Céu de brigadeiro. O grande quadrimotor voava lentamente,
flaps a cinquenta por cento, perdendo altura enquanto circulava em torno de
duas pequenas ilhas, perdidas na imensidão azul do Atlântico. O atol das Rocas
era uma das referências – um “fixo” de navegação – previstas nos voos de
experiência do novo sistema de navegação inercial, em fase de testes de
aceitação pela FAB.
O coronel Etraud avançou levemente as manetes de aceleração,
e o ronco suave dos motores ficou ligeiramente mais audível. O major Pagani
verificou a RPM e o torque dos motores. O Hércules estabilizou-se em uma órbita
baixa em torno das duas ilhotas, como uma mariposa atraída pela luz.
O capitão Rabello checou rapidamente cerca de quarenta
instrumentos, ajustou alguns controles e, satisfeito, recostou-se na sua
poltrona para contemplar o incrível panorama que se descortinava através das
grandes e numerosas janelas da espaçosa cabine de voo. Com sua experiência, ele
confiava nos pequenos ruídos que se misturavam ao ronco dos motores para
alertá-lo sobre qualquer quebra na rotina. O avião falava com ele.
O tenente Barcellos, o mais novo da tripulação, ainda não
conhecia os segredos desse diálogo entre o homem e a máquina, mas confiava nos
companheiros mais antigos, e também desviou sua atenção para o espetáculo
paradisíaco.
No compartimento de carga, os doze sargentos que compunham o
grupo de especialistas fizeram uma pausa nas suas atividades de monitoração e
teste dos diversos sistemas da aeronave e também se amontoaram junto às vigias
redondas de observação. Tinham 15 minutos antes de reassumir seus postos.
Os que viam pela primeira vez esse panorama estavam mudos.
Os poucos "antigões" que conheciam o atol e suas histórias terríveis
narravam em voz baixa os episódios macabros, colorindo-os com detalhes
fantásticos, conforme lhes parecia mais adequado.
- Pois é - explicava-me o sargento Lindolfo, - o navio
encheu o reservatório de água com óleo diesel, por engano, e zarpou antes que o
faroleiro percebesse o que tinha acontecido. Quando voltou, um mês depois,
todos tinham morrido de sede -- o casal e os dois filhos.
- É - complementava Bonfim, um segundo-sargento negro como a
noite. - Uma noite ele botou fogo na casa, para chamar a atenção de um navio
que passava, mas não conseguiu nada...
- Tá vendo a ilha menor? Chama-se Ilha do Cemitério - dizia
Pereira, o instrumentista. Tem mais de trezentos túmulos lá, entre faroleiros,
familiares e náufragos!
Entre fatos históricos e lendas, realidade e fantasia, o que
mais me impressionou na época - já se vão mais de trinta anos! - foi o
contraste entre o aspecto paradisíaco do atol e as histórias macabras a ele
associadas. E muito tempo depois tive oportunidade de conferir essas histórias
com documentos fidedignos.
Os quinze minutos haviam passado. O comandante acionou a
campainha. A tripulação voltou a seus postos.
- Comandante a postos - a voz tranquila do coronel soou no
"Public Adress".
- Co-piloto a postos!
- Mecânico a postos!
- Navegador a postos!
- Mestre de carga a postos! Tudo amarrado e seguro!
O coronel avançou as manetes até os torquímetros marcarem 12
mil libras. O ruído dos motores aumentou. O avião ganhou velocidade.
- Recolher flaps!
- Flaps recolhidos!
Ganhando altura lentamente, o quadrimotor fez uma ampla
curva à direita e aproou para seu próximo destino - Fernando de Noronha.
Lembranças muito bem narradas que o então tenente Barcellos guardou. Uma ótima forma para se comemorar a data. Bjs.
ResponderExcluirEu me senti ali, ouvindo, vendo e aguardando a chegada. Otimo! Boas lembranças.
ResponderExcluirBjs
http://paraneura.blogspot.com.br/2015/10/para-quem-tem-saudades.html
ResponderExcluirhttp://paraneura.blogspot.com.br/2015/10/para-quem-tem-saudades.html
ResponderExcluirVoltando de Noronha vocês trouxeram um clandestino no trem de pouso do Hércules. Lembra daquele peixe enorme? Foi distribuido para a família inteira. E que delícia.
ResponderExcluirContinuo anónima. Não consigo identidade. Desisto. Um beijo meu irmão. Dôra.
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