quarta-feira, 31 de março de 2010

Genética IV

Dominância, Mutação, Deriva Genética, O Gene Assassino, Células-tronco

Dominância

- Os cromossomos herdados do pai e da mãe emparelham-se nas células dos filhos, gene por gene. Cada gene tem seu par - seu homólogo, ou alelo. Alguns alelos são dominantes, outros recessivos e alguns são neutros. Assim, nos filhos híbridos, existe sempre uma relação de dominância entre os genes.
- Quando a dominância é completa, o alelo recessivo não se manifesta. Quando há co-dominância, ambos os genes se manifestam no fenótipo - as características físicas do indivíduo. Na ausência de dominância, ocorre uma mistura das características.
- Os Polychroma Rodrigensis ilustram perfeitamente essas relações. O alelo amarelo é dominante sobre o verde, e este é co-dominante com o branco. Já o branco e o preto produzem um híbrido cinza, pois nenhum dos dois é dominante em relação ao outro.

Mutação
- Mutação é uma alteração no código genético (DNA), provocada por ação química ou fenômenos físicos. Quando não afeta as células reprodutivas, a alteração não é transmitida à prole. Muitas doenças degenerativas, como o câncer, podem ser atribuídas a mutações somáticas.
- Vou aproveitar um gancho que o amigo Jair deixou na sua recente matéria sobre datação com C-14 para ilustrar as mutações. Vamos focalizar um tipo de mutação causada pela radioatividade presente no organismo.
- Grande parte de nosso corpo é apenas água. Sobram uns poucos quilos - carbono, nitrogênio, potássio e muitos outros elementos constitutivos da chamada química orgânica. Alguns desses elementos possuem isótopos radioativos naturais. Os que mais contribuem para a radioatividade do nosso corpo são o potássio-40 e o carbono-14.
- O C-14 é vinte vezes menos radioativo do que o K-40. Mas o potássio não faz parte da estrutura do DNA. O carbono, sim.
- Uns poucos gramas de carbono fazem parte do DNA de todas as nossas células. O C-14 contido em cada grama decai à razão de 1180 desintegrações por minuto. Cada decaimento significa uma mutação - o carbono vira nitrogênio. Sorte nossa que quase todas são inócuas ou levam à morte da célula, que é prontamente reposta por outra, sadia.
- Além disso, as poucas mutações potencialmente perigosas podem causar doenças degenerativas, mas só serão transmitidas à prole em condições muito específicas:
- 1. A mutação deve ocorrer numa célula germinativa - um gameta - ou na célula que a originou.
- 2. A mutação deve manter a compatibilidade com o alelo homólogo - o gene com o qual irá emparelhar-se na reprodução.
- Como as gônadas representam um milésimo do peso corporal e os gametas um centésimo do peso das gônadas... e se levarmos em consideração que menos de um milionésimo dos espermatozóides e um milésimo dos ovócitos estão envolvidos na fecundação, a chance de uma mutação genética parece muito remota. Mas a cada dia centenas de milhões de seres humanos se divertem na cama, e é inevitável que vez por outra aconteça um acidente genético. Vamos ver alguns desses acidentes.

Deriva Genética
- Dá-se o nome de Deriva Genética ao conjunto de mutações que afetam uma espécie. Inócuas ou mesmo nocivas hoje, podem ser úteis amanhã.
- O Polychroma Rodrigensis albino surgiu a partir de uma mutação numa única célula sexual de um exemplar da variedade amarela, que gerou quatro gametas. O gene modificado é co-dominante em relação ao verde. A nova variedade quase se extinguiu, pois os besourinhos brancos eram presa fácil para os pássaros; mas os híbridos, menos vulneráveis, garantiram a preservação da linhagem até que uma nova mutação - agora na cor dos troncos das bétulas - proporcionasse aos brancos um ambiente mais propício ao mimetismo. A deriva genética nesse caso foi favorável à nova variedade.
- A deriva genética em geral e o crossing-over na reprodução sexuada são os grandes arquitetos da biodiversidade - a riquíssima variedade de ambientes, seres vivos e suas inter-relações em nosso planeta.

O gene assassino
- No início do século XIX, apareceu nos laranjais da Bahia um tipo mutante de laranjeira que produzia frutos sem semente. Sem capacidade de reprodução autônoma, a nova variedade só sobreviveu porque os citricultores já utilizavam técnicas de estaqueamento e enxertio em suas fazendas e pomares. Esse é um exemplo de mutação prejudicial ao organismo modificado, mas útil à exploração comercial. Batizado de laranja-da-bahia, ou laranja-de-umbigo, o novo fruto - grande, suculento e saboroso - atraiu logo a atenção dos produtores. Eventualmente, quatro mudas foram gentilmente cedidas a pesquisadores norte-americanos, que foram fazer suas pesquisas nos laranjais da Califórnia.
- Outra mutação - desta vez numa população isolada de P. Rodrigensis verdes e amarelos - resultou num gene recessivo letal; quando não bloqueado pelo alelo dominante, produz uma toxina mortal e mata o inseto ainda na fase de crisálida. O gene assassino sobrevive nos híbridos e mata 1/4 da descendência, nas populações não isoladas.
- Quando o gene letal é dominante, ele mata 100% da descendência, e desaparece rapidamente da bagagem genética da espécie. É como um homem-bomba que não deixa seguidores. Mais esperto e insidioso é o assassino recessivo, que age como um "serial killer", sobrevivendo e multiplicando-se à custa do esconderijo proporcionado pelo gene dominante sadio dos híbridos.
- Para que um gene seja considerado letal, ele deve provocar a morte do organismo antes que este possa procriar. Um exemplo de gene assassino recessivo no ser humano é a doença de Tay-Sachs, que mata a criança por volta dos dois anos de vida, por paralisia generalizada.
- Há também doenças congênitas, relacionadas ao sexo, cujos genes ocorrem nos pares XX e XY dos organismos sexuados. Muitas vezes, a doença é transmitida do avô, através da mãe aparentemente sadia, para um filho que não teve a sorte de herdar o X protetor da mãe, ficando com o X recessivo...
- Na pré-história do nosso planeta, ocorreram pelo menos dois eventos de extinção em massa. Várias hipóteses foram aventadas como causa:
- Queda de meteorito? Mudanças climáticas extremas? Glaciações? Convulsões geológicas? Incluam na lista de suspeitos o gene assassino - que poderia ter atuado unicamente na base da cadeia alimentar, para provocar todo aquele estrago...

