domingo, 10 de julho de 2011

Poetismos


     Em Arte, e principalmente tratando-se de Poesia, não sou amigo - e pouco entendo - de "ismos". Classicismo, Romantismo, Impressionismo, Expressionismo, Surrealismo, Simbolismo... prefiro falar em "Poesia Clássica" e "Poesia Moderna". Quem quiser se aprofundar no assunto, faça sua pesquisa ou visite o Balaio da Si.
     Houve tempo em que, ao ler um poema dito "de vanguarda", eu ficava cheio de dedos para falar sobre ele... porque ele não me dizia coisa com coisa. Que mania que têm esses poetas vanguardistas de usar hipérboles, jogos intrincados de palavras, alegorias nebulosas, metáforas inescrutáveis, figuras de pensamento exóticas... e eu, quando perguntado, para não passar por ignorante dava uma opinião neutra - ou seja, vazia de conteúdo.
     Bem, com o tempo aprendi que esse tipo de poesia é como um quadro de Picasso: busca transmitir diretamente emoções e não mensagens sobre elas, que devem passar pelo crivo mental da análise e da interpretação. E cada leitor vai reagir de modo diferente, conforme se sentir tocado (ou não) pelo verso do poeta.
     Não se sinta, amigo, frustrado - e muito menos ignorante - quando não entender o sentido de um poema moderno. Eu entendo às vezes e às vezes não entendo. E não esquento a cabeça, pois sei que o que eu entendo ou não entendo hoje é diferente do que entenderei ou deixarei de entender amanhã.


     Uma criança olha o famoso Guernica, de Picasso, e pensa: "Eu desenho melhor que esse cara".
     Volta anos depois, já adolescente, e sente uma angústia profunda e inexplicável ao contemplar a mesma obra.
     Tempos passados, forma-se em História. E ao aprofundar-se sobre a Guerra Civil Espanhola, pensa ter decifrado o enigma do grande painel.
     Já adulto,  lendo ao acaso a biografia de Picasso, inteira-se da famosa resposta do pintor ao oficial nazista que o interrogava. E vê a obra com uma profundidade nova e pungente.
     E cada uma dessas reações é válida... pois é baseada em emoções.
     É assim a poesia moderna. Só que, em vez de traços e cores, usa palavras e expressões para obter um efeito similar.
     Mas... como prometi à amiga Lu, deixo aqui em versos a impressão que me trouxeram os capítulos do seu "Re(cantos) de Mim". Tentei obedecer à ritualística da poesia de vanguarda, mas não garanto nada - amanhã provavelmente os lerei com outros olhos. E afinal meu melhor estilo de versejar ainda é do tipo "Batatinha quando nasce"...


Poema em Oito Recantos


     Recanto I - Pérolas de Maresia
     Emoções e sentimentos vividos pela poetisa são aqui retratados como praias e oceanos, caramujos e conchas marinhas. 
Meus passos traçam linhas paralelas
Na areia molhada, com os teus;
E lá nossos rastros ficarão pela eternidade
Que existe entre duas marés cheias.


     Recanto II - Lágrimas de Prata
     Os sentimentos e emoções transcendem agora os limites do oceano e assumem um caráter mais sensual, abarcando o tempo e o espaço, espalhando-se por todo o universo.
Encho a taça do desejo, a transbordar,
Com a espuma dourada da lua crescente. E brindo.
E tu brincas com Órion, cabra-cega e amarelinha...
Brindo à tua beleza. E rezo a Urânia para que atrase
O cometa em que iremos retornar.
E brindo.


     Recanto III - Vitrais
     É o recanto central da alma da poetisa. Cada poema é um brinquedo, um objeto de decoração, disposto em torno de Cynthia.
Cacos coloridos,
Cristais colados,
Caleidoscópio cintilante,
Cantos cortados,
Coplas quebradas,
Cercam o centro do
Capítulo:
Cynthia.


