domingo, 16 de janeiro de 2011

Déjà vu

QUOUSQUE TANDEM?

Estou cansado de reeditar este artigo, ano após ano!

Esta é a sétima edição!

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Depois da tempestade vem a enxurrada

Escrito em junho de 2005*, este artigo foi em grande parte inspirado pelos trágicos efeitos das tempestades daquele ano, não só no Brasil como no resto do planeta. Mais de quatro anos depois, nada mudou... ou mudou para pior.
* e reeditado, com adaptações, em 2006, 2007, 2008, 2009 e 2010 (já neste blog).
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INUNDAÇÃO
Chuva, chuva, chuva. Lembrei-me dos aguaceiros que castigaram S. Paulo, Rio, Belo Horizonte... cidades grandes e pequenas pelo Brasil afora. Famílias que perderam tudo... vítimas fatais ... tristeza e prejuízos. Cobranças às autoridades, explicações e desculpas... e tudo se repete, ano após ano.
Dizem que o problema é falta de escoamento, por causa de bueiros entupidos e lixo acumulado nos canais. Besteira. Isso é jogar pra cima da população a responsabilidade pela incompetência dos engenheiros municipais e dos secretários de obras. Na verdade, a grande maioria dos problemas é causada pelo excesso de escoamento. Isso mesmo - excesso de escoamento. Você não acredita? Bem, deixa eu explicar.
As maiores inundações são causadas por chuvas torrenciais que causam uma precipitação pluviométrica (calma, já vou traduzir) de uns 200 milímetros, no máximo, em 24 horas. Isso quer dizer que, se não houvesse nenhum escoamento, se cada gota de chuva ficasse onde caiu, cada rua, ao fim das 24 horas de tempestade, teria apenas um palmo (200 mm) ou menos de água. Além disso, não haveria enxurradas, que são a principal causa de desabamentos e afogamentos. Em S. Paulo, o Tietê e o Pinheiros subiriam apenas 20 centímetros, assim como o canal do Mangue no Rio, e outros escoadouros.
Obviamente, os telhados também ficariam com seus 20 cm de água acumulados, assim como as calçadas, praças e jardins. Mas qualquer telhado bem feito resiste a uma pressão de 200 mm de água.
É claro que é impossível querer obrigar cada gota a ficar onde caiu (*); mas é perfeitamente possível controlar o escoamento de modo a reduzi-lo a um nível que evite os grandes problemas acima citados. A água demoraria um pouco mais a baixar - talvez dois ou três dias - mas a cidade e seus habitantes teriam trocado uma calamidade pública por uma inconveniência de consequências mínimas.
Portanto, Srs. Prefeitos, secretários e engenheiros, parem, por favor, de gastar nosso dinheiro aumentando o fluxo do escoamento pluvial. Tratem, isso sim de procurar meios de reduzi-lo e controlá-lo. Desde já, eleitores e cidadãos agradecem.


