quarta-feira, 31 de março de 2010

Genética IV

Dominância, Mutação, Deriva Genética, O Gene Assassino, Células-tronco

Dominância

- Os cromossomos herdados do pai e da mãe emparelham-se nas células dos filhos, gene por gene. Cada gene tem seu par - seu homólogo, ou alelo. Alguns alelos são dominantes, outros recessivos e alguns são neutros. Assim, nos filhos híbridos, existe sempre uma relação de dominância entre os genes.
- Quando a dominância é completa, o alelo recessivo não se manifesta. Quando há co-dominância, ambos os genes se manifestam no fenótipo - as características físicas do indivíduo. Na ausência de dominância, ocorre uma mistura das características.
- Os Polychroma Rodrigensis ilustram perfeitamente essas relações. O alelo amarelo é dominante sobre o verde, e este é co-dominante com o branco. Já o branco e o preto produzem um híbrido cinza, pois nenhum dos dois é dominante em relação ao outro.

Mutação
- Mutação é uma alteração no código genético (DNA), provocada por ação química ou fenômenos físicos. Quando não afeta as células reprodutivas, a alteração não é transmitida à prole. Muitas doenças degenerativas, como o câncer, podem ser atribuídas a mutações somáticas.
- Vou aproveitar um gancho que o amigo Jair deixou na sua recente matéria sobre datação com C-14 para ilustrar as mutações. Vamos focalizar um tipo de mutação causada pela radioatividade presente no organismo.
- Grande parte de nosso corpo é apenas água. Sobram uns poucos quilos - carbono, nitrogênio, potássio e muitos outros elementos constitutivos da chamada química orgânica. Alguns desses elementos possuem isótopos radioativos naturais. Os que mais contribuem para a radioatividade do nosso corpo são o potássio-40 e o carbono-14.
- O C-14 é vinte vezes menos radioativo do que o K-40. Mas o potássio não faz parte da estrutura do DNA. O carbono, sim.
- Uns poucos gramas de carbono fazem parte do DNA de todas as nossas células. O C-14 contido em cada grama decai à razão de 1180 desintegrações por minuto. Cada decaimento significa uma mutação - o carbono vira nitrogênio. Sorte nossa que quase todas são inócuas ou levam à morte da célula, que é prontamente reposta por outra, sadia.
- Além disso, as poucas mutações potencialmente perigosas podem causar doenças degenerativas, mas só serão transmitidas à prole em condições muito específicas:
- 1. A mutação deve ocorrer numa célula germinativa - um gameta - ou na célula que a originou.
- 2. A mutação deve manter a compatibilidade com o alelo homólogo - o gene com o qual irá emparelhar-se na reprodução.
- Como as gônadas representam um milésimo do peso corporal e os gametas um centésimo do peso das gônadas... e se levarmos em consideração que menos de um milionésimo dos espermatozóides e um milésimo dos ovócitos estão envolvidos na fecundação, a chance de uma mutação genética parece muito remota. Mas a cada dia centenas de milhões de seres humanos se divertem na cama, e é inevitável que vez por outra aconteça um acidente genético. Vamos ver alguns desses acidentes.

Deriva Genética
- Dá-se o nome de Deriva Genética ao conjunto de mutações que afetam uma espécie. Inócuas ou mesmo nocivas hoje, podem ser úteis amanhã.
- O Polychroma Rodrigensis albino surgiu a partir de uma mutação numa única célula sexual de um exemplar da variedade amarela, que gerou quatro gametas. O gene modificado é co-dominante em relação ao verde. A nova variedade quase se extinguiu, pois os besourinhos brancos eram presa fácil para os pássaros; mas os híbridos, menos vulneráveis, garantiram a preservação da linhagem até que uma nova mutação - agora na cor dos troncos das bétulas - proporcionasse aos brancos um ambiente mais propício ao mimetismo. A deriva genética nesse caso foi favorável à nova variedade.
- A deriva genética em geral e o crossing-over na reprodução sexuada são os grandes arquitetos da biodiversidade - a riquíssima variedade de ambientes, seres vivos e suas inter-relações em nosso planeta.