     Recanto IV - Solstício de Verão
     Pedaços de sonhos, pontes fugidias entre o real e o imaginário, desejos e esperanças...
Lembranças do que nunca foi.
Saudades do que nunca virá.
Vivências do que nunca é.
Assim és tu.
Fadas e duendes.


     Recanto V - Abismos
     Encontros e desencontros, encantos e desencantos entre mulher e homem, paixão, ternura, dor...
Do conúbio raro entre o juízo e a loucura,
Do incesto místico entre o sonho e a fantasia,
Da aliança espúria entre o amor e o sexo,
Nasce, nua e crua,
A realidade.


     Recanto VI - Alquimias
     O pecado da gula é aqui descrito tão realisticamente que este recanto foge ao "modernismo" que tempera toda a obra. Mas afinal, o paladar é um dos cinco sentidos... e pode também desencadear diferentes emoções...
Ela estava em dietas
Ou grávida do poema maior.
Desejos divinos,
Fome fecunda,
Prenhe de versos!


     Recanto VII - Menina dos Olhos
     Prossegue e cresce a saga do Recanto III, agora com ênfase na transformação dos sonhos em realidades e na cristalização das expectativas.
Suspensa nos sonhos,
Ausente do Espaço,
Perdida no Tempo,
Nasce e reluz
Tua verdadeira Luz.


     Recanto VIII - Sinfonias
     A poetisa tece aqui uma colcha de retalhos, como um "pot-pourri" de breves trechos das emoções anteriores. Como se as reminiscências dos acontecimentos do dia desfilassem confusamente ante nossa consciência, quando o sono vai chegando.
Repetem-se as tocatas
Em doce diminuendo
Em notas soltas, livres
Gran finale!


     Se o leitor amigo tiver a oportunidade de ler o "Re(cantos) de Mim", certamente terá reações emotivas diferentes das minhas. É assim mesmo; mas aposto que serão tão ricas como foram as minhas. Quanto ao valor literário da obra, é assunto para os "istas". Eu sou apenas um poeta. Um poeta menor.

15 comentários:

  1. RR, meu amigo de tantos versos e re(versos)...

    Realmente eu não esperava todo esse esmero com minha obra que ora é vista contemporânea, ora concretista onde metáforas e hipérboles descansam a meio fio de meus cantos.

    Sinceramente? Fiquei encantada com tua capacidade de transmissão à flor da pele descrevendo cada capítulo do livro e versejando sem nunca perder esse teu romantismo velado e muito bem delineado de teus sonetos e estrofes, quiçá de teus comentários - que são sempre muito pertinentes e inteligentes.

    Meus poemas são abstratos e trazem na face o surrealismo, a magia e o transcender do ser humano e universo. Mas não fique surpreso não, porque muita gente não entende o sentido, a essência no subtexto dos versos, e nem precisam. A arte como você bem disse, vem do interior do artista e nem sempre aparece desmascarada. Essa pintura de Picasso, por exemplo, nada diz a mim. É somente uma pintura avessa. Da mesma forma meus poemas podem parecer um amontoado de frases. Essa é a magia da mescla que na linguagem popular pode traduzir-se em:
    o que seria do azul se todos gostassem do vermelho. Pois não?

    Fico-lhe super agradecida e bem contente em sentir tua expressão tão bem descrita sobre meus Re(cantos).

    Se me permite vou colar no Retratos essa jóia de interpretação que é um presente pra mim.
    Com afeto

    beijo nas mãos

    Lu Cavichioli

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  2. Barcellos,
    Concordo com a emoção quando se trata de arte, qualquer expressão de arte. Como sou meio pintor de óleo sobre tela, consigo sentir com mais facilidade a arte pictórica, mas, por outro lado, tenho muito mais intimidade com as letras, daí, que poesia dita concreta faz uma cócega em meu cérebro que não sei definir o que é, mas se parece com uma compreensão embutida, tímida que não se quer apresentar à luz do sol. Alguma coisa assim como: "isto que estou lendo é muito bom, mas não sei dizer porque". Espero que não me tenha tornado muito confuso, se fui, debite na conta que tenho dificuldade em expressar as emoções que sinto, desculpe. JAIR.