Células-tronco
- Quando um óvulo humano é fecundado, ainda a caminho do útero, os cromossomos trazidos pelo espermatozóide paterno emparelham-se com os do óvulo; os núcleos se fundem e agora temos um ovo - o protótipo de um novo ser. O ovo se aninha no útero e começa a dividir-se, alimentando-se inicialmente do vitelo - a grande massa de citoplasma que lhe foi legada pelos três ovócitos seus irmãos, sacrificados exatamente para isso.
- Na quinta divisão, já existem 32 células idênticas, mas o vitelo está quase esgotado. Começa então a diferenciação celular. Algumas células periféricas se especializam na produção de uma fonte de alimentos independente: elas se transformam em um tecido capaz de absorver nutrientes do corpo materno - a placenta. As células placentárias produzem também os acessórios indispensáveis, como o cordão umbilical e os filtros que isolam o sangue da mãe do sangue do embrião.
- As outras células embrionárias agora dispõem de alimento em abundância e começam também a diferenciar-se. As mais externas vão formar a pele, cabelos e unhas, as camadas intermediárias vão gerar músculos, ossos e tendões e as mais internas vão dar origem aos órgãos digestivos e genitais, ao aparelho respiratório e aos sistemas circulatório e nervoso. O mecanismo que comanda essa diferenciação ainda não é bem conhecido. Parece que a posição no embrião tem influência, entre outros fatores.
- Chamamos de células-tronco aquelas que ainda não sofreram diferenciação completa. Elas são classificadas de acordo com o tipo de células que podem gerar:
- Totipotentes: podem produzir todas as células embrionárias e extra embrionárias - são as 32 primeiras;
- Pluripotentes: podem produzir todos os tipos celulares do embrião, menos placenta e anexos - são as embrionárias;
- Multipotentes: podem produzir células de várias linhagens - células do cordão umbilical;
- Oligopotentes: podem produzir células dentro de uma única linhagem - medula adulta;
- Unipotentes: produzem somente um único tipo celular maduro - tecidos em geral.
- A técnica de reconstrução de tecidos com o auxílio de células-tronco abre perspectivas extremamente promissoras, mas esbarra em impedimentos legais baseados em considerações éticas, morais e religiosas. As leis variam de país para país.

- Encerro esta matéria declarando que sou leigo no assunto. Meu principal objetivo ao escrevê-la foi esclarecer minhas próprias dúvidas através da pesquisa que me obriguei a fazer. Se o resultado lhe for proveitoso ou despertar sua curiosidade, eu me considerarei recompensado. Disse.

quarta-feira, 24 de março de 2010

Genética III

Reprodução assexuada, reprodução sexuada e meiose

1. Reprodução assexuada
   Todos os unicelulares se reproduzem assexuadamente. Não existem protozoários ou bacilos machos ou fêmeos. Nas plantas a reprodução assexuada é também frequente.
   Há vários tipos de reprodução assexuada:
   Fragmentação - o organismo se parte espontaneamente ou por acidente e cada fragmento dá origem a um novo ser (algas, estrela-do-mar).
   Divisão múltipla – o núcleo da célula-mãe divide-se em vários núcleos, que dão origem às células-filhas. Estas são libertadas quando a membrana da célula-mãe se rompe (vários tipos de microplânctons do reino protista).
   Partenogênese - um óvulo não fecundado se desenvolve, originando um novo organismo. É um processo alternativo de algumas espécies sexuadas (abelha, formiga, alguns peixes, alguns répteis, alguns anfíbios).
   Bipartição ou cissiparidade - um indivíduo divide-se em dois com dimensões sensivelmente iguais (amebas, planárias, paramécios).
   Gemulação - num organismo formam-se gomos que crescem e originam novos organismos (hidra de água doce, levedura).
   Esporulação - formação de células reprodutoras - os esporos - que, ao germinarem, originam novos indivíduos (fungos).
   Estrobilização - formação de estróbilos (brotos em forma de pinha) que se soltam e dão origem a novos indivíduos (corais).
   Multiplicação vegetativa - nas plantas, as estruturas vegetativas, raízes, caules ou folhas, originam, por diferenciação, novos indivíduos. (cenouras, batata, fetos, briófilas).
   Apomixia - produção de sementes sem fecundação dos óvulos (amora-silvestre, dente-de-leão).
   Simplificando: a reprodução assexuada nos unicelulares se resume a uma mitose (ver postagem anterior); nos pluricelulares consta de várias mitoses e diferenciação celular.

2. Reprodução sexuada
   Vamos apelar uma vez mais para o nosso prestativo Polychroma Rodrigensis.  Ele é um inseto de metamorfose completa, cujas fases de crescimento se assemelham às dos humanos:
   1 - ovo            ovo
   2 - larva          embrião e feto
   3 - ninfa          criança e adolescente
   4 - imago        adulto
   O imago emerge da ninfa através de uma fenda que se abre na casca. A ninfa é também denominada crisálida, ou pupa. Eu detesto essa última palavra - ela tem ressonâncias paronímicas nada poéticas. Compare:
   - A ninfa que surgiu à luz...
   - A crisálida que se abriu...
   - A pupa que partiu...
   Portanto, envio essa palavra à clínica de minha amiga Graça, para que seja submetida a uma sonoterapia profunda.
   Mas o assunto é reprodução, e vamos precisar dos nossos P. Rodrigensis para melhor explaná-lo. Vamos falar de sexo - isso sempre dá ibope.
   Você já conhece o Leon. Agora, quero lhe apresentar a Leonor. Por sorte, Leonor tem um aparelho reprodutor semelhante ao das mulheres - incluindo um ovário, um oviduto que faz o papel de trompa e uma ooteca (bolsa de ovos) cuja função é parcialmente similar à de um útero. A diferença mais marcante é o número de filhos - Leonor tem uns vinte por "gravidez".
   Quando passam de ninfa a imago, Leon e Leonor já estão maduros para procriar. Seus órgãos reprodutivos - as gônadas - produzem constantemente espermatozóides e óvulos, respectivamente. Só que cada um destes gametas tem apenas um par de cromossomos - metade do normal... como?
   As células das gônadas têm, como as outras, dois pares de cromossomos, e se multiplicam incessantemente por mitose (v. artigo anterior). Mas quando maduras, sofrem uma divisão diferente, chamada meiose.

