domingo, 18 de abril de 2010

Pioneiros do Ar

 - Orville e Wilbur Wright voaram em Kitty Hawk, possivelmente em 1903. Alberto Santos=Dumont voou em Paris, em 1906, sob as vistas da imprensa e do público, além de fiscais do Aéro-Club de France.
- Em torno do possível vôo de uns e do vôo documentado do outro criou-se uma polêmica relativa à prioridade e pioneirismo. É claro que os brasileiros aclamam Santos=Dumont como o Pai da Aviação, enquanto norte-americanos e países de língua inglesa insistem em apresentar os Wright como inventores do avião. Já muitos franceses dizem que a prioridade é da França, pois o 14-Bis foi criação de engenheiros franceses, pilotado por um franco-brasileiro... em suma, a polêmica é sustentada por muito nacionalismo cego, muita semântica tendenciosa, muita interpretação subjetiva e pouca pesquisa dos fatos.
- O Flyer é, indiscutivelmente, um projeto aerodinamicamente superior ao 14-Bis. Orville e Wilbur levaram anos para aperfeiçoar sua máquina, dando ênfase à controlabilidade, e chegaram a construir um túnel de vento para analisar várias geometrias de aerofólios. Também efetuaram inúmeros planeios, tripulados e não tripulados, antes de decidir motorizar seu aparelho. Por sua vez, Santos=Dumont fez apenas alguns testes inconclusivos, pendurando o protótipo do 14-Bis em seu dirigível número 14 (daí o nome).
- Há diferenças fundamentais entre os dois feitos. Enquanto os Wright mantinham seu projeto em segredo, visando obter os direitos de patente, o brasileiro submetia-se publicamente às regras inflexíveis estabelecidas pelo Aéro-Club de France, equipando seu 14-Bis com trem de pouso e preparando-o para decolar de um relvado em nível, independentemente do vento. Já os irmãos podiam dispensar o peso extra do trem de pouso e optar por um decolagem sobre trilhos, contra o vento e com o auxílio de uma catapulta - conforme admite Wilbur, em carta ao capitão Ferber, pedindo detalhes sobre o vôo do 14-Bis. Confira em:

http://www.webartigos.com/articles/663/4/Santos-Dumont-100-Anos-Do-14-bis/pagina4.html

 - Se os trilhos eram lubrificados e em descida é questão controversa. Provavelmente todos esses recursos foram experimentados nas primeiras tentativas - os Wright não eram burros e precisavam compensar de alguma forma a baixa potência de seu motor.
- Quem labutou, como eu, na aeronáutica, sabe que a decolagem é a fase crucial de um vôo, onde se exige o máximo de performance dos motores e da aeronave. Mesmo quem nunca entrou num avião se impressiona com as imagens de um Space Shuttle decolando. É quase um milagre o 14-Bis ter decolado com um motorzinho de 50 hp - potência inferior à de qualquer fusquinha. E o primeiro motor do Flyer produzia meros 12 HP de potência... mas acionava duas hélices de alta eficiência - um dos pontos altos do Flyer (a hélice do 14-Bis tinha péssimo aproveitamento da potência do motor).
- Em 1904, Santos=Dumont esteve nos Estados Unidos. Por conta de seus feitos com dirigíveis, gozava de certa fama lá e chegou a ser recebido na Casa Branca por Theodore Roosevelt. Há quem diga que teve então conhecimento das experiências dos Wright e que isso influenciou sua decisão de se dedicar ao mais pesado que o ar. Mas na época, os Wright se recusavam a liberar informações sobre seu projeto, para protegerem seus direitos, e a própria imprensa dos EUA não lhes dava crédito. E mesmo que o brasileiro tivesse ciência do Flyer, ele era apaixonado por máquinas aéreas, e vislumbraria apenas uma nova fronteira a alcançar - sem se importar se seria o primeiro, o segundo ou o quinto...


- E Santos=Dumont perseguiu seu objetivo com tenacidade. Após conquistar o prêmio em 1906, ele prosseguiu no rumo que se impusera e chegou ao magnífico Demoiselle, cujo projeto tornou público. Enquanto isso, os Wright obtinham a tão cobiçada patente e iniciavam uma guerra jurídica para obter seus benefícios... e em 1909 resolveram incorporar um trem de pouso à sua máquina.
- Tudo indica que os Wright realmente foram os primeiros. Mas qualquer que seja o veredicto, os três merecem estar juntos no panteão da glória. Mesmo porque há quem lhes dispute a primazia: seu nome é Otto Lilienthal. E deste eu tratarei na próxima matéria.

4 comentários:

  1. Texto isento de bairrismo e cheio de boas informações, gostei.
    Há quem diga (nosso amigo Leonel, e até já tenha escrito a respeito, que quem inventou o mais pesado pesado foi um tal de J. Lopes, auxiliar de mecânico do ASD.

    ResponderExcluir
  2. Gostei do texto e gostei do teu comentário no blog do meu Amigo Jair.

    Um beijo de Portugal.

    Boa semana.

    ResponderExcluir
  3. Siempre me es gratificante recorrer el mundo de los blogs… y encontrar algunos como el tuyo. También tengo la esperanza que alguna vez pueda verte por el mío, que también se escribe en portugués, sería como compartir esta pasión por escribir que une a tantas personas y en tantos lugares...

    Sergio

    ResponderExcluir
  4. Barcellos, por ocasião da passagem dos 100 anos do discutido vôo dos manos Wright, um canal de televisão (Discovery ou National Geographic?) e alguns pesquisadores e historiadores formaram um grupo com objetivo de, na data do aniversário do vôo, reproduzirem o feito histórico. Construíram uma réplica do Flyer, mas não conseguiram voar! Após uma das tentativas, o piloto de testes abandonou o projeto, por achar demasiado o risco de ter o corpo cortado ao meio, se uma das correias de bicicleta que transmitia a potência do motor para as hélices se soltasse, ou se rompesse!
    E, que eu saiba, este "Flyer II" não voou!
    Mas, eu acredito que naquela ocasião, os Wright realmente conseguiram, pois fizeram muitos progressos depois.
    Os propósitos dos Wright e do nosso Petit Santos eram diferentes: enquanto os americanos, com o seu habitual senso de oportunidade, vislumbravam um grande negócio, Alberto como bom brasileiro, perseguia apenas o prazer de desafiar a gravidade, além do reconhecimento oficial pelo seu feito. Embora com motivações diversas, foram todos persistentes e destemidos na sua busca pelo domínio do ar.
    (Bonita frase! Fui eu mesmo que falei?)

    ResponderExcluir