terça-feira, 1 de novembro de 2011

Versejando


O poeta:
- Fiz uns versinhos infantis: Batatinha quando nasce / esparrama pelo chão...
O literato:
- Magnífico haplologismo! Você mudou Espalha a rama em Esparrama em favor da métrica! Fico maravilhado com seus metaplasmos poéticos - epêntese, paragoge, sinalefa, zeugma, aférese, síncope, apócope, próclise, ênclise, elisão... com destaque para os excelentes hiperbibasmos na construção do ritmo!
O poeta:
- Hã?
*  *  *  *  *
Não sou literato. Aqueles palavrões ali em cima, busquei-os na Wikipédia e já me esqueci do significado da maioria. Mas, como quase todo mundo, gosto de me considerar um poeta; e essas linhas que escrevo agora são de um poeta-rodado diletante para quem quiser lê-las, especialmente diletantes poetas-esperanças. Isto posto, vamos ao que interessa.
Em poesia, a escola romântica e as vertentes atuais renegam a métrica e a rima, em favor da expressividade do verso; mas mesmo seus grandes vates deixaram, em sua maioria, poemas que se subordinam às normas clássicas e a formas consagradas, com regras rígidas, como o soneto. E não há coisa melhor para exercitar e enriquecer o estro do poeta do que submeter-se às limitações impostas pelo metro e pela rima, e mesmo assim expor com clareza e harmonia a alma de seu poema.
Sim, também eu gosto da liberdade que o verso branco, solto, livre, me proporciona. Mas não abandonarei meu amor pela música da rima e pelo ritmo do metro. E, embora me entregue por vezes à volúpia dessa orgia de liberdade, eu retornarei sempre - amante infiel arrependido (mas não muito) - aos braços daquela poesia vestida com o manto diáfano da lira clássica. Ela sempre me perdoa.
Não tenho pretensão de ensinar o padre-nosso ao vigário; este breviário foi feito para noviços e coroinhas, não para arcebispos e cardeais. Por isso é bom repassar, para início de conversa, as regras básicas do verso clássico. E que tal mostrarmos as regras vestidas nelas mesmas?


A última tônica prima
Por levar do verso o cetro:
É onde começa a rima,
É onde termina o metro.
(Trova minha)


É por isso que prima não rima com Roma, e sim com rima, e cetro rima com metro mas não com mastro.
Quanto à métrica - a contagem das sílabas poéticas - quase todo mundo sabe que as sílabas átonas depois da última tônica não são contadas. É isso que produz o senso de ritmo - os pés do verso - quando declamamos um poema em voz audível.
Há alguns "macetes" para se acertar o metro de um verso torto (de pé quebrado):
1 - Ditongos têm valor de uma só sílaba poética. Duas ou mais vogais, átonas ou até mesmo tônicas, podem fundir-se entre uma palavra e outra, formando uma só sílaba poética - um ditongo: "É-on-de-ter-mi-nao-me-(tro)" (7 sílabas poéticas).
2 - Muito raramente, hiatos podem ser pronunciados como ditongos. É um recurso que "força" uma pronúncia pouco natural, ao declamar: "Aúl-ti-ma-tô-ni-ca-pri-(ma)" (7 sílabas poéticas).
3 - A existência de uma proparoxítona no miolo do verso permite uma pronúncia mais natural: "A-úl-ti-ma-tô-n'ca-pri-(ma)" (acho que os literatos chamam isso de síncope).
4 - Também pode-se trocar a ordem das palavras, buscando um encontro vocálico, ou usar no "miolo" do verso sinônimos com maior ou menor número de sílabas: "A-úl-ti-ma-for-te-pri-(ma)" (7 sílabas poéticas).
Em qualquer caso, é importante manter a eufonia - a harmonia da fala ao declamar - e a expressividade.


VERSOS DE METRO CURTO


Monossílabos - uma única sílaba métrica:


Vagas,
Plagas,
Fragas,
Solam
Cantos;
Cobrem
Montes
Fontes,
Tíbios
Mantos.
(Fagundes Varela).


Cala,
Canto!
Fala,
Pranto!

Ora
Chora,
Ora
Ri.

Tantos
Mantos
Fora,

Tontos
Contos
Vi!
Alma - "Soneto" monossilábico (versos meus).




Dissílabos - duas sílabas métricas:


Quem dera
Que sintas
As dores
De amores
Que louco
Senti!
Quem dera
Que sintas!...
- Não negues,
Não mintas...
- Eu vi!...
A Valsa (Casimiro de Abreu).