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  3. Barcellos, eu é que não entendo nada de "ismos", mas gostei muito da sacaneada que o velho Picasso deu no nazismo, ou melhor, no nazista.
    Da mesma forma que o Jair falou (sempre me antecipando!), eu às vezes gosto do que vejo mesmo sem saber porque. Neste caso, sem entender do assunto, eu vejo algo de bom e bonito que fizestes sobre os temas da Lu.
    Abraços!

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  4. Também não sou chegada em "ismos",aliás, compreendo nadinha deles. Gosto mesmo é de deixar fluir sem que me seja dada muita explicação acerca disso, do que me tomou de assalto a emoção.

    Lindeza de homenagem à Lu.
    Beijos aos dois.

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  5. Meu querido Rodolfo,

    Antes de tudo, caríssimo, queria dizer que esta sua análise (acurada, por sinal!) de toda a obra Re(cantos)de Mim teve, sim, foi o prazer de me encantar!\o/

    Primeiro, porque sou das leitoras que tanto interpretam apenas com a emoção, como ainda interpretam com essa infinidade de "ismos" que você tão bem colocou! Leciono literatura há mais de trinta aninhos...(mas não conta pra ninguém esse "pequeno detalhe", viu? senão, já sabe: vão adivinhar minha idade...rs)

    E segundo, estou aqui, lendo e relendo cada capítulo que você delineou, tão magistralmente, em forma de Recantos! E aprendo a cada leitura feita, amigo, porque você conseguiu captar a essência de cada um deles...aliando inteligência e emoção...e isso, meu querido, não carece que se entenda de "ismos"!...Não mesmo!Esses, foram feitos para a didática, e nós que lecionamos é que temos o dever e obrigação de conhecer muito bem esses conceitos literários.
    Ainda assim penso que é sua 'modéstia cavalheiresca' que não permite que você nos revele seus grandes conhecimentos nesse campo!...

    De todas as formas, quero é agradecer a você por essa 'aula' que hoje me deu.
    Rodolfo Barcellos, literatura é isso que você fez aqui:

    - ensinou a analisar...
    mas principalmente,
    - ensinou a "sentir"!

    Um grande abraço, querido amigo, hoje e sempre.
    Graça L.

    Nota: estou tendo dificuldades em postar e comentar- blogger não permite! - por esse motivo estou atrasada com as minhas impressões que prometi à Lu! vou eleger também um ou dois poemas pra comentar...lá nos Botões!

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  6. Mesmo que as pessoas mudem e suas vidas se reorganizem,
    os amigos devem ser amigos para sempre,
    mesmo que não tenham nada em comum,
    somente compartilhar as mesmas recordações,
    pois boas lembranças são marcante,
    e o que é marcante nunca se esquece! Uma grande amizade
    mesmo com o passar do tempo é cultivada assim!
    Vinicius De Moraes
    Uma feliz semana aceite com carinho
    minha mensagem.
    Deus esteja sempre presente na
    vida de todos nós beijos no coração,Evanir.

