segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

Navegar é preciso

Navegar é preciso. Remar contra a corrente nada resolve, e abandonar-se a ela pode ser pior. É preciso navegar.
Navegar é conhecer as correntes e redemoinhos, as pedras e arrecifes, o vento e as marés, a enseada segura e a praia traiçoeira. É escolher um destino alcançável e planejar a rota em cada trecho. É estar preparado para o tufão imprevisto e saber contornar obstáculos intransponíveis. É saber usar o mapa e a bússola, o sextante, a barquilha e o cronômetro. Navegar, em suma, é saber chegar a salvo ao porto escolhido, mesmo sem o auxílio do GPS.


Navegar pela vida não é diferente. Aprendemos desde a mais tenra infância a distinguir o alcançável do inalcançável, e como chegar aos objetivos mais tentadores. Conforme crescemos, nossos pais nos mostram os redemoinhos e escolhos da vida e nossos mestres nos fornecem os instrumentos de navegação - que mais não são que a educação formal que recebemos. E nós vamos nos aperfeiçoando na arte de navegar pela vida, começando pelas pequenas rotas lacustres e fluviais, e as linhas costeiras, onde os menos ambiciosos se acomodam, enquanto os aventureiros prosseguem até chegar à navegação de cabotagem e finalmente às travessias de longo curso.


Mas nem todos têm a fortuna de nascer com o talento de um Torben Grael, e podemos vislumbrar muitas vezes um navegante solitário lutando contra a corrente ou dando voltas em um redemoinho. E nem sempre podemos socorrê-lo.


Pois não podemos descansar em cada porto mais que o necessário para recuperar as forças, costurar as velas e reabastecer o navio. Sempre haverá uma próxima derrota a ser planejada e vencida.

Enquanto pudermos navegar.




Nota: no site cdclassic.com.br/navprec.htm lê-se:


... poucos sabem que da mente privilegiada de PETRARCA nasceu a frase imortalizada por FERNANDO PESSOA: "NAVEGAR É PRECISO; VIVER NÃO É PRECISO", usando o verbo precisar não na acepção de necessitar (como, erradamente, quase todos o fazem) mas no sentido correto de ser exato. "A Navegação é uma ciência exata, em comparação com a Vida, que sabemos onde começa e jamais onde termina!"

Fernando Pessoa usou a mesma frase, mas deu-lhe conscientemente o sentido mais popular: "Navegar é necessário. Viver não é".


E eu cometo o crime de me afastar das interpretações desses mestres, cunhando a seguinte alegoria: "Navegar é preciso. Viver é navegar". E o significado de "preciso" deixo à escolha do leitor.

3 comentários:

  1. Além de um belo texto as informações adicionais como essa sobre a origem da frase e a conotação original, permitem que eu diga: "Barcellos é cultura"

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  2. Amigo, você me deixou arrepiado! A luz se fez!
    Depois de tantos anos ouvindo esta frase, que eu, sem nunca pesquisar sua origem, apenas acreditava ser da autoria de Camões (talvez confusão com "por mares nunca dantes navegados", que acho que li não sei aonde que também não era de Camões), só agora fico sabendo de onde veio e mais ainda, qual o seu significado!
    Agora, faz sentido!
    Realmente, navegar se baseia em ciências exatas, enquanto a nossa vida está sujeita a tantas variáveis que acaba parecendo errática e subjetiva, o que acaba por desencorajar qualquer planejamento de alcance além do imediato.
    "Vou deixar a vida me levar...pra onde ela quiser..." ou, para os pagodeiros: "Eu deixo a vida me levar! Vida, leva eu..."
    Valeu, Barcellos !

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  3. Obrigado, Rodrigues. Também eu estava enganado quanto à autoria e acepção da frase, mas tive o cuidado de pesquisá-la antes de fechar a matéria.
    Minha surpresa foi igual à sua...

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