domingo, 4 de abril de 2010

Rainha ou piranha?

    Meio século atrás, mamãe nos acordou altas horas da noite. Resmungando e bocejando, nós a seguimos em fila mais ou menos indiana em direção ao quintal. Sob a luz da lua cheia, ela nos guiou até uma planta pendurada em um arbusto. E explicou:
    - Essa é a Dama da Noite. Ela só dá flor uma vez por ano, sempre em noite de lua cheia. E só dura uma noite. O botão começou a abrir já faz tempo.
    Ficamos olhando. Conforme passavam os minutos, o enorme botão ia se abrindo cada vez mais. Em meia hora, a imensa flor - inteiramente branca - estava totalmente aberta. Eu estava fascinado, assim como meus sete irmãos.
    Quando finalmente voltamos a dormir, sonhei com princesas vestidas de branco, dançando ao luar. Mas foi apenas o sonho de uma noite de verão. Eu tinha coisas mais "importantes" para ocupar minha cabeça de adolescente.
    Os anos se passaram, mas a lembrança ficou, latente e despercebida, em algum desvão empoeirado de minha memória. E um dia ela despertou de súbito, quando descobri um grande botão numa cactácea que Maria Helena trouxera há tempos para casa, numa dessas trocas de mudas comum entre as apreciadoras de plantas. Era véspera de lua cheia, e eu fiquei de olho.
    No dia seguinte, o botão estava maior e dava mostras de estar prestes a se abrir. Preparei minha Digimax com pilhas novas, levei a planta cuidadosamente a uma posição mais favorável e aguardei ansioso pela chegada da noite.
    A lua cheia apontou sobre a serra da Tiririca, e foi subindo lentamente. O botão começou a se abrir, e eu tirei uma série de fotos. Eu era o orgulhoso proprietário de uma rara flor noturna.
Minha Dama
    Mas o orgulho não durou muito. Uns dois meses depois, a mesma planta produziu dois botões, que floresceram pouco depois da lua cheia. Ficou claro que aquela não era a Dama da Noite da minha mãe. Na minha frustração, resolvi dar-lhe o nome de Piranha da Madrugada e expulsei-a, do lugar de honra em minha varanda, para o fundo do quintal.
    Mas depois refleti que a pobre flor não tinha culpa de dar com frequência, e às vezes em dose dupla. Além disso, sua beleza não merece um epíteto tão vulgar. Resolvi tirar a limpo a questão, através de uma pesquisa na Internet.
    Descobri que Dama da Noite é o nome popular de várias espécies de flores noturnas - na maioria cactáceas. Rainha da Noite, Princesa da Noite e Flor da Lua são outras variantes do mesmo nome.
    Ainda não sei qual delas é a flor da minha mãe; mas estou quase certo de que minha piranha é a Epiphillum Oxypetalum, ou a Hylocereus Undatus - ambas mais conhecidas como Rainha da Noite.
Imagem obtida na Internet
    Visto isso, acho que o nome de piranha não é o mais adequado... se bem que a História nos dá notícia de algumas soberanas que talvez merecessem a alcunha.
    Eu estava para encerrar estas linhas, quando me ocorreu a idéia de checar minha Rainha, no seu lugar de exílio. E lá estava a exibida, com dois botões novinhos em folha, olhando ironicamente para mim.
 
A bonita foto que fecha esta matéria foi obtida em http://br.olhares.com/dama_da_noite_foto516866.html

E a bela voz que dá vida à ária é - eu acho - da famosíssima soprano siberiana Rita Streich.

 


5 comentários:

  1. Barcellos,
    Muitos cactos se comportam assim como descrito por você. O fato é que, lá na natureza selvagem, eles florescem no escuro por que o vetor de disseminação do pólen é o morcego que, como sabemos, alimenta-se de insetos e néctar a noite. Gostei da homenagem a essa bela planta que é tão mais venerada pela sua beleza por ser tão discreta em exibir-se.

    ResponderExcluir
  2. Barcellos, na época da minha infância, apesar da pobreza, minha mãe tinha uma grande variedade de plantas no canteiro que havia em volta de quase toda a nossa casa.
    E eu também tive esta experiência de ser convidado para o show de brancura e beleza da Rainha-da-Noite. Fiquei maravilhado de saber que esta flor tinha encontro marcado com a madrugada.
    Por que não chama-la Dama-da-Madrugada, como "aquelas" que conhecemos?

    ResponderExcluir
  3. Cara Brandina,
    É um prazer recebê-la em meu humilde Blog. Eu sabia que mariposas noturnas polinizavam flores da noite, e fiquei sabendo por você que morcegos fazem o mesmo. Vivendo e aprendendo...
    Vou ficar de olho nos dois botões de minha Rainha, e se possível postarei novas fotos.
    Para o amigo Leonel: seu comentário valeu como incentivo. Obrigado aos dois.

    ResponderExcluir
  4. Amigo, eu não havia visto a telinha com a música na primeira vez. Ela já estava aí?
    A música de Mozart é linda.
    Pelo menos nisto, o Füherer tinha razão...

    ResponderExcluir
  5. Leonel, estou experimentando novos recursos. Incluí o vídeo há uns dois dias apenas, quando descobri por acaso o nome dessa bela ária. Agora, estou procurando o nome da prima-dona, da orquestra e do maestro, para incluí-los nos créditos. Abraços.

    ResponderExcluir