quinta-feira, 3 de novembro de 2011

Métrica

O verso pentassílabo - cinco sílabas poéticas - é extremamente popular, por ser de fácil construção e de belo efeito declamatório, com seu ritmo marcante. Talvez por isso tenha recebido o nome específico de Redondilha Menor.
A Marilene deixou-me, na postagem anterior, estas frases em comentário:
"Nada entendo sobre formatação de versos."
"Sempre me deixei levar, exclusivamente, pelo sentimento que as palavras me despertam".
Pois contem as sílabas, cantem os versos e sintam a perfeição das redondilhas que nasceram da alma lírica dessa poetisa que nada entende de metrificação:


Agoniza o sonho
No nascer da aurora,
Noite insone e fria
Sem a companhia
Do que era esperado,
Cai a chuva fina
Chora a alma em rimas;

O jarro sem flores
Conta suas dores
E a beleza ausente,
Até ele sente
Que ficou vazio
Sem a excelência
Das rosas vermelhas
Das velas acesas
Que por sobre a mesa
Eram luz e vida.

As paredes guardam
O som dos sorrisos
E a foto do abraço
Que tanto encantava
Ora está rasgada
E jogada ao chão;

Todo o ambiente
Foi contaminado
Com a forte tristeza
Da desilusão.


(Desilusão - Marilene, Momentos Fragmentados, 12 de outubro de 2011)
*  *  *  *  *
Conforme aumenta o número de sílabas, vai crescendo em importância a influência de outras tônicas, além da última, no ritmo da declamação - os "pés" do verso. Os Hexassílabos ou Heróicos Quebrados (versos de seis sílabas métricas) costumam ter, como sílabas fortes, a segunda e a sexta:


Não solta a voz canora
No bosque o vate alado,
Que um canto disparado
Tem sempre a cada aurora;
É mudo quando habita
Da terra n'amplidão.
(Gonçalves Dias)
*  *  *  *  *
O metro heptassilábico é, a meu ver, o mais presente na poesia - pelo menos, na poesia brasileira. Suas sete sílabas poéticas aliam a expressividade dos versos mais longos à simplicidade de construção do verso mais curto. É a famosa Redondilha Maior:


A última forte prima
Por levar do verso o cetro:
É onde começa a rima,
É onde termina o metro.
(Versos meus)


Essa lembrança insistente,
Qual uma mosca vadia,
Vive pousando na gente;
E a gente se arrelia,
E a espanta novamente,
Até que desista um dia.


(Versos meus, em comentário ao Decidi Viver, da Déya, em 08/05/11)
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Os Octassílabos (versos de oito sílabas) não são muito comuns:


Ó meu amor que já morreste,
Ó meu amor que morta estás!
Lá nessa cova a que desceste,
Ah! nunca mais florescerás?
(Cruz e Souza)
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Já os Eneassilabos (versos de nove sílabas métricas) são mais usados:


Minha musa não é como ninfa
Que se eleva das águas, gentil,
Co' um sorriso nos lábios mimosos,
Com requebros, com ar senhoril.
(Gonçalves Dias)
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Os Decassílabos são famosos, principalmente quando em forma de Heróicos - que apresentam uma segunda tônica na sexta sílaba. Camões escreveu Os Lusíadas em 8.816 versos heróicos perfeitos:


As armas e os barões assinalados,
Que da ocidental praia Lusitana,
Por mares nunca d'antes navegados,
Passaram ainda além da Taprobana,
Em perigos e guerras esforçados,
Mais do que prometia a força humana,
E entre gente remota edificaram
Novo Reino, que tanto sublimaram;
(Luis Vaz de Camões - Os Lusíadas)


Os decassílabos são também os preferidos pelos sonetistas. Versáteis, apresentam as seguintes variações:
Heróico - Decassílabo com sílabas tônicas nas posições 6 e 10
Sáfico - Decassílabo com sílabas tônicas nas posições 4, 8 e 10
Martelo - Variedade do Heróico com tônicas nas posições 3, 6 e 10
Gaita Galega ou Moinheira - Decassílabo com tônicas nas posições 4, 7 e 10
Estas variações podem misturar-se, sem comprometer a qualidade lírica da composição:


Quem passou pela vida em branca nuvem
E em plácido repouso adormeceu,
Quem nunca sentiu o frio da desgraça,
Quem passou pela vida e não sofreu,
Foi espectro de homem, não foi homem;
Só passou pela vida - não viveu.
(Francisco Otaviano)
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Hendecassílabos (versos de onze sílabas métricas) são mais comuns do que se pensa. E quando o poeta consegue distribuir as tônicas nas sílabas de número 2, 5, 8 e 11, o resultado é um ritmo hipnotizante - comparável ao Rap moderno:


Nos últimos cimos dos montes erguidos
silva, já ruge do vento o pegão;
Estorcem-se os leques dos verdes palmares,
Volteiam, requebram, doudejam nos ares,
A que lascados baqueiam no chão.
(Gonçalves Dias)
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Alexandrinos ou Dodecassílabos (versos com doze sílabas métricas) já foram os preferidos para composições épicas:


Fernão Dias Pais Leme agoniza. Um lamento
Chora longo, a rolar na longa voz do vento.
Mugem soturnamente as águas. O céu arde.
Trasmonta fulvo o sol. E a natureza assiste,
Na mesma soidão e na mesma hora triste,
À agonia do herói e à agonia da tarde.
(Olavo Bilac - O Caçador de Esmeraldas)


Não te apoquentes, poetisa, se ao andares
Ao sol morno da praia, em total solidão,
Olhando para a areia, lá tu divisares
A par de tua sombra outra mais no chão;

É a sombra da ausência, da saudade tua
Que foge, em tua busca, do meu coração
Deixando em meu peito a lembrança nua,
A dor de teu vazio, o afago de tua mão.


(Versos meus, em comentário a "Sombras", da Carla Fernanda - Amor Acordado,  25/10/11)
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Versos de treze ou mais sílabas poéticas são classificados sob o rótulo geral de Versos Bárbaros:


Felizes são aqueles que caminham sem cuidado,

Lançando às mancheias as sementes pelo chão;
Nem todas ao cair sempre terão em flor brotado,
Mas muitas ao passante com certeza alegrarão.


(Versos meus, de 14 sílabas, em comentário a "Jardineiro de Almas", da Carla Fernanda - Amor Acordado, agosto de 2011)

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Próximo e (espero) último capitulo: Estrofação.

19 comentários:

  1. Barcellos,
    Consegui ler tudo, mas, confesso que não tenho jeito para poética. "Versos Bárbaros"? onde minha vã ignorância imaginaria tal coisa? De qualquer forma, obrigado por tentar ensinar aos não poetas alguma coisa da arte lírica. Abraços, JAIR.

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  2. Rodolfo...

    Até pensei em ser poetiza na próxima encarnação....morro de inveja de qum consegue colocar em belos versos seus sentimentos..
    Mas acabei de chegar a seguinte conclusão: EU SOU DO BARRO! e bele vou ficar... rs

    Beijinho..

    Parabéns pela aula......e pelo capricho e carinho desta sua postagem..
    bj

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  3. R.R.Barcellos,

    Ótimo Post!
    Das redondilhas Maiores e menores nasceu o HaiKai...para esse momento, Paulo Leminski...
    Abraços,

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  4. Tudo que colocou na postagem foi de grande valia para mim. Ensinamentos que tenho prazer de receber, pois farão com que, ao ler um poema, atente para esses detalhes de formatação, tão importantes.
    Você capricha em tudo que faz. Por isso, suas postagens e comentários são preciosos.

    Bjs.

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  5. Rodolfo, meu querido, persisto na apreciação e deleite de um poema, seja como forem seus versos. Não me julgue displicente, estou mais pra platéia, admirada e fascinada pelas formas complexas que envolvem a expressão da alma de um poeta. Nunca atentei pra isso, presa na emoção que provocava - ou não.

    Mas não lastimo não, vcs poetas precisam de leigos como eu, cuja desatenção semântica acolhe o que escorreu do coração...

    Um beijo, Mago (cada vez mais me convenço de que só por magia vcs conciliam método com sentimentos - e como o fazem bem!!)

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  6. Gente, longe de mim querer "ensinar" quem quer que seja a versejar. Sou diletante na arte, e só me arrisquei nesta série de postagens para encorajar este ou aquele leitor, que possa querer umas dicas, a experimentar suas próprias poesias. O verso livre é lindo e expressivo; mas o exercício - voluntário e eventual - da métrica e da rima me foi tão útil no desenvolvimento de meu "estro" que eu quis compartilhar essa experiência com quem quiser. Só isso...
    Ah, e cada poema que faço é, sim, a expressão de um sentimento real. Eu não saberia fazer de outra forma. As exceções são óbvias - o "Soneto sem verbos", o "Quadrângulo" e quejandos.
    Abraços.

