o seu próprio caráter morfológico. A pronúncia e a ortografia alteram-se, em alguns casos profundamente, mas sempre conforme leis fonéticas, estudadas por Jacob Grimm e seus seguidores”. Palavras proféticas...

Esta matéria é um resumo do que pode ser encontrado em:

http://www.gelne.ufc.br/revista_ano4_no2_16.pdf

Tenho uma dúvida: Qual é o significado do nome Iracema? Uma breve pesquisa na Internet me forneceu dois resultados:
1- Anagrama de "América".
2- Lábios de mel

A segunda interpretação me parece do tipo "Maria vai com as outras". Logo na segunda frase do romance lê-se: "Iracema, a virgem dos lábios de mel, de cabelos negros como a asa da graúna".
Esta frase encerra uma verdadeira aula de português: uma metáfora seguida imediatamente de uma comparação, o que propicia ao mestre demonstrar ao discípulo as nuances (nuanças, para quem não gosta de galicismos) da língua. Entre as duas interpretações, o anagrama me parece mais plausível.

Mas uma análise dos vocabulários indígenas na própria rede fornece:
Ira- Mel, ou abelha
Pira- peixe
Ara- Ave
Aracema- Bando de aves

Por analogia (não encontrei nos vocabulários):
Piracema- Bando de peixes, cardume. Abundância de peixes.
Portanto, Iracema = Abundância ou fonte de mel.

Quem souber, por favor me diga. Obrigado.

5 comentários:

  1. Barcellos,
    Este texto fez renascer em mim a vontade de reler José de Alencar. Durante muito tempo não dirigi minhas leituras, fui uma espécie de leitor oportunista, o que aparecia eu lia. Mais tarde adquiri o hábito de selecionar o que iria ler, assim, quando conheci a casa na qual José de Alencar nasceu lá no Ceará, resolvi ler tudo que ele escreveu. É claro que jamais alcancei meu objetivo, sempre havia alguma leitura alternativa atrapalhando, sempre aparecia algum livro momentoso que "precisava" ser lido, de modo que Alencar ficou meio lido meio não, agora na minha primeira velhice (Existe primeira velhice, como existe primeira infância?) acho que chegou a hora de colocar José de Alencar em dia. Ótimo texto Barcellos, como sempre. Abraços, JAIR.

    ResponderExcluir
  2. Amigo, obrigada pelo gentil convite para ler esse seu post.

    É super rico!!!

    Quanto à definição/significado da palavra Iracema, a que eu tenho é esta tb: anagrama de América.

    Mas vou procurar saber...se encontrar outra que não esta, volto para te dizer.

    Abraços!

    ResponderExcluir
  3. Sobre o teor lexical, voltarei para comentar!
    Aguarde!

    ResponderExcluir
  4. São palavras de nosso Alencar:

    "Criar termos necessários para exprimir os inventos recentes, assimilar-se aqueles que, embora oriundos de línguas diversas, sejam indispensáveis, e sobretudo explorar as próprias fontes, veios preciosos onde talvez ficaram esquecidas muitas pedras finas, essa é a missão das línguas cultas e seu verdadeiro classicismo."

    Na verdade, o escritor criou seus neologismos lexicais, foi duramente criticado,mas sempre soube se sair e dar explicações a todos os críticos de sua época...

    Falar deste assunto, é apaixonante, e tb requer um 'tratado', tão vasto ele é!

    Abraços. amigo!

    ResponderExcluir
  5. Obrigado pelo retorno, minha amiga. É um prazer trocar idéias com quem se interessa pelos mesmos assuntos que me interessam. Minha porta estará sempre aberta para você.

    ResponderExcluir