sábado, 22 de maio de 2010

Lucro S.A.

- Karl Heinrich Marx escreveu O Capital influenciado por um sistema sócio-econômico que tinha o lucro como objetivo máximo. Não é de admirar que defendesse a luta de classes como instrumento único para a construção de um mundo melhor; ele simplesmente não vislumbrava outra saída. Mergulhado no ambiente da Revolução Industrial, testemunhou a sistemática exploração do trabalhador, levada na época a níveis intoleráveis pela ganância dos donos das fábricas. Chegou a profetizar que o primeiro país a conquistar a "dádiva" do comunismo seria a Inglaterra, através da revolta inevitável de sua oprimida classe operária.
- Marx foi um filósofo de primeira grandeza, um economista inovador e um péssimo profeta. Ele não percebeu que a ascensão do proletariado ao poder - a chamada "ditadura do proletariado" - implicaria não só numa luta intestina pelo poder, mas também no apequenamento ético dos vencedores (leia-se Stalin & Cia). O poder corrompe, e umas poucas exceções só confirmam a regra.
- De fato, somente uma sociedade solidamente organizada sobre bases genuinamente democráticas consegue anular parcialmente os efeitos da corrupção dos poderosos - transferindo a luta velada dos corredores do poder para as ruas, através do voto popular e da publicidade dos veículos de comunicação. E nesse ponto, a velha Álbion, com rainha e tudo, ganha da gente de goleada...
- Talvez por isso, outra coisa que Marx não previu foi a firme reação da sociedade britânica à exploração dos operários ingleses - que começou na própria era de Marx, incluindo os relatórios oficiais dos Inspetores de Fábricas, muitos deles citados em O Capital. É possível que a predição de Marx tenha alimentado essa reação, e assim ele teria sido iludido por uma versão moderna do Espelho de Galadriel (ver nota).
- Começando pela Inglaterra, a reação espalhou-se pelo mundo britânico, pela Europa e depois pelo planeta inteiro, promovendo o aperfeiçoamento das leis trabalhistas e conquistas sociais cada vez mais abrangentes.
- A resposta do capitalismo a essa reação consistiu na migração dos investimentos. Aos poucos, os abastados donos de fábricas foram unindo seus esforços e transformando suas "Companhias Limitadas" em "Sociedades Anônimas", onde o capitalista ficava menos exposto à execração pública e onde o lucro continuava sendo objeto de culto fervoroso.
- Nos países onde a revolução comunista obteve êxito, essa migração assumiu o aspecto de fuga desenfreada de capitais. E é certo que as raízes do nazismo encontraram solo fértil nas circunstâncias caóticas dessa época.
- O capitalismo das S.A. é alimentado por alguns mecanismos clássicos. A Bolsa de Valores é um deles. O investidor busca o lucro, sem se importar com os métodos usados pelas empresas para obtê-lo. E as empresas atraem o investidor acenando com dividendos e bonificações cujas origens são contabilizadas sob rubricas inocentes ou anódinas em seus balanços.
- Mas as leis da dialética são inexoráveis, e instrumentos de controle (como a CVM) estão sendo continuamente introduzidos e aperfeiçoados, embora ainda com resultados modestos. Episódios como a exploração de cidades inteiras até à exaustão (Juárez, México) e o uso sistemático do braço escravo (Nordeste do Brasil) vão demorar a ser extirpados de sociedades ainda dominadas pelas S.A. sedentas de lucro.
- Dirão que uma empresa não sobrevive sem lucro, e é verdade. Mas um ser humano também não vive sem alimento; e assim como há gente que vive para comer e gente que come para viver, da mesma forma há empresas que lucram para viver e aquelas que vivem para lucrar.
- Quem vive para comer é visto como um doente. A "saúde" das empresas, ao contrário, é aferida pela gordura de seu lucro. Isso é uma contradição. Esse tipo de empresa é responsável por grande parte da péssima distribuição de renda em alguns países - entre eles, o Brasil.
- E não venham me dizer que empresas de capital aberto democratizam a renda. De onde o assalariado vai sacar dezenas de milhares de reais para investir na Petrobrás, para auferir uma parcela dos lucros que lhe permita reforçar um pouco sua modesta renda mensal?
- É verdade também que o progresso tecnológico foi grandemente impulsionado pelo modelo econômico vigente. Mas esse modelo já está dando mostras de esgotamento, ao ignorar as mazelas que ele mesmo causa ao planeta e à humanidade - aquecimento global, degradação ambiental e exclusão social.
- Precisamos, sim, definir o papel social de cada empresa, para incluir como objetivo primário algo diferente do lucro (necessário, mas secundário). Na época atual, vejo no Brasil quatro campos com imensas perspectivas de sucesso empresarial, dentro dessa nova ótica: Emprego, Saúde, Habitação e, principalmente, Educação. Haverá outros... mas esses são prioritários, e não podem ficar somente à mercê de governos populistas. Talvez as ONGs e algumas Fundações sejam uma resposta parcial.