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  7. Apesar do que foi dito, mais uma bela aula de literatura poética!
    Eu nem desconfiava dessas coisas!
    Mas, gostei de ver a moça que fez versos por instinto e acertou no formato!
    Abraços!

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  8. Ops, que não pareça que pus em dúvida que teus poemas expressem os sentimentos mais reais...nem poderia, pois como explicaria então, o encanto que sinto?!!

    Reafirmo minha admiração...mas voltei pra te chamar...rs

    Mago, vem aqui, vem...

    Beijo!

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  9. É uma aula sim senhor! Já pensou euzinha voltando à minha faculdade de Letras, encontrando um professor de literatura feito você? Eu seria, certamente, a mais aplicada das alunas.

    Beijos, mestre.

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  10. Delicioso, sentirmos e cruzarmo-nos com quem ama cultura e arte.
    Adoro poesia e estou sempre disposta a aprender.
    Um grande bem haja.

    bom fim de semna, abraço
    oa.s

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  11. Meu querido poeta e amigo,vim agradecer teu imenso carinho te ler e deixar um beijo com o desejo que tenhas um belo fim de semana !!

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  12. OLá, Rodolfo!

    A Sandra Puff fez um comentário na postagem anterior que se parece um pouquinho comigo...é verdade, eu tb dou aulas assim, "quebrando o gelinho", sabe por quê? simples, amigo: a juventude de hoje se amarra apenas naquilo que dizem as músicas que cantam (e os encantam!!).
    Já pensou se alguma alma boa resolvesse compor músicas com toda essa parafernália de palavreados denominativos para cada medida de verso?
    Seria muito interessante!
    Mas será que eles cantariam? A resposta é: - não!
    Enfim, sabemos disso e não devemos sofrer por isso. Nem todos gostam mesmo do Azul...há quem prefira o Amarelo...
    (Lembra-se dessa propaganda?)
    Parabéns pela continuidade de sua série, está tão exímia quanto a outra.
    Um abração!!!

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  13. Barcellos olha que aula inédita eu ganhei agor. Preciso voltar e reler tuuuuudoooo. Sei dessas coisas não amigo!!!

    Agora que a sonoridade é perfeita, lá isso é. Até para declamar o troço fluiiiii...tô ruim sobre estes conhecimentos poéticos.
    Beijos e boa noite!!

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  14. Adorei as aulas sobre os versos, sílabas e categorias, Barcellos. Qdo. escrevo trovas, prefiro a redondilha maior. Se for um soneto, dou preferência aos decassílabos ou os alexandrinos;
    "Por que chorar se os meus versos são um canto
    p'ra se sonhar e despertar em emoções?
    Por que tristeza, se num mar de sensações,
    eu me entrego e me nego a todo pranto?..."
    ... e por aí vai, até o fim deste soneto alexandrino que escrevi ontem e ainda não publicado. Bom fim de semana e um abraço afetuoso.

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  15. Boa noite meu maracujá de gaveta!
    Passando por aqui para te ler mais um pouco e agradecer pela aula que nos chega em sintonia...
    Bjs para aquecer teu domingo

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  16. Tudo com sua marca registrada: maestria! Que encoragem os duvidosos e que se lancem nessa arte todos os poetas.
    Beijuuss, amado, n.a.

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  17. Alguém aqui disse: preciso voltar e "reler tudo...maravilhoso!
    Linda aula e beijão, poeta dos bons...
    Parabéns, obrigada por partilhar com os seus seguidores.
    Mery*

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  18. Amigo a gente procura e acha esse VERSO BÁRBARO, de qualquer jeito!!!!!
    Hj não terei tempo, mas prometo que o trarei fde volta para ti tá?? Lembro-me dele perfeitamente.
    Beijos querido!!

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  19. Rodolfo.. Hoje passo para agradecer a sua sempre presença e o seu sempre carinhoso comentário a minha pessoa e a minha arte!
    Um abraço carinho..de quem muito de admira, pela pessoa, pelo homem e pelo escritor!!

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