O gene assassino
- No início do século XIX, apareceu nos laranjais da Bahia um tipo mutante de laranjeira que produzia frutos sem semente. Sem capacidade de reprodução autônoma, a nova variedade só sobreviveu porque os citricultores já utilizavam técnicas de estaqueamento e enxertio em suas fazendas e pomares. Esse é um exemplo de mutação prejudicial ao organismo modificado, mas útil à exploração comercial. Batizado de laranja-da-bahia, ou laranja-de-umbigo, o novo fruto - grande, suculento e saboroso - atraiu logo a atenção dos produtores. Eventualmente, quatro mudas foram gentilmente cedidas a pesquisadores norte-americanos, que foram fazer suas pesquisas nos laranjais da Califórnia.
- Outra mutação - desta vez numa população isolada de P. Rodrigensis verdes e amarelos - resultou num gene recessivo letal; quando não bloqueado pelo alelo dominante, produz uma toxina mortal e mata o inseto ainda na fase de crisálida. O gene assassino sobrevive nos híbridos e mata 1/4 da descendência, nas populações não isoladas.
- Quando o gene letal é dominante, ele mata 100% da descendência, e desaparece rapidamente da bagagem genética da espécie. É como um homem-bomba que não deixa seguidores. Mais esperto e insidioso é o assassino recessivo, que age como um "serial killer", sobrevivendo e multiplicando-se à custa do esconderijo proporcionado pelo gene dominante sadio dos híbridos.
- Para que um gene seja considerado letal, ele deve provocar a morte do organismo antes que este possa procriar. Um exemplo de gene assassino recessivo no ser humano é a doença de Tay-Sachs, que mata a criança por volta dos dois anos de vida, por paralisia generalizada.
- Há também doenças congênitas, relacionadas ao sexo, cujos genes ocorrem nos pares XX e XY dos organismos sexuados. Muitas vezes, a doença é transmitida do avô, através da mãe aparentemente sadia, para um filho que não teve a sorte de herdar o X protetor da mãe, ficando com o X recessivo...
- Na pré-história do nosso planeta, ocorreram pelo menos dois eventos de extinção em massa. Várias hipóteses foram aventadas como causa:
- Queda de meteorito? Mudanças climáticas extremas? Glaciações? Convulsões geológicas? Incluam na lista de suspeitos o gene assassino - que poderia ter atuado unicamente na base da cadeia alimentar, para provocar todo aquele estrago...

Células-tronco
- Quando um óvulo humano é fecundado, ainda a caminho do útero, os cromossomos trazidos pelo espermatozóide paterno emparelham-se com os do óvulo; os núcleos se fundem e agora temos um ovo - o protótipo de um novo ser. O ovo se aninha no útero e começa a dividir-se, alimentando-se inicialmente do vitelo - a grande massa de citoplasma que lhe foi legada pelos três ovócitos seus irmãos, sacrificados exatamente para isso.
- Na quinta divisão, já existem 32 células idênticas, mas o vitelo está quase esgotado. Começa então a diferenciação celular. Algumas células periféricas se especializam na produção de uma fonte de alimentos independente: elas se transformam em um tecido capaz de absorver nutrientes do corpo materno - a placenta. As células placentárias produzem também os acessórios indispensáveis, como o cordão umbilical e os filtros que isolam o sangue da mãe do sangue do embrião.
- As outras células embrionárias agora dispõem de alimento em abundância e começam também a diferenciar-se. As mais externas vão formar a pele, cabelos e unhas, as camadas intermediárias vão gerar músculos, ossos e tendões e as mais internas vão dar origem aos órgãos digestivos e genitais, ao aparelho respiratório e aos sistemas circulatório e nervoso. O mecanismo que comanda essa diferenciação ainda não é bem conhecido. Parece que a posição no embrião tem influência, entre outros fatores.
- Chamamos de células-tronco aquelas que ainda não sofreram diferenciação completa. Elas são classificadas de acordo com o tipo de células que podem gerar:
- Totipotentes: podem produzir todas as células embrionárias e extra embrionárias - são as 32 primeiras;
- Pluripotentes: podem produzir todos os tipos celulares do embrião, menos placenta e anexos - são as embrionárias;
- Multipotentes: podem produzir células de várias linhagens - células do cordão umbilical;
- Oligopotentes: podem produzir células dentro de uma única linhagem - medula adulta;
- Unipotentes: produzem somente um único tipo celular maduro - tecidos em geral.
- A técnica de reconstrução de tecidos com o auxílio de células-tronco abre perspectivas extremamente promissoras, mas esbarra em impedimentos legais baseados em considerações éticas, morais e religiosas. As leis variam de país para país.

- Encerro esta matéria declarando que sou leigo no assunto. Meu principal objetivo ao escrevê-la foi esclarecer minhas próprias dúvidas através da pesquisa que me obriguei a fazer. Se o resultado lhe for proveitoso ou despertar sua curiosidade, eu me considerarei recompensado. Disse.

3 comentários:

  1. Muito bom, se as aulas de genética fossem sempre assim, ninguém teria nada a reclamar. Sinceramente, NUNCA "assisti" uma explanação tão bem elaborada e fácil de entender. Parabéns.

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  2. Barcellos, querido e culto amigo!

    Pode então ficar tranquilo e considerar-se recompensado, viu?

    Aprendi sua 'lição' direitinho, e o Jair tem toda razão, sua aula é sempre muito didática, muito simples e fácil de ser entendida.

    Obrigada pela nobre visita, gentil cavalheiro!

    Um enorme abraço.
    Uma Feliz Páscoa!!!

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  3. Barcellos, big show!
    Muito clara a sua explicação sobre as células-tronco, suas variedades e potenciais. Creio serem mais uma porta que se abre para a humanidade, no contexto da biologia genética.
    E, de quebra, ainda fiquei sabendo porque as laranjas-bahia agora são artigos tão caros e, apesar do nome, importadas!

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