- Nota: O espelho de Galadriel era uma bacia de prata, na qual a própria Galadriel – regente dos elfos da floresta dourada de Lothlórien, na Terra Média – derramava água com qualidades proféticas (provavelmente sob o influxo do seu poderoso anel). As imagens, que apareciam como reflexos na superfície da água, não mostravam o futuro exato, mas apenas o futuro mais provável. As pessoas que tentavam modificar o destino que o espelho lhes revelava muitas vezes precipitavam os acontecimentos que conduziam ao desfecho indesejado. Por isso, Galadriel costumava dizer que o espelho era um guia perigoso para a ação.
- Para maiores detalhes, leia a trilogia "O Senhor dos Anéis", de J. R. R. Tolkien.

10 comentários:

  1. Barcellos,
    Você tocou num assunto que rende resmas de papel escrito desde que o mundo criou o capitalismo, sem nunca chegar a um acordo minimamente aceitável: O capitalismo como máquina de gerar lucro através do trabalho de muitos em favor de uns poucos. Não seremos nós que resolveremos essa questão, contudo, quero dar meu pitaco: Se olharmos a Escandinávia veremos países capitalistas que mais se aproximam de um ideal de justiça social. Lá as leis são feitas para os CIDADÃOS e as empresas sabem que quanto melhor pagarem a seus empregados, mais a economia cresce e mais elas crescerão juntas. Não há fórmula mágica para alcançar um mundo utópico onde todos seremos felizes, mas há formas de tentar e acho que aqueles países nórdicos estão tentando. Quase ninguém se preocupa em estudar como eles conseguem um alto grau de satisfação de seus habitantes, mas acho que já é hora de governantes de todo o mundo olharem com carinho para lá.

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  2. É exatamente o que eu defendo, Jair: o uso do capitalismo como um meio, e não como um fim. Felizes os cidadãos que construíram sociedades onde isto sucedeu.
    PS: Tenho outros certificados para entregar. Se você não quiser o seu, não ficarei aborrecido com isso. Mas ele não ficará ali muito tempo.
    Um abração.

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  3. E por favor não me diga que nós não podemos mudar isso. É claro que podemos... nós, nossos filhos e nossos netos. Como é que você acha que os escandinavos fizeram isso? Esperando cair do céu? Estudando hipotéticas sociedades mais avançadas? Você disse que lá as leis são feitas para o cidadão... mas se esqueceu de dizer que o cidadão é quem fez as leis.
    Mais um abração, Jair...

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  4. Tá na primeira janelinha da esquerda, logo acima dos "Blogs prediletos" e às dez horas do nariz do Marx.

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  5. Infelizmente, as interpretações equivocadas deste distinto senhor foram responsáveis por algumas das piores coisas que ocorreram no séc. XX.
    Aos poucos, os equívocos foram sendo desfeitos pela história, mas na América Latrina, parece que ninguém gosta de ler livros de história.
    Assim, aqui ainda floresce o populismo, e expressões como "luta de classes", "burguesia", "governo do proletariado" ainda não saíram da moda.
    Enquanto isto, enorme é a fila para obter o visto do consulado americano, sem contar com os que se arriscam pela fronteira do México, tudo para tentar a sorte num país onde tais expressões só são vistas em filmes em preto-e-branco!
    Vade retro, Marx!

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  6. "América Latrina" é uma expressão forte... mas não deixa de ser emblemática.

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  7. Olá Barcellos!

    Excelente texto meu amigo...
    É verdade, "O poder corrompe, e umas poucas exceções só confirmam a regra"
    E neste cantinho à beira-mar plantado temos sentido isso na pele, bem como vocês nesse país maravilhoso, infelizmente...

    Meu amigo, visita este blog..., vê o que tem lá..., é lindo...:=)

    http://osestadosdealmacariciasyregalos.blogspot.com/

    Muito obrigada pelo carinho...

    Um beijo e boa semana.

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  8. Hola ,amigo Barcellos.
    vengo a visitar tu espacio y a aprender de lo que escribes.
    Tambien a darte gracias por el regalo ya que Alma me lo ha puesto en conocimiento ya..! ten por seguro que es un honor que tú puedas apreciar algo de lo que escribo...!!
    Pronto será una entrada en mi blog y posteriormente estará en el de Regalos ,donde estará siempre recordándome que personas como tú son tambien los que me dan fuerzas todos lo días con sus honores...!
    saludos

    Sergio

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  9. Hola, amigo Barcellos.

    No es tan común que reciba regalos y premios.... tampoco lo es que los coloque en una entrad... pero esta vez lo hice y al pedirme, en una de la consignas, que mencione blogs valiosos para Mi... yo pensé en el tuyo...!!

    Y lo hice de corazón...!!

    SERGIO

    P.D. Si no entiendes el idioma español... me dices y lo traduzco.

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