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  7. DEPOIS DE UMA CERTA IDADE RESOLVI SENTIR ..SENTIR TUDO,QUANDO OUÇO UMA MUSICA QUERO SENTIR O QUE ELA ME DIZ..NÃO ME IMPORTA SE É UM GRANDE NOME QUE CANTA OU UM OUSADO AMADOR QUE GRAVOU SEU CD EM UM DESSES ESTUDIOS DE ALGUM CANTO ..QUANDO VEJO UM FILME NÃO QUERO SABER QUANTOS OSCARS ELE GANHOU QUERO SABER QUANTOS SUPSIROS ELE ARRANCOU DE MIM..QUANDO LEIO UM LIVRO PODE SER AQUELE LA DA PRATELEIRA QUE NINGUEM LOCA A UNS MESES ANOS..QUERO SABER SE ELE ME DA VONTADE DE PASSAR MADRUGADA LENDO,QUANDO LEIO UMA POESIA OU UM TEXTO QUERO SABER SE SE TOCOU O CORAÇÃO NÃO IMPORTA PALAVRAS DIFICEIS USO O DICIONARIO E CONSIGO SABER O QUE O POETA UIS DIZER ..MAS TEM QUE TER EMOÇÃO SABE POR QUE : A EMOÇÃO NÃO TEM COMO ACHAR EM NENHUM LUGAR ELA SAI DO CORAÇÃO DO POETA E PASSA DIRETAMENTE PARA NOSSOS OLHOS DEPOIS PRO NOSSO CORAÇÃO TAMBEM..

    GOSTO DE LER POESIAS .ESSAS DIFICEIS DE ENTENDER OU FACEIS DESDE QUE TENHA EMOÇÃO

    GOSTEI DESTA PARTE AQUI

    Meus passos traçam linhas paralelas
    Na areia molhada, com os teus;
    E lá nossos rastros ficarão pela eternidade
    Que existe entre duas marés cheias..

    e gostei dos outros tambem


    abraços


    OTILIA

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  8. Olá Amigo Rodolfo!

    Desculpa a minha ausência, mas os exames de Direito deixam-me sem tempo... é só estudar e pouco mais!
    Prometo aceitar a tua sugestão quando o tempo me permitir.

    Um beijo enorme meu amigo.

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  9. Barcelos não entendo nada de ismos também. Nunca estudei sobre isso.
    Só sei se o que leio é bonito e transmite beleza.
    O que escreveste aqui para mim ´pe de muiiita beleza amigo e isso tenho ceteza
    "Meus passos traçam linhas paralelas
    Na areia molhada, com os teus;
    E lá nossos rastros ficarão pela eternidade
    Que existe entre duas marés cheias".

    Lindo Parabéns!!

    Carla

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  10. Vc é dotado de uma inestimável capacidade de aceitar os pontos de vista dos outros...por ser intelectual...
    Bjs de boa noite prá ti querido e muito amado pelos blogueiros...

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  11. Amigo,

    ainda sob efeito do calor da emoção que causaste, vim dizer-te que a resposta a teu Soneto-coment está lá, logo abaixo...é só dares uma outra passada pelos Botões que verás!
    Um abraço grande, do tamanho do teu coração, gentil e instruído poeta!
    *Agradeço aqui no teu nobre espaço também: mil vezes grata!!

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  12. Magnífica postagem, amigo Barcellos!
    Demais!
    Identifiquei-me sobremaneira, até porque também não entendo de ismos...
    Só sei que são lindos os versos, ah, isto, são...
    Agora vou ao blog indicado.
    Grata!
    Um abraço.

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  13. Barcellos,

    És poeta o tempo inteiro
    Nas palavras
    E até no nome de uma dama que é flor
    Que levo comigo
    Sua cor e o seu cheiro
    Seja no dia ou na noite
    Pela vida, que é tempo ligeiro.

    Beijos,
    Carla

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  14. Rodolfo.. Foi com muita alegria que li esta sua postagem.
    Primeiro pela sua aula magnifica, que pra mim foi um grande aprendizado.
    Sinceramente eu não sabia a diferença entre poema e poesia. Ia procurar no google..rs mas agora sei...
    Segundo...as vezes leio um poema, acho lindas as metáforas e a colocação das palavras. Mas não entendo nada..
    E ai Como comentar. As vezes fico receosa em faze-lo..
    Agora você me tranquilizou..rs
    O que dizer dos poemas da Lu.. ela escreve lindamente, usa muitas figuras de linguagens , e toca meu coração..
    Parabéns mais uma vez a sua sensibilidade e talento. O que dizer da nossa querida Lu?
    Só aplaudi-la. De pé!
    Beijo..já estou de volta!!

    Ma

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