3. Meiose
   No início da meiose, os cromossomos se duplicam, exatamente como na mitose. Mas então acontece um fenômeno chamado entrecruzamento, ou "crossing over"; parece que os pares de cromossomos sabem que agora a separação será definitiva, e trocam presentes de despedida - pedaços do DNA, com os respectivos genes. Na ilustração ao lado, uma das duas células resultantes da primeira divisão, com os genes misturados.
   Mas a coisa não para por aí; cada célula sofre mais uma divisão, de modo que o produto final são quatro células, cada uma com dois cromossomos não emparelhados, e um pouco diferentes dos cromossomos "avós".
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   O Leon produz quatro espermatozóides, sendo dois X e dois Y, enquanto Leonor produz quatro ovócitos, todos X. Uma divertida animação sobre a meiose está em:

http://www.youtube.com/watch?v=iCL6d0OwKt8&NR=1

   Mas nem todos os ovócitos se desenvolvem. Para garantir alimento para o futuro embrião, em cada divisão um ovócito cede seu citoplasma ao outro e perde seu poder germinativo. Assim, a meiose na Leonor produz apenas um ovócito viável. Além disso, a meiose é interrompida na segunda divisão, e só será completada após a fecundação.
   Periodicamente, uns vinte ovócitos são liberados pelo ovário da Leonor (nas mulheres geralmente é um só), e com o novo status de óvulos seguem pela trompa em direção ao útero (ou órgãos correspondentes da Leonor).

   Se não for fecundado, o óvulo perecerá ingloriamente; mas o Leon cumpriu sua obrigação, e milhões de espermatozóides estão agora indo ao encontro do óvulo, lutando contra os cílios da trompa, disputando qual será o cavaleiro a salvar a donzela.
   Assim que o óvulo é fecundado, a meiose interrompida se completa e o último ovócito inviável degenera. O óvulo agora é um ovo. E como todos os óvulos da Leonor são X, o sexo dos futuros Leonardinhos ou Leonardinhas será definido pelo espermatozóide vencedor - X ou Y. E os machos sempre terão como marca distintiva a ponta dos élitros vermelha.

   Afinal, é importante saber quem manda no ninho...

   Um vídeo muito bom, em português, resume tudo o que já vimos:



   Pretendo encerrar a matéria na próxima postagem, tratando das células-tronco, da diferenciação celular, das mutações e do gene assassino. Até lá.

sábado, 20 de março de 2010

Genética II

   Cromossomos e mitose

   Cromossomos - retrospectiva histórica:
1842 - Karl Wilhelm von Nägeli observa cromossomos ao microscópio.
1863 - Gregor Mendel postula a existência de fatores genéticos, mas seu trabalho é ignorado por muito tempo.
1882 - Walther Flemming descreve o comportamento dos cromossomos.
1900 - Os botânicos K. Correns, E. Tschermak e H. de Vries redescobrem o trabalho de Mendel.
1910 - Thomas Hunt Morgan prova que os cromossomos são os portadores dos genes.

   Os cromossomos são os engenheiros que cuidam da construção do nosso corpo. Eles definem o projeto, distribuem as tarefas, fiscalizam as obras. Como eles fazem isso?
   Nosso corpo é formado por órgãos. Os órgãos são feitos de tecidos e os tecidos se compõem de células. As células são estruturas orgânicas microscópicas, mas complexas. Elas estão em constante processo de renovação, seja para sustentar a fase de crescimento do corpo, seja para regenerar órgãos e tecidos lesados, seja simplesmente para repor as células que morrem. Assim, células de cabelo produzem células de cabelo e células de sangue produzem células de sangue.
   Uma célula típica consiste de uma membrana externa, envolvendo um ambiente gelatinoso - o citoplasma - e um núcleo central. As células são formadas por proteínas, e estas por aminoácidos interligados.
   Dos 300 aminoácidos conhecidos, apenas 20 são utilizados no corpo humano, mas encadeando-se na ordem certa, às centenas ou milhares, esses 20 são capazes de formar todas as proteínas - desde a queratina do cabelo à hemoglobina do sangue. Mas como os aminoácidos sabem a ordem certa para entrar na fila e construir uma determinada proteína?
   A sequência de aminoácidos de cada proteína é codificada na sequência de bases do DNA, nos cromossomos das células. Vamos dar uma olhada nos cromossomos.
   O DNA tem uma estrutura parecida com uma escada em caracol. Os corrimãos são feitos de fosfato e açúcar, e os degraus de bases nitrogenadas, sempre em pares - Adenina com Timina, Citosina com Guanina. A Timina é substituída pelo Uracilo, no RNA, que age como capataz na formação dos aminoácidos. Cada conjunto de três degraus da escada codifica um aminoácido, sendo que cada aminoácido pode ter mais de um código, por exemplo:
   Alanina - GCU, GCC, GCA, GCG
   Lisina - AAA, AAG
   Metionina - AUG
   Triptofano - UGG
   Para sinalizar o início e o final de cada proteína, existem códigos de partida e de parada:
   Partida - AUG
   Parada - UAG, UGA, UAA
   Como o código de partida é o mesmo da Metionina, todas as proteínas humanas têm esse aminoácido em uma extremidade. Para o código completo veja:


http://pt.wikipedia.org/wiki/C%C3%B3digo_gen%C3%A9tico

   Como as coisas funcionam?
   O capataz (RNA mensageiro) recebe uma cópia da planta do engenheiro (cromossomo) e leva-a ao canteiro de obras (ribossomas), onde o mestre-de-obras (RNA transportador) comanda os serventes na escolha do material certo para a construção, manutenção ou reparos da obra, que dependem da renovação das células.
   Essa renovação se dá por duplicação: uma célula adulta se divide em duas menores, idênticas, que depois crescerão. O processo é comandado por um mecanismo chamado mitose, que duplica primeiro os cromossomos, separa as cópias em lados opostos da célula e só então a divide.
   A análise esquemática da mitose é mais fácil quando o número de cromossomos é pequeno. A samambaia tem 600 pares de cromossomos. O ser humano tem 23. A drosófila só tem 4, e por muito tempo foi a cobaia preferida pelos biólogos e geneticistas.
   Mas o nosso versátil Polychroma Rodrigensis tem apenas dois pares de cromossomos, e existe uma variedade que parece ter sido feita de propósito para nosso estudo.
   No P. Rodrigensis, o primeiro par de cromossomos define em seu código várias características somáticas. A sequência é ACE?, onde:
   A: tamanho das antenas: A= antenas pequenas, a= antenas grandes.
   C: cor da cabeça; C= amarelo, c= verde.
   E: cor dos élitros: E= amarelo; e= verde.
   (As maiúsculas designam o gene dominante, as minúsculas o recessivo).
   ?: características ainda não mapeadas.
   O segundo par define o sexo e é formado por cromossomos X e Y. Um par XX para as fêmeas, um par XY para os machos.
   Além disso, um gene dominante no cromossomo Y diferencia o macho da fêmea: todos os machos dessa variedade possuem a extremidade dos élitros vermelha.
   Vamos ilustrar a mitose com o nosso colorido macho - vamos chamá-lo de Leon.
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   Esta é uma célula do Leon. Pode ser de queratina ou de qualquer outro tecido - todas são basicamente iguais. O citoplasma está representado em amarelo e o núcleo - grandemente aumentado - em verde. Os genes herdados da mãe estão em vermelho; os azuis vieram do pai. Os cromossomos, no núcleo, estão em plena atividade, enviando mensageiros com instruções aos capatazes, como engenheiros no seu escritório com ar condicionado, sem se preocupar muito com o calor lá de fora.
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   Mas chega a hora em que é preciso duplicar o prédio, incluindo o escritório e os engenheiros.
  Primeiro, cessa a atividade de construção na célula. O núcleo exibe um cartaz: Fechado para reforma.
  Em seguida, os cromossomos se partem pelo meio dos degraus, separando a adenina da timina e a citosina da guanina. As duas metades ficam unidas em um único ponto - o centrômero.
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  As metades separadas absorvem do citoplasma, rico em bases nitrogenadas, as moléculas que complementam seus degraus partidos - adenina se ligando à timina, a guanina à citosina, e vice-versa.
   Depois de algumas horas, existirão quatro pares de cromossomos onde antes só havia dois.
   Há uma bela animação em


   O vídeo é em inglês, com legendas também em inglês, mas a imagem fala por si.
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   Nessa etapa, surgem dois centríolos que migram para polos opostos da célula. O núcleo começa a se fundir com o citoplasma, e os cromossomos se alinham no plano central da célula.
   Os centríolos lançam suas linhas de pesca, repetidas vezes, até fisgarem todos os cromossomos pelo centrômero.
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   Os pescadores puxam suas linhas e os centrômeros se partem. Conforme os peixes vão sendo puxados, a célula começa a se dividir.
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   Final da história: a célula se divide completamente e os núcleos se recompõem. Há agora duas células idênticas à original, inclusive nos códigos do DNA dos cromossomos. Naturalmente, são um pouco menores, mas logo crescerão, e seus engenheiros e capatazes vão tocar a obra que seus pais começaram...
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   Se você gosta de colecionar palavrões, anote os nomes dessas etapas: Interfase, Prófase, Metáfase, Anáfase e Telófase.

   Um bom vídeo em português sobre a mitose:

   Resumindo, o processo da mitose provê:

1 - Multiplicação de células na fase de crescimento;
2 - Regeneração de tecidos lesados;
3 - Reposição de células mortas;
4 - Em seres unicelulares, um mecanismo de reprodução assexuada.

   E como é que uma célula do sangue produz outra célula de sangue, e não uma célula nervosa? Afinal, todas carregam a mesma informação genética.
   Os cromossomos agem exatamente como engenheiros de uma mesma turma, com a mesma formação acadêmica. Após a festa de formatura, um vai construir túneis, outro pontes, o terceiro hidrelétricas... essa especialização começa ainda na fase embrionária e prossegue durante toda a vida. Para maiores detalhes:

segunda-feira, 15 de março de 2010

Genética I

   A pesquisa genética é antiquíssima, mas só obteve status de ciência com Gregor Mendel, que abordou em 1856 o estudo da herança genética a partir dos seguintes pressupostos, geralmente aceitos na época:

   a) O cruzamento de duas linhagens geneticamente puras deveria produzir híbridos com características de ambas as linhagens;
   b) O entrecruzamento desses híbridos deveria produzir uma progênie também híbrida.
   Mendel resolveu tirar a limpo essas idéias, com experimentos práticos.
   Para garantir a pureza das linhagens iniciais, ele escolheu duas variedades de ervilhas - uma de semente amarela, outra de semente verde. Essas variedades têm flores hermafroditas e se reproduzem por autofecundação, o que garante sua pureza. Também têm um ciclo reprodutivo rápido e produzem um número elevado de sementes, o que facilitava o prosseguimento das pesquisas.
   O primeiro problema era cruzar dois indivíduos que normalmente se reproduzem por autofecundação. Mendel emasculou as flores de um exemplar, amputando-lhe as anteras quando ainda imaturas e polinizando-as, após a maturidade, com o pólen da outra variedade - uma inseminação artificial. Depois, observou e anotou as características das sementes produzidas e plantou-as, deixando que as gerações seguintes se reproduzissem normalmente.
   Os primeiros resultados foram frustrantes, mas Mendel era teimoso e paciente, e após sete anos e 19.000 cruzamentos pôde enunciar as leis que fundamentam a genética moderna.
  A experiência de Mendel foi repetida e aperfeiçoada por inúmeros pesquisadores - usando outros vegetais, moscas (a famosa drosófila), ratos etc. Como não tenho espaço para cultivar vegetais e não gosto de moscas ou ratos, resolvi usar como cobaia um simpático besourinho da espécie Polychroma Rodrigensis. É um coleóptero virtual, sugerido por meu amigo Leonel, o que facilita muito as coisas. Vamos ilustrar com ele a experiência de Mendel:
   Como dissemos, Mendel achou intrigante o resultado, pois a partir da segunda geração obtinha sempre 3/4 de sementes amarelas e 1/4 de sementes verdes. Mas acabou deduzindo corretamente as causas dessa distribuição aparentemente sem sentido das cores.
   Segundo ele, cada indivíduo carrega consigo dois conjuntos de fatores, emparelhados entre si. Um conjunto provém do pai e o outro é herdado da mãe. Cada par de fatores do conjunto determina uma característica. A cor, por exemplo, é determinada por um par de fatores - um paterno e outro materno. Quando há conflito entre eles, um dos dois prevalecerá. No caso da cor da semente, o amarelo sempre dominará - seja ele de origem paterna ou materna.

   Como os P. Rodrigensis patriarcas são de raças puras, mas diferentes, é evidente que toda a sua prole será híbrida - com um gene de cada cor na sua bagagem genética - e nesse caso o amarelo assume o comando: é o gene dominante. O verde, chamado recessivo, não se manifesta, mas continua apto a ser transmitido na reprodução. É lógico que todos os insetos da primeira geração serão amarelos, apesar de serem todos híbridos.
   Cada um desses híbridos transmitirá um único gene - amarelo ou verde - à sua prole, e o resultado do entrecruzamento é mostrado na ilustração. É possível (mas improvável) que um casal isolado de híbridos produza só descendentes de raça pura, ou só híbridos, mas estamos tratando de cruzamentos múltiplos, com descendência numerosa. A distribuição mais provável, comprovada estatisticamente na prática, é de que metade dos descendentes serão híbridos (amarelos), 1/4 amarelos puros e 1/4 verdes puros.
   Observe que uma característica dominante não é necessariamente vantajosa. Segundo o Leonel, os P. Rodrigensis usam seu mimetismo natural como defesa contra predadores, e num ambiente verde os indivíduos verdes têm mais chances de sobreviver e procriar. Aos besourinhos amarelos resta o duvidoso consolo de serem um item importante na cadeia alimentar dos pássaros insetívoros, exatamente por serem em maior número... e amarelos.

   Nas próximas partes:
   a) Cromossomos, mitose e meiose.
   b) Reprodução sexuada e assexuada.
   c) Mutação: O surgimento do Polychroma Rodrigensis da variedade branca.
   d) O gene assassino.

quarta-feira, 10 de março de 2010

Mutação

  Recentemente, meu amigo Jair postou em seu blog pensador uma curta matéria tendo como título A Evolução Para Leigos (Como Eu). Curta que seja, sumaria com abrangência e competência a obra de Darwin. E como A Origem das Espécies foi escrita antes do nascimento da genética, eu tomo a liberdade de complementar aquele belo texto com informações sobre o papel da mutação nesse imbróglio. O Jair, generoso que é, vai me perdoar a intromissão.

  Na verdade, o título desta minha postagem deveria ser Mutação Para Diletantes (Como Nós). Mas detesto títulos longos. Também vou tentar simplificar a matéria, não só em consideração ao leitor, mas principalmente para não me embananar. A coisa toda é pra lá de complicada.
  A evolução darwiniana, para funcionar, exige diversidade de características entre os indivíduos da mesma espécie. Mas se a vida se originou de um único microorganismo capaz de autoduplicar-se, como surgiu essa diversidade? A resposta é mutação.
  Existem mutações somáticas, não hereditárias, e as que podem ser transmitidas à descendência. Vamos nos limitar às últimas.
  Imagine todo o texto de Darwin escrito em código Morse. Basta combinar dois símbolos - ponto e traço - em séries preestabelecidas, para representar toda a obra. Podemos mesmo transmitir o texto pelo telégrafo, e quem o receber poderá reconstituir todo o livro.
  É exatamente assim que os seres vivos se multiplicam. Em vez de pontos e traços, as proteínas que formam o organismo são codificadas em séries compostas por pares de bases nitrogenadas: Adenina-Timina, Guanina-Citosina. O conjunto forma a bela hélice dupla do DNA, em forma de escada torcida, que é capaz de duplicar-se, pela separação dos pares conjugados, como um zíper que se abre. Cada base solta absorve então do citoplasma as moléculas necessárias para formar seu par correspondente - incluindo os braços de açúcar e fosfato - e assim um zíper se transforma em dois, ambos com a mesma sequência de código do original.

  A mutação ocorre quando acontece um acidente, geralmente durante a duplicação, que provoca uma alteração definitiva no código genético. É como estática na transmissão do Morse - o texto fica truncado ou modificado.
  A maioria das mutações é neutra. Algumas são prejudiciais e umas poucas são benéficas. É aí que Darwin entra em campo e a Seleção Natural assume o papel de júri, juiz e carrasco. Mas essa história já foi contada pelo Jair.


  Se você achou esta matéria extensa ou indigesta, ponha a culpa no Jair. Ele saboreou a carne e deixou-me um osso duro de roer...


terça-feira, 9 de março de 2010

Apocalipse

   A síndrome do fim-do-mundo tem atacado a humanidade regularmente, a cada cem anos. Quando a passagem do século se transforma em passagem do milênio, essa doença atinge proporções de pandemia, com episódios de histeria coletiva. Mas como nada tem acontecido ultimamente, ela voltou ao seu caráter endêmico, para frustração dos profetas do apocalipse, que faturam alto nas épocas de maior virulência da síndrome.
   Mas sempre há surtos isolados, e para esses profetas cada ano é candidato a ser o palco do Armagedon. O mais cotado agora é 2012, quando supostamente termina o calendário maia...

   Eu não estou preocupado. Afinal de contas, foi necessário um bilhão de anos de evolução tranquila e sem grandes acidentes, antes que as amebas se transformassem em jornalistas e cineastas, para virem nos sobressaltar com suas profecias apocalípticas. Não vai ser em dois anos que isso vai mudar.
   Sem entrar no mérito artístico do filme, acho que seus realizadores pretendem faturar por muitos anos ainda. Esperem por uma série, quando 2012 estiver se aproximando do fim e nada acontecer...

domingo, 7 de março de 2010

Abobrinhas

CIÊNCIA PARA APAIXONADOS

   1ª. Lei de Newton: Um homem permanece em seu estado de repouso ou equilíbrio até que uma mulher venha perturbá-lo.
   2ª. Lei de Newton: A aceleração cardíaca no homem é proporcional à atração que a mulher exerce sobre ele.
   3ª. Lei de Newton: A toda paixão corresponde uma paixão igual e oposta.
   Lei da Atração Universal, de Newton: A saudade aumenta na razão inversa do sossego e na razão direta do quadrado da distância (enunciado clássico).
   Outro enunciado: Os corpos se atraem mutuamente na razão direta de sua proximidade (conhecido como enunciado da gravidez universal).
   Princípio de Arquimedes: Todo corpo mergulhado em saudade sofre um impulso de baixo para cima igual à expectativa da volta do ser amado.
  Outro enunciado: Todo corpo mergulhado em paixão sofre um impulso de cima para baixo igual à indiferença do ser amado.
   Postulado de Descartes: Amo, logo existo.
   Outro enunciado: Não sou amado, mas não desisto.
   Teoria do Caos : Dois corpos podem ocupar o mesmo lugar no espaço, se estiverem dentro de um fusquinha.
   Leis da Termodinâmica:
   Transformação isobárica: Quando a mulher quebra o gelo, o homem passa ao estado líquido (fenômeno do derretimento intantâneo).
   Transformação isotérmica: A um aumento da paixão no homem, corresponde um aumento do volume da barriga da mulher.
   Transformação isométrica: O volume não se modifica se a paixão e a temperatura não se manifestam.
   Princípio da Incerteza: Bem me quer... mal me quer... bem me quer...

********************
   - Pôxa! de Janeiro pra Março sua plantação de abobrinhas cresceu, hein!
   - Essa é outra, Lu... talvez vocês gostem mais dessas variedades daqui. Memem, me pegue o mapa aí no porta-luvas, por favor.
   - Epa! Tem um bicho aqui! Parece um vagalume dos grandes!
   - Um vagalume? Peraí... já sei que bicho é esse. Aninha, sai daí!
 
   - É uma fadinha!
   - É... é a minha netinha, a Ana Helena. Tá fazendo o que aqui, mocinha?
   - Desculpe, vô... eu acho que tava dormindo aqui...
   - Mas que idéia foi essa?
   - Eu vi quando você anotou as datas no mapa, ontem... e vi que você ia parar no meu aniversário, e achei que podia ver a festa de novo...
   - Puxa, meu amorzinho... eu nem lembrei que hoje tinha sido seu aniversário! Mas sua mãe sabe que você veio?
   - Ela também veio... tá encolhidinha naquele cantinho ali.
   - Aline! Nem tinha te percebido... também, com essa turma de bagunceiros...
   A "turma de bagunceiros" resolve que a fadinha é a mascote da viagem, e enchem a Aninha de abraços e carinhos. Ela fica toda dengosa e sorridente.
   Xipan interfere:
   - Mais kadê us "presenti-passadu" pra tudus nóis? Keruméu!
   - Esse dá um pouco de trabalho pra desembrulhar, Xipan... é preciso baixar uma pasta zipada, escolher um lugar pra ela e descompactar antes de tudo.
   - E dispois dessa trabaiêra, kekeu ganho?
   - Uma pasta contendo um programa executável - RBHades.exe - e os arquivos necessários para que ele funcione direito.
   - E pra que que serve?  - pergunta Déya,
   - Pra visualizar a posição dos planetas no zodíaco, em qualquer data que você escolher.
   - Mas a Internet tá cheia de programas que fazem isso... o que esse tem de diferente?
   - Me avisem quando vocês acharem na Internet um programa que mostre o zodíaco visto de Vênus, ou que te dê um calendário marciano...
   - Pera aí, Rodolfo... é aquele programa que calculou minha idade, meu signo e meu peso... se eu fosse marciana?
   - O próprio, Memem... ele ainda tá cheio de remendos e com uns "bugs" chatos, mas inofensivos. Já dá pra se divertir com ele.
   - Ah, eu vou querer! Como é que eu faço?
   - Clique no link abaixo, localize a pasta RBHades.zip e clique em "Download File". É rápido, são menos de 100 kb.
   - E depois?
   - Vá para sua pasta de "Downloads" e descompacte a pasta com a opção "Unzip" (ou "Extrair todos os arquivos"); abra a pasta descompactada e dê clique duplo em RBHades.exe - e siga as instruções de uso do programa. Se tudo estiver OK, saia do programa (use o menu principal, o X não funciona em certas plataformas) e crie um atalho para o RBHades.exe.
   - Parece complicado... - resmunga Tânia
   - Qualquer dúvida, leia o RBHades.txt. Ainda tenho muita coisa que melhorar no programa, e vocês podem me ajudar com suas perguntas e críticas.
   - Mas não tem um arquivo de instalação? - pergunta Si.
   - As próximas versões terão. Essa aí é tão simples que não achei necessário. Eu testei no Windows XP e no Windows 7, e tudo deu certo.
   - É? E nós, as BIOS da vida?
   - Bem, Rê... dependendo da versão da BIOS, talvez seja necessário um ASPONE ou mesmo um ASPONAN (ASPONE de alto nível) para ajudar...
   - Tábauuum... manda o link!
   - Aqui está:




************
   - Certo, moçada... hora de reabastecer e voltar.
   - Ainda tá faltando gente... acho que se perderam no tempo, quando acessaram aquele link...
   - Faz mal não, Jair... eles acharão o caminho de volta, nem que tenham que reiniciar o computador... e poderão, se quiserem, recomeçar a viagem. Cadê o Xipan?
   - Tá cochilando...
   - Me dêem uma garrafa de vodka... precisamos reabastecer o fusquinha.
   - Peraí... não é a plutônio?
   - Claro que não, Leonel! Onde é que eu ia arranjar isso?
   - Tem um posto de gasolina ali na curva. Você não disse que tinha adaptado o motor para FLEX?
   - É... Funcionamento a Líquido Especial do Xipan - FLEX! Cadê a garrafa que eu pedi pra reservar?
   Consternação geral... A Rê fala:
   - Xiii... parece que cabô tudo... tem uns pinguço distrambelhado dimais da -hic! - conta, sô...
   - E agora, seus esponjas? Estamos atolados no passado!
   - Pera aí, vô... acho que sobrou um pouco da minha festa... tinha gente lá que gostava dessa tal de vódoca...
   Aline concorda:
   - Tem razão, filhota... acho que tá nesse armário aqui... é, ainda tem duas garrafas cheias!
   Xipan, já acordado, dá seu pitaco:
   - Êta, famía de gente boa... tem bruxo legal, fadinha linda e estoque de vodka...
   - Aninha... você salvou a viagem! Reabasteça aí, Jair...
   - Pronto? Simbora... cliquezinho na data, por favor...