(*) Esse efeito pode ser observado nos lugares e épocas do ano onde cai neve, em vez de chuva. Cada "gota" - ou floco - permanece onde caiu, e os problemas maiores são causados pelo frio e pelo volume acumulado da precipitação (muito maior em forma de neve do que em forma líquida). Quando chega a primavera, o degelo é lento e o escoamento não causa maiores transtornos.
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Hoje, às vésperas do Ano Novo, as notícias dão conta de mais onze vítimas fatais das chuvas que castigam o Rio. Serão mais, talvez. Mas como controlar o fluxo do escoamento? Sugiro um estudo em quatro etapas:
1 - Identificar e mapear as "minibacias pluviais urbanas" - os canais naturais ou artificiais do escoamento, definindo seus "divisores de águas" (acho que isso já existe);
2 - Selecionar uma ou duas minibacias adequadas a um programa de controle de fluxo;
3 - Efetuar as obras públicas necessárias e incentivar os proprietários dos imóveis a adaptá-los ao programa. As áreas impermeáveis serão priorizadas;
4 - Aguardar a próxima época de chuvas torrencias, fazer o levantamento estatístico dos resultados, divulgá-los e partir para o abraço - ou para a reeleição.
As obras públicas e particulares necessárias seriam simplesmente a coleta da chuva através de calhas e canaletas, conduzindo o fluxo total a reservatórios apropriados, dos quais seria liberado o fluxo controlado. Um imóvel com área impermeável de 1.000 metros quadrados (um condomínio vertical de porte médio) necessitaria de um reservatório com capacidade para apenas 100 metros cúbicos de água para controlar um débito de 100 mm/dia. Os engenheiros sabem como fazer isso.
É claro que isso não é uma panacéia, e só se aplica na prática a áreas de alta concentração urbana e baixa permeabilidade. Mas imagino que um prefeito mais interessado nas próximas gerações, e menos nas próximas eleições (eu tenho uma imaginação delirante, às vezes) possa fazer alguma coisa a respeito.
Que tal as minibacias que deságuam na Praça da Bandeira, aqui no Rio?

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Adendo à edição de 2011: Desta vez tragédia foi maior e se concentrou em outras áreas, mas as causas continuam as mesmas: DESCASO CRIMINOSO DAS AUTORIDADES.
Onde os planos emergenciais? Onde o plano de coordenação da Defesa Civil com outros órgãos públicos? Cadê o combustível para os helicópteros? Médicos, paramédicos e enfermeiros, onde? Aliás... e os hospitais? Onde os há, que é dos leitos? Onde foram parar os equipamentos indispensáveis?
E, por favor... quantas vezes ainda terei que reeditar este artigo doloroso? Se nos primeiros anos o sentimento era de indignação este sentimento veio se transformando através dos anos: raiva, frustração, impotência, desilusão... mas nunca desesperança! Quando a esperança deixar de existir, eu pousarei minha pena impotente - nunca antes!

12 comentários:

  1. Ah Bruxo, amigo amado, como eu desejaria poder dizer que nunca mais terá que reeditar essa postagem... tragédia(s)...Bem sabes da minha fé, da "crente" que sou...mas anda difícil manter essa chama acesa...ainda mais com todas essas questões que vc, tão apropriadamente, levanta: cadê??? Estou nesse exato momento assistindo as últimas imagens e me agarro na imagem do salvamento (milagre) de um homem e uma criança...agarro na esperança, mas somente ela não aplaca minha ENORME tristeza desilusória.
    Beijuuss n.c.

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  2. Barcellos,
    Entendo que você, como nós outros, sente-se indignado com tanta incompetência cujo efeito final é pimenta no dos outros. Às vezes me abstenho de fazer textos assim porque sei que estou pregando no deserto, é mais frustante falar, falar e falar e ver que nada acontece do que calar-se e se indignar em silêncio. Espero que algum dia, alguém leve a sério teu grito de alerta e faça alguma coisa para amenizar o potencial de desastres que ronda nossas áreas urbanas. Abraços, JAIR.

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  3. Barcellos, além destes mesmos problemas que você vem exaustivamente citando, parece que não existe um manual de procedimentos de logística para lidar com os donativos e distribui-los de forma rápida e eficaz!
    Um grupo de famílias isoladas recebeu uma baita caixa cheia de...escovas de dentes! Parece que ninguém montou um centro de seleção e triagem, para separar kits individuais de higiene ou de alimentação!
    Um enorme desperdício de recursos enviados!
    Acho que o Jair talvez tenha razão em se abster de falar, pois dá até raiva, de tanto ver demagogia e incompetência!
    Seria o caso de montar cozinhas de campanha, em galpões, para servirem diariamente refeições, preparando os alimentos doados, para os que estão em abrigos coletivos. Já para os isolados, os helicópteros lançariam kits individuais com alimentos prontos para consumo, como enlatados e biscoitos, etc...
    Que bom se as pessoas responsáveis (existem?) se preparassem para não repetir os mesmos erros na próxima catástrofe...
    Que, infelizmente, virá!