Nos bosques
Tristonhos,
Em sonhos
Perdidas,
Sentidas
Gorjeavam
As aves.
(Fagundes Varela).



Trissílabos - três sílabas métricas:


Vem a aurora
Pressurosa
Cor de rosa
Que se cora
De carmim.
(Gonçalves Dias).




Tetrassílabos - quatro sílabas métricas:


Andava um dia
Em pequenino
Nos arredores
De Nazaré,
Em companhia
De São José,
O Deus-Menino,
O Bom-Jesus.
Eis senão quando
Vê num silvado,
Andar piando,
Arrepiado
E esvoaçando,
Um rouxinol,
Que uma serpente
De olhar de luz
Resplandecente
Como a do sol,
E penetrante
Como diamante,
Tinha atraído,
Tinha encantado.
Jesus, doído
Do desgraçado
Do passarinho,
Sai do caminho,
Corre apressado,
Quebra o encanto;
Foge a serpente;
E, de repente,
O pobrezinho,
Salvo e contente,
Rompe num canto
Tão requebrado,
Ou antes, pranto
Tão soluçado,
Tão repassado
De gratidão,
De uma alegria,
Uma expansão,
Uma veemência,
Uma expressão,
Uma cadência
Que comovia
O coração!
Jesus caminha
No seu passeio;
E a avezinha
Continuando
No seu gorjeio,
Em quanto o via,
De vez em quando
Lá lhe passava
À dianteira;
E mal pousava,
Não afrouxava,
Nem repetia,
Que redobrava
De melodia!
Assim foi indo
E foi seguindo,
De tal maneira
Que, noite e dia,
Numa palmeira,
Que havia perto
De onde morava
Nosso Senhor
Em pequenino
(Era já certo)
Ela lá estava
A pobre ave,
Cantando o hino,
Terno e suave,
Do seu amor
Ao Salvador!
Hino de Amor (João de Deus).


Dancei, dancei
Porque meus nervos
Se contorciam
Dentro de mim;
Se distendiam
Para a distância
De eternidade
Em que a perdi.
(Tasso da Silveira).


NOTA: o "poeta" e o "literato" que abrem esta postagem são, evidentemente, personagens caricatos. Devo muito aos amigos e mestres literatos.

Referências:
http://pt.wikipedia.org/wiki/M%C3%A9trica_(poesia)

PRÖXIMO CAPÍTULO: MÉTRICAS MAIORES

23 comentários:

  1. Que aula! Você explanou com a beleza natural de quem sabe dançar com as palavras. Seu soneto monossilábico ficou encantador.
    Nada entendo sobre formatação de versos, salvo os rudimentares ensinamentos obtidos no antigo curso ginasial. Os poemas eram usados para interpretação, sem alusão a formas e rimas.
    Por isso, chamei de aula sua postagem. Não tinha me voltado, com atenção, para os aspectos que colocou em foque. Sempre me deixei levar, exclusivamente, pelo sentimento que as palavras me despertam.
    Bjs.

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  2. Gostei da tua aula, R.R. Acho bacana a poesia metrificada, feita sob o paradigma clássico, isso ocorre muito provavelmente, pelo fato de que não consigo enquadrar nada do que escrevo. Tudo o que digo é jogado no papel, o copo transbordando e água escorrendo ao léu... Mas que a poesia metrificada é linda, isto não há duvida!
    Um abração. Tenhas uma ótima semana.

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  3. Barcellos,
    As definições, as técnicas e os macetes estão todos aí, só me faltam o talento e a inspiração para ser poeta. Aplausos em pé pela explanação clara e eloquente de como se expressar em versos. Abraços, JAIR.

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  4. Muito bom! Eu quero ler e aprender bem todas estas regras... Eu ador escrever rimando e uma vez tentei criar um soneto, que acho que quase cheguei la, rsrs
    Barcellos, esta sua postagem me deu muita vontade de te mostrar algo que escrevi em setembro de 2010, acho que você vai gostar de ler.
    Não é publicidade, é vontade mesmo de mostrar algo que criei com muito carinho.
    http://wwwtempo-livre.blogspot.com/2010/09/somente-para-quem-tem-dente.html
    Tem também: Pegue a carroça... Vamos pra roça, Está faltando alguém, Casa... Comida... Roupa Lavada.
    São muitos que tem lá atrás,bem no início de meu blog, rsrs Eu cheguei a criar um conto todo rimado que se chama: Justo agora que te beijei, você me diz que é Gay? Ficou belo! Mas as rimas que usei foram assim... sem regras!