Painel do Tempo

sábado, 6 de março de 2010

JairTour SA

   Terminei recentemente uma excursão às cegas - isto é, sem qualquer idéia prévia das atrações turísticas ou culturais que fariam parte do pacote. Loucura? Talvez, mas não me arrependo. Além do mais, o preço era convidativo e eu recebi, a título de amostra, alguns folhetos bem interessantes, na forma de postagens no blog pensador do meu amigo Jair.


   A beleza e a profundidade dos textos mais recentes me convenceram a garimpar mais fundo naquela mina, e comprei passagem de ida e volta para uma viagem que me levaria desde o texto mais antigo até o mais atual. E valeu a pena.

   Foram dois dias de excursão, contemplando monumentos inesquecíveis. Resumo aqui os que mais me impressionaram:

   1- A série obsessiva sobre o tempo e seu caminhar inelutável;
   2- Os artigos percucientes a respeito da biologia e da ecologia;
   3- Os retratos vivos da Austrália, onde os ventos do destino levaram alguns de seus descendentes.

   Entre as muitas jóias raras, algumas bijuterias, mas sempre ostentando a marca ímpar do ourives, garantia de qualidade.

   A jóia principal desse acervo, a meu ver, é o artigo "O caminho do conhecimento", que exalta o valor da leitura, e de onde roubei a ilustração ao lado. Recomendo-o a todos os que valorizam os livros.

   Voltando à Austrália, fica-me uma dúvida: se a bandeira é azul, vermelha e branca, quem inventou o verde e amarelo das torcidas nos estádios? Que é bonito, é... parece que estão torcendo pelo Brasil. Fiz uma pesquisa na Internet; parece que essas cores vieram dos antigos uniformes dos primeiros times esportivos do país. Se for assim, a Austrália merece o título de democracia mais avançada do mundo - onde a opinião do povo sobrepuja meros símbolos, por mais importantes que sejam.

   Fica aqui minha homenagem a quem não me permite chamá-lo de mestre, mas me dá a alegria de chamar-me de amigo.

quinta-feira, 4 de março de 2010

O duelo

   Na esquina da Ary Parreiras com a José Botelho, no Vital Brasil, em Niterói, havia outrora um terreno baldio. Ali, há meio século ou pouco mais, ocorreu um duelo de vida ou morte. E eu fui a única testemunha. Eu conto:
   Indo para a casa de meus tios, cortei caminho pela estreita senda que atravessava diagonalmente o terreno, como sempre fazia. Era uma bela manhã de primavera, e eu observava a trilha para evitar alguma cobra, bicho comum na área. Mas deparei-me com algo bem diferente.
   Bem no meio do estreito caminho, uma aranha caranguejeira estava em atitude de ataque - as patas dianteiras erguidas, os palpos abertos, as quelíceras à mostra. Diante dela, uma vespa voejava em rápidos ziguezagues. Com seu corpo azul-metálico brilhando ao sol, parecia uma jóia voadora, e conquistou-me pela beleza.
   Eu sabia que as aranhas eram predadoras de insetos, e preparei-me para intervir no desigual combate, em defesa da minha favorita; mas ela se antecipou, e numa manobra inesperada mergulhou sobre a aranha, cravando-lhe no dorso desprotegido um longo ferrão; fez isso mais duas ou três vezes, e pousou a uma distância segura. Parecia estar aguardando o resultado de seu ataque suicida.
  A aranha estremeceu duas vezes e ficou imóvel.
  - Morreu! - eu disse comigo mesmo.
  A vespa caminhou até a aranha inerte e começou a puxá-la para fora da trilha. Ela era três vezes menor que a aranha, e levou algum tempo até conseguir atingir as touceiras de capim. E desapareceu com sua vítima.
   Fui tratar da minha vida, mas não pude deixar de pensar sobre o combate singular... singular nos dois sentidos.
  Tempos depois, lendo "O Livro da Natureza", de Fritz Kahn, travei conhecimento com os estranhos hábitos reprodutivos das vespas. Fiquei sabendo que algumas atacam artrópodes bem maiores que elas, não para matá-los, mas para paralisá-los. Elas depositam seus ovos no corpo inerte, e estes eclodem em larvas que se alimentam do tecido vivo. O curioso é que essas larvas evitam cuidadosamente danificar os órgãos vitais do hospedeiro; assim, garantem um estoque de carne fresca, até que estejam prontas para completar sua metamorfose como ninfas e crisálidas. Só então abandonam a carcaça inútil.
  Hoje eu sei que a minha bela se tratava de um tipo de vespa da família Pompilidae. Mas não lamento minha ignorância na época; ela me proporcionou três momentos de emoção.
   O primeiro, ao assistir ao embate e transformá-lo, em minha imaginação juvenil, em um épico de capa-e-espada que povoou meus sonhos por duas ou três noites;
   O segundo, anos mais tarde, ao descobrir por Fritz Kahn, que eu testemunhara não apenas uma morte, mas o sacrifício de uma vida em favor de outras.
   O terceiro por ter hoje a oportunidade de compartilhar com você uma experiência única... ou quase única.
   Talvez, se eu me deparasse hoje com uma cena idêntica, tentaria ajudar a pobre aranha a escapar de tão triste destino...
   Há um vídeo em


http://www.youtube.com/watch?v=R38-oaAj3OI


mas não se compara ao evento que presenciei.
   Hoje, no campo de batalha onde se desenrolou aquele épico, ergue-se um espigão de concreto. Lá habitam seres que também lutam, alguns por causas nobres e outros por mesquinharias. Mas a impressão que eu tenho é de que o mundo ficou mais pobre sem aquele terreno baldio...
   As imagens que busquei na internet não fazem justiça ao espetáculo a que assisti. A taxonomia mais próxima que consegui foi:
Reino: Animalia
Filo: Arthropoda
Classe: Insecta
Superordem: Endopterygota
Ordem: Hymenoptera
Sub-ordem: Apocrita
Super-família: Vespoidea
Família: Pompilidae
(Wikipedia)

terça-feira, 2 de março de 2010

O Clube

5- HMHMHMHMHMHMHMHM HMHMHMHMHMHMHMHM
4-  H M H M H M H M H M H M H M H M
3-   H   M   H   M   H   M   H   M
2-     H       M       H       M
1-         H               M
                 VOCÊ

   Esta é sua árvore genealógica nas últimas cinco gerações, desde os seus tetravós, a não ser que você tenha brotado de uma couve ou seja uma ovelha chamada Dolly.
   São uns 150 anos, contando sua idade. Seus ancestrais somam, nessas gerações:


1+2+4+8+16= 31 Homens e 31 Mulheres.


   Note que, se qualquer uma dessas 62 pessoas não tivesse tido filhos, você não existiria. Mas qual é a probabilidade de você existir?
   Vamos raciocinar: se seu pai e sua mãe tivessem, cada um, 50% de probabilidade de gerar um filho durante toda a vida, você teria 25% de chance de existir. Das quatro combinações possíveis, somente uma nos brindaria com sua presença neste mundo:


Mãe apta? Pai apto? Filho nasce?
   Não         Não            Não
   Não         Sim            Não
   Sim         Não            Não
   Sim         Sim            Sim


   Fica claro que a probabilidade do filho é igual à probabilidade do pai vezes a probabilidade da mãe. Em outras palavras, 50% x 50% , que dá 0,5 x 0,5 = 0,25, ou 25%, ou 0,5 à segunda potência.
   No seu caso, vamos considerar que a aptidão dos seus ancestrais para gerar vários filhos tenha sido de 100%. Eta família bem dotada! Só que para exercer esse dom, cada um deles teve que sobreviver em um mundo onde grassavam guerras e epidemias, e a mortalidade infantil era absurdamente alta. Muitas pessoas não chegavam à idade de procriar.
   Mas sejamos generosos e digamos que 99% atingissem essa idade. Então, qual é a chance de que 62 pessoas chegassem a ter pelo menos um filho cada uma?
   O cálculo é fácil: 0,99 elevado à 62ª. potência... o que dá 0,54, ou 54%. Parece que você escapou por pouco...
   Se avançarmos só mais uma geração, suas chances diminuem para 28%. Depois, 7,8%, 0,50% - e assim vai. Melhor parar por aqui...
   É claro que esse cálculo aproximado serve para todos nós. Somos todos sobreviventes, escolhidos, ganhadores.


   Bem-vindo ao clube dos premiados.


(Baseado numa passagem do livro "O Mundo de Sofia", de Jostein Gaard)

segunda-feira, 1 de março de 2010

Diva

Nos anos românticos de minha juventude, tive a sorte de tropeçar em uma pedra e torcer o tornozelo. Sorte? Sim, pois dois dias no estaleiro me foram suficientes para devorar boa parte dos romances de José de Alencar, que eu havia desdenhado até então como "literatura para moças". Naquela ocasião, enriqueci meu vocabulário sem nem desconfiar da origem dos novos termos - até ler Diva.

O Romantismo eclodiu na Europa no século XVIII. Defendia o nacionalismo literário e artístico. No mundo latino brotou outro caráter essencial: o da liberdade, na forma de liberalismo e de nacionalismo.
No Brasil, o movimento suscitou o indianismo e o individualismo. A arte linguística deixou de lado o latim e o grego, em favor dos falares plebeus e da idéia romântica de que “o povo é quem faz a língua”.

Coube a José de Alencar traduzir em suas obras a nova tendência. O resultado foi uma pletora de neologismos românticos, de sabor regional ou indígena, que pontilham sua obra. Só no romance Diva há dezesseis, comentados em nota pelo próprio autor: Núbil, escumilhar, pubescência, exale, palejar, rofado, gárceo, garrular, olímpio, elance, rutilo, roçagar, frondes, aflar, rubescência, fervilhar.

A maioria dos neologismos alencarianos são de caráter lexical. São poucos os considerados estilísticos - aqueles com que o autor procura exprimir de maneira inédita suas idéias. Iracema, O Guarani e Ubirajara contêm vários indianismos e O Gaúcho tem alguns regionalismos.

Alencar foi muito criticado na época, por se afastar dos padrões clássicos. Em 1873, o jornal O Globo foi palco de uma famosa troca de artigos entre Joaquim Nabuco e o romancista.

Segundo Nabuco, Alencar usava palavras pertencentes a “um dialeto desconhecido, que só se pode conhecer pelo nome dado às românticas reformas do Sr. José de Alencar - dialeto martiniano: saia toda rofada; um gárceo colo; as luzes palhejavam-lhe a fronte jaspeada; rigidez granítica; colear o talhe flexível". Outros termos alencarianos que foram alvo de Nabuco: rubescência (em vez de rubor); roçagar (arrastar pelo chão, em Diva; arregaçar, em Lucíola) “...o Sr. J. de Alencar toma as palavras que inventa... para exprimir duas idéias contrárias; também não se encontra [no dicionário] elance, que pertence a um jargão estrangeirado demais, nem palejar (basta-nos empalidecer)”.

Quanto a estrangeirismos Alencar replicou: “Desde que termos estrangeiros são introduzidos em um país pela necessidade e tornam-se indispensáveis nas relações civis, a língua, que os recebe em seu vocabulário, reage por uma lei natural sobre a composição etimológica para imprimir-lhe o seu próprio caráter morfológico. A pronúncia e a ortografia alteram-se, em alguns casos profundamente, mas sempre conforme leis fonéticas, estudadas por Jacob Grimm e seus seguidores”. Palavras proféticas...

Esta matéria é um resumo do que pode ser encontrado em:

http://www.gelne.ufc.br/revista_ano4_no2_16.pdf

Tenho uma dúvida: Qual é o significado do nome Iracema? Uma breve pesquisa na Internet me forneceu dois resultados:
1- Anagrama de "América".
2- Lábios de mel

A segunda interpretação me parece do tipo "Maria vai com as outras". Logo na segunda frase do romance lê-se: "Iracema, a virgem dos lábios de mel, de cabelos negros como a asa da graúna".
Esta frase encerra uma verdadeira aula de português: uma metáfora seguida imediatamente de uma comparação, o que propicia ao mestre demonstrar ao discípulo as nuances (nuanças, para quem não gosta de galicismos) da língua. Entre as duas interpretações, o anagrama me parece mais plausível.

Mas uma análise dos vocabulários indígenas na própria rede fornece:
Ira- Mel, ou abelha
Pira- peixe
Ara- Ave
Aracema- Bando de aves

Por analogia (não encontrei nos vocabulários):
Piracema- Bando de peixes, cardume. Abundância de peixes.
Portanto, Iracema = Abundância ou fonte de mel.

Quem souber, por favor me diga. Obrigado.