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  4. É lamentável saber que todos os comentários aí estão perfeitos. Ano que vem você estará infelizmente reeeeeeeditando essa postagem e tudo estará como sempre, feito uma nau desgovernada num mar de lamas, literalmente.

    Aqui em Alagoas só em junho o pessoal da enchente de junho passado vai receber suas casas. Aí terá inauguração, tudo bacaninha, porque é uma obra visível, né? Vale a pena investir porque a inauguração ganha o noticiário. Enquanto isso eles ficam lá, morando em barracas.

    Calo-me!
    Beijos.

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  5. Amigo Bruxo Ráry Prótys Barcellos....

    Tô enxarcado de ver isso.... Tu acredita que vi algo inusitado ocorrendo nas margens do agora pomposo rio Tietê !!! alguns km´s abaixo... Catadores de reciclado se empanturrando de alegria com a enorme quantidade de "Garrafas PET" deixadas na margem engordando o orçamento destes!!! Será que ainda há alegria NISSO ?

    Abraços tristes e envergonhados
    Tatto

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  6. Tatto, eu li uma vez uma frase que dizia que "o homem é o lobo do homem".
    Com esse fato, e mais os preços que alguns comerciantes estão cobrando pela água e pela alimentação em armazéns da região serrana do Rio, podemos dizer que também o homem é o urubu do homem...

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  7. Amigos, há um artigo homônimo no Quiosque do Pastel que é de autoria de Marcos Santos. Enquanto eu desanco os políticos aqui, ele cai de pau na mídia lá. Vale a pena conferir em Quiosque do Pastel - Déjà Vu. Obrigado pelos pitacos, sempre pertinentes. Abraços.

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  8. Todo Janeiro é a mesma coisa... Os morros se desfazem de tanta chuva, as autoridades prometem mundos e fundos, enquanto a ajuda não vem todo mundo se solidariza, o que dá para amenizar a gente ameniza e de quatro em quatro anos conclui-se que o brasileiro tem memória curta.
    É, Barcellos, melhor deixar essa tua crônica de 'stand by' aqui no blog porque ano que vem tem repeteco...
    Beijos!

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  9. Olá Barcellos!

    Fui lendo seus comentários nos blogs amigos que visito e foi crescendo a curiosidade de conhecer sua obra, seus poemas, esse dom de comunicar como se fosse fácil e ao alcance de qualquer um.
    Não sei comentar poesia, mas tenho me deliciado com o que aqui leio e aprendo.
    Assim vou continuando a ler e a aprender se me der permissão.

    Hoje, lendo a reedição deste artigo e porque tenho acompanhado a informação disponibilizada pelos media sobre a catástrofe que tem ceifado tantas vidas e outras tem deixado sem nada, muito humildemente venho deixar meu kandando sentido a todos vós que vivem essa realidade, minha indignação perante os responsáveis que nada fazem para minimizar o que já se sabe, se repetirá.
    Será, como muitas vezes acontece deste lado do atlântico, que por detrás do que não se realiza de obra, estão outros interesses?

    Kandandos e uma óptima semana.

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  10. - Seja muito bem-vindo, Kimbanda. É um prazer recebê-lo no meu cantinho - que os amigos me ajudaram a construir e não permitem que eu chame de humilde...
    - Sim, sempre haverá interesses baixos nessas ocasiões...
    - Abraços a atravessar (de volta) tanto mar...
    - E obrigado a todos pelos comentários.

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  11. Barcellos , Meu caro!

    Muito Bacana o seu Blog. li alguns Poemas e Gostei. é um Grande Prazer Estar aqui com voce

    Um Grande Abraço!

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  12. Que tristeza, só isso!

    Deixo um beijo especial. E obrigada pelo carinho que deixas sempre em meus cantos!

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