    Beijos

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  5. Parabéns!
    Deu saudade de minhas aulas de Versificação...

    Traga, please, na próxima, a "Sextilha"- de Francisco Otaviano, ok?

    Beij\0/

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  6. ATE GOSTARIA DE SABER POETAR MAS ACHO TÃO DIFICIL.
    MAS UMA COISA SEI LER E SENTIR AS BELAS POESIAS QUE LEIO POR AQUI.
    UM DIA QUEM SABE EM UMA OUTRA ENCARNAÇÃO VENHO PRA APRENDER A SER POETA ,POR HORA LEIO OS BONS QUE TEM POR AQUI. VOCE É UM
    BOM FERIADO AMIGO
    OTILIA

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  7. Barcellos, os amigos aí de cima parece que deixaram pouco a ser dito: uma aula de poesia!
    Eu só me lembro vagamente das aulas de literatura portuguesa no 1º ano científico, onde fui apresentado aos estilos poéticos e gostei muito da escola chamada parnasiana, onde o poeta coloca sua musa num pedestal, qual uma deusa!
    Mas, as ferramentas que colocas à disposição dos teus leitores são como uma espécie de Excalibur, a espada do Rei Arthur: só podem ser usadas para quem tem intimidades com as musas Calíope, Érato e Euterpe, como tu mesmo!
    A mim, como já falei, resta o prazer de admirar e aplaudir!
    Abraços, amigo!

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  8. Rodorfo, Rodorfo!

    Meu amigo de tantos ano...não carecia de jeito manera de uma nota finar nos rodapé da postage, uai!rsrs

    Mai bem que eu notei memo que tinha arguma coisa de diferente quando o poeta das batatinha, meio que ansim um tantim distraído, disse lá:

    - Hã?

    Dava a impressão que ele tava oiano era "ôtra" coisa, e não iscuitano o rapaz literato engravatado das palavra bonita!! Cê sabe, né, poeta distraído...num é bão sinar.

    Rodorfo, que pegô mar, ah, isso pegô, hôme...

    kkkkkkkkk

    Mais dispois que ocê expricô, eu saio daqui aliviada...ufa!!rsrs

    *Minha Nota de rodapé: sempre quis brincá cocê ansim...rs...
    Num me leve a mar.
    Fui.

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  9. OI BARCELOS!
    QUE AULA, NOS DESTE, ACHO VÁLIDO SABER O QUE SE ESTÁ FAZENDO,ACHO QUE O NEGÓCIO É ESTUDAR MESMO.
    EU PREFIRO A RIMA,NÃO ME SINTO PRESA A ELAS, VEM DE MANSINHO!
    http://zilanicelia.blogspot.com/
    ABRÇS

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  10. Lembra que certo dia você tentou me "educar" para a poesia e eu me saí péssima aluna?

    Não desista de mim, quem sabe um dia, né?

    Belíssima aula, mestre.
    Beijo.

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  11. APLAUSOS ao amigo!
    Que espetáculo!
    Deixa, nós, os leigos de queixo caído!
    Que inveja! Quando aprenderei a escrever tão bonito?! Quando aprenderei a dar uma aula de como se faz um boa poesia? Certamente não aprenderei nunca, pois seria uma péssima aluna! Não nasci com esse dom!

    Beijinhossssss

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  12. A aula foi completa e clara, mas meu espírito rebelde teima em sorver os versos, em desmaiar os sentidos na emoção que lhe provocam, e em envergar a presença na platéia que se comove ao ser tocada pela beleza ímpar dos versos.
    Fico do lado de cá, aquele que aplaude, em comoção, enternecida pelos sentimentos que escapam das palavras depostas em monossilábicas ou tetrassílabos versos - ou daqueles em branco, livres e soltos.

    Versejar é uma arte, e vc, um maestro a tocar nossos corações.
    Obrigada por isso, um beijo com afeto!

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  13. UIA...mais uma competência:mestre! E dos bons. Bem que gostava de aprender com seus ensinamentos essa arte, mas sigo somente com as TAGS (lembra-se?)deixando essa habilidade de versejar para Bruxos e afins.
    Beijuuss, amado, n.a.

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  14. Um autentico tratado sobre poesia e como escrevê-la. Confesso que gosto muito de poesia, e que em tempos tive pretensões a escrevê-la. Mas depois lembrei-me da minha avó que sempre dizia que não se deve pôr o sapateiro a tocar rabecão. Claro que não deixei de escrever, penso que não conseguiria viver sem o fazer. Um abraço

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  15. Prexiso estudar com mais atençao sobre isso Barcellos...são muitos detalhes que fazem a diferença....mas peço licença para escrever sem saber....
    Beijos querido!!!
    °º✿♪♫
    º° ✿✿♫

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  16. A gente se entende, se gosta e somos muitos em um, um em vários.....tempos em horas.... minutos em anos....somos assim sem caber no um mas cabendo no todo.... somos amigos.
    Boa noite Barcellos!!

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  17. O "Momentos" tem uma surpresa para si...
    Vai uma visitinha?
    Abraçoo.
    isa

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  18. Oi Rodolfo....

    Que bacana esta aula que voce nos deu!!

    Além de toda essa técnica..tem toda a sua sensibilidade e o seu jeito de ser..que nos encanta.
    Não só a mim..mas a todos...
    Sei bem o que estou dizendo.

    E obrigada pelas sempre palavras doces em meu blog sobre a minha pessoa e o meu trabalho!!

    Um beijo..

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  19. Oi, R.R. Barcellos...
    Deveras Bom esse teu Post! Bravo!
    Desmistificando a Métrica...rs
    Quando vou ensinar métrica aos alunos, digo que todos os "palavrões" que você citou podem ser nomes de "filhos"...rsss, para quebrar o gelo da aula.
    Mas como você citou, adoro os versos brancos...pois, também, não devemos ficar presos à rima igual aos Parnasianos...rsss, mas que é um exercício tremendo de bom é...vamos buscar "aquela palavra" que se encaixe no verso nos impulsiona a aumentar nosso vocabulário, ficar brincando com as palavras, é muito bom!
    As formas fixas que foram esquecidas, voltaram com nosso Vinícius, um resgatante...rss, do bom e sempre novo Soneto...
    Em sua homenagem, qualquer dia vou postar uma análise de um Poema...[segredo], com tudo que se pode tirar de um poema fixo e suas métricas.
    Parabéns por ajudar a pluralizar o conhecimento.
    A.

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  20. Essa postagem só carimba a tarimba de nosso mestre que da métrica sempre canta em rimas!

    Nem dá pra falar mais nada (foi uma aula e tanto)

    um beijo caríssimo

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  21. Bom alvorecer meu maracujá de gaveta!
    É por isso que adoro vim aqui,tem até cafezinho,kkkkkk,hj está completo...temos que emoldurar essa aula...
    Bjssssssssssssssss

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  22. Olá, Barcellos. Amigo, estive lendo este recadinho em meu blog e gostaria de saber, com certeza, se foi vc mesmo quem o deixou para alertar-me sobre a ameaça de vírus em meu blog. Eu quis me certificar antes de clicar no´link (vírus) pq hj em dia, não há segurança nem privacidade em nossos contatos virtuais. Fiquei com receio de que alguém esteja se utilisando de teu nome para me fazer clicar lá e encher meu pc de vírus. Eu tenho um anti-virus do proprio internet explorer, além do Norton, que me avisa, imediatamente quando há qualquer ameaça e a retira de pronto, limpando o pc e me avisando que já fez isto. Como ele nao me alertou absolutamente nada, daí o meu receio em clicar lá. Se puder ajudar-me quanto a isso, por favor, me confirme se o recado é seu mesmo e como faço para retirar o tal vírus que foi encontrado em meu blog, ok? Fico aguardando sua resposta, amigo, obrigada. Bom fim de domingo e abraço afetuoso.

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  23. RECADO PARA MILLA: Sim, fui eu quem deixou o aviso lá. O alerta foi disparado pelo meu navegador - o CHROME - com base numa relação de "sites" suspeitos. Você provavelmente copiou para o seu blog, ou linkou, algum arquivo daquele tal "paraorkut9.com", e enquanto vc não cortar esse link ou deletar o tal arquivo, navegadores sensíveis como o meu vão exibir o aviso, e os amigos terão receio de entrar no seu blog.
    Seu PC não está em risco. O vírus (se houver) está incubado no "site"que hopeda o seu "blog". E o aviso desaparecerá quando você cortar o vínculo. Pode clicar naquele link, ou, se preferir, vá direto à página do Sete Ramos em http://seteramos.blogspot.com/2011/09/virus.html, de setembro, e veja a trabalheira que deu... foram 4 posts seguidos de caça ao bicho. Boa sorte